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Justice: “Quem vai ver os Justice não está interessado em ver o Xavier ou o Gaspard”

A Time Out falou com a dupla de música electrónica antes do concerto no NOS Alive, dia 11 de Julho.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Justice
André Chémétoff | Justice
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Depois de verem o seu concerto no Primavera Sound de 2024 ser cancelado, a dupla francesa de música electrónica Justice, composta por Xavier de Rosnay e Gaspard Augé, está de volta a Portugal para apresentar o seu trabalho mais recente, Hyperdrama, no NOS Alive, a 11 de Julho.  

A Time Out esteve a falar com os artistas que criaram ‘bangers’ de música de dança, como “We Are Your Friends” ou “Safe and Sound”, mas também monumentais odisseias electrónicas, como "Waters of Nazareth" ou “Planisphere”. Nesta entrevista, conseguimos antever um pouco como funcionará o novo espectáculo ao vivo do grupo, que nos revelou não estar nervoso por ter 12 toneladas de equipamento a sobrevoar as suas cabeças. 

Numa conversa liderada por Xavier de Rosnay, os franceses partilharam ainda um pouco como foi o processo de criação do disco Hyperdrama e porque é que não tem o hábito de acompanhar as novas tendências musicais que os rodeiam.  

Os Justice já tocaram em festivais em todo o mundo e em salas de espectáculos de todos os tamanhos. Quais foram as maiores dificuldades que sentiram quando fizeram a transição de actuar em clubs pequenos para palcos de maior dimensão, como o NOS Alive? 
As dificuldades estavam em vários níveis. Em primeiro lugar, foi perceber que, quando tocas nos festivais – isto foi algo que o [DJ e produtor britânico] Erol Alkan nos ajudou a entender – a maior parte das pessoas não está lá para te ver. Talvez conheçam uma música ou até saibam quem é o grupo, mas, na maior parte das vezes, elas estão lá para ver o cabeça de cartaz. Por isso, o teu grande objectivo tem de ser captar a atenção das pessoas que te estão a ver e oferecer um momento divertido, mesmo que elas não façam ideia do que estás a fazer. 

Isso costuma influenciar a forma como preparam os concertos? 
Temos sempre em conta, quando estamos a pensar nas nossas digressões, que não podemos comprometer a música e torná-la mais higienizada ou estúpida. Queremos que seja uma experiência divertida para todos, imediatamente, mesmo que apenas conheçam canções mais antigas, como a "D.A.N.C.E.", ou o trabalho mais recente que desenvolvemos no Hyperdrama. 

Quais são as principais diferenças dos concertos que fazem hoje e daqueles que faziam no início dos Justice? 
Outra das nossas preocupações é que, no passado, entre 2003 e 2007, os nossos concertos eram muito mais focados no formato de DJ Set, e tocar ao vivo é muito diferente. O objectivo não é o mesmo e a tecnologia que usamos é outra. Quando estás a fazer uma performance ao vivo, estás a apresentar as tuas próprias canções e, em palco, estamos apenas nós os dois e existe uma selecção de músicas que não podem falhar. A tecnologia evoluiu muito rapidamente, por exemplo, o que estamos a fazer agora com o nosso espectáculo não seria possível há cinco anos atrás. O que fazíamos na tour anterior, não seria possível nos espectáculos antes desse... Por isso, temos de gastar imenso tempo para ter a certeza de que conseguimos usar todo este material da melhor forma possível. Neste momento, sentimos que está a tornar-se cada vez mais viável fazer música em palco de uma forma mais estável e a soar cada vez melhor. Mas claro, é sempre um desafio perceber como é que tudo isto funciona. 

Estavam a falar sobre o desafio que é atrair a atenção das pessoas durante os vossos espectáculos. É por isso que costumam ter decorações enormes e grandiosas nos vossos palcos?  
Sim, em parte, é para cumprir essa missão. Como é o espaço que nos é concedido, quando actuas num festival, e nos começam a explicar as medidas do palco, começamos logo a pensar naquilo que podemos fazer com o nosso espectáculo. Além disso, esta decoração é algo que encaixa com a música que estamos a fazer. Tudo aquilo que fazemos é parte de um projecto e queremos que tudo seja coerente e funcione de forma fluída. É por isso que trabalhamos desta forma. 

Também é uma forma de se destacarem quando estão a actuar num festival. 
Sim. Nós não somos naturalmente performers. O tipo de música que fazemos não pede uma grande gesticulação. Se fores ver concertos da Lana Del Rey ou do Tyler, the Creator, talvez esse espectáculo não peça tanta decoração porque aquilo que queremos ver é o artista. 

Então o que é que os fãs de Justice esperam dos vossos concertos? 
Quem vai ver os Justice não está interessado em ver o Xavier ou o Gaspard. Nós somos apenas acessórios do espectáculo. O que realmente interessa aos fãs é a música e a experiência que sentem enquanto membros de uma audiência. Nós somos apenas figurinos no fundo desta experiência. Para nós, isso faz todo o sentido e é algo que nos encaixa como uma luva. Nós ficaríamos extremamente desconfortáveis se fôssemos o centro das atenções quando estamos a tocar ao vivo. Graças a Deus que não somos. 

Vocês nunca esconderam as vossas influências da música rock e heavy metal. Este tipo de bandas, por exemplo, durante os anos 70, também apostavam em grandes produções em concertos de estádios. Eles foram uma influência na construção dos vossos espectáculos? 
Sim, definitivamente. Neste momento, vêm-me à mente três coisas: os Grateful Dead, com a sua grande parede de amplificadores. Existe uma fotografia memorável, onde a polícia está a segurar nesta "montanha" mecânica de equipamento. Os Slayer com todos os amplificadores da marca Marshall. Mas também somos inspirados pelos Pink Floyd, seja pela fase em que estavam a tocar o The Wall ou o concerto Live at Pompeii. Tudo isto ajuda a criar a nossa imagem e a imaginar o que pode ser o nosso concerto ao vivo. No entanto, também temos uma forte influência de filmes, especialmente clássicos ligados ao estilo cyberpunk, como o Blade Runner, Akira ou o Close Encounter of the Third Kind. Este tipo de filmes está presente nas nossas mentes quando pensamos na iluminação e nos jogos de luzes dos nossos espectáculos. Muito mais do que aquilo que está a ser feito por outras bandas mais actuais. Não temos o hábito de acompanhar música e projectos mais recentes. 

Eu vi o vosso concerto no Primavera Sound do Porto, em 2017, e foi uma visão impressionante. Nunca me esquecerei da parede gigantesca de amplificadores da Marshall que era erguida e flutuava por cima da banda. Em algum momento, temeram pela vossa vida? 
(risos) Não, não, não. A nossa equipa técnica é constituída por engenheiros que estão muito envolvidos na produção dos concertos e na sua segurança. Essa é, realmente, a nossa preocupação número um. Sentimo-nos sempre seguros no palco. Nesta tour, se não estou em erro, existe equipamento que pesa cerca de 12 toneladas a pairar sobre as nossas cabeças. Claro que é perigoso, mas sabemos que tudo foi testado mais de mil vezes e foi concebido para não cair. 

Neste novo espectáculo, estão a apresentar o vosso disco mais recente, Hyperdrama (2024). Foi um dos álbuns que mais ouvi no ano passado. Mas muita da genialidade passa pelas colaborações que ajudaram a tornar este vosso novo registo tão fresco e interessante, com a participação dos Tame Impala, o Thundercat, o Connan Mockasin. Como é que vocês fazem para replicar estes sons e talentos nos espectáculos ao vivo? 
Nós decidimos que o melhor a fazer era não tentar replicar. Para nós, fazer álbuns e fazer espectáculos são duas coisas completamente diferentes. A maior diferença é que, quando fazemos um álbum, não há preocupação com a sua eficiência. É quase o oposto. Nós gostamos de álbuns – e pensamos nisto quando os estamos a preparar – que, idealmente, as pessoas não entendam tudo na primeira audição. Queremos que se sintam compelidas a ouvir novamente, para encontrarem novos detalhes. E talvez, depois de ouvirem pela terceira, décima ou qualquer outra vez, sintam que, finalmente, amam as músicas que odiaram da primeira vez que ouviram. 

E qual é a diferença para a experiência ao vivo? 
Nos concertos queremos que tudo seja legível e compreensível logo na primeira vez. Tem de ser imediato por mais densa que a música seja. Por isso, são duas abordagens muito diferentes. O espectáculo ao vivo é como se fosse uma compilação dos nossos maiores êxitos, tem de ser eficaz e fácil de entender. No entanto, não nos podemos esquecer de manter a beleza das músicas e de não as simplificar demasiado, tal como dissemos no começo da entrevista. 

Regressando aos vossos convidados. Imagino que seja impossível replicar os feitos de alguns dos artistas que trabalharam convosco, nomeadamente o Kevin Parker, que é alguém que trabalha como instrumento de forma muito peculiar e minuciosa. Como foi trabalhar com ele? 
O que tu ouves no disco foi criado e tocado por ele, por isso, tentar tocar ao vivo seria um desserviço, não faria justiça ao trabalho dele. Por isso, nos nossos concertos, no máximo, irás ouvir a voz do Kevin. Foi óptimo trabalhar com ele e muito fácil. Apesar da nossa música ser muito diferente, os nossos projectos são similares, em muitas formas. Os Tame Impala, tal como os Justice, são um projecto que funciona de uma forma muito caseira, é um projecto de computador portátil. Os nossos álbuns foram feitos com equipamentos muito simples. Feito por uma pessoa, no caso dos Tame Impala, os primeiros álbuns foram criados pelo Kevin Parker, e por duas pessoas nos Justice. Partilhamos filosofias de trabalho muito parecidas, assim como influências sonoras. Por isso, apesar do trabalho final ser muito diferente, as nossas origens são muito parecidas. Foi por isso que pensámos que seria fácil e natural colaborar com ele. Quando começámos a colocar as mãos à obra, percebemos que estávamos certos, e que era muito simples. Nós os três começámos a fazer música e, quando já tínhamos as duas faixas prontas, "Neverender" e "One Night/All Night", sentimos que fazíamos parte de uma banda. 

Houve um longo hiato entre o Woman (2016) e Hyperdrama (2024). Como é que tem sido tocar novas músicas no palco? 
Tem sido óptimo. Nós fizemos os primeiros concertos antes do álbum sair, no Coachella, e estávamos felizes por ver que as novas músicas, que ainda ninguém tinha ouvido – porque foi antes do álbum ser lançado – eram bem recebidas como as nossas faixas mais antigas e populares. Faixas como a "Generator", "Neverender", "One Night/All Night", assim que as tocávamos, tínhamos uma reacção muito efusiva e as pessoas estavam muito excitadas por ouvir estas músicas novas. Nós já somos uma banda antiga, o nosso primeiro álbum foi lançado quase há 20 anos, por isso, ficámos felizes por o público não nos estar a obrigar a tocar os "clássicos" como a "D.A.N.C.E." ou a "Stress". Claro que ainda querem ouvir essas, mas também estão muito felizes por poderem ouvir as músicas novas. 

Enquanto banda experiente, que já actua ao vivo há mais de 20 anos, como olham para este novo interesse na música electrónica? Acham que todos estes festivais e raves dedicadas a este estilo são uma lufada de ar fresco ou uma tendência vazia para criar conteúdo para as redes sociais? 
Nós não temos por hábito seguir ou acompanhar esse tipo de tendências, por isso, diria que não temos uma opinião muito forte sobre isso. Para nós, a parte mais artística e inspiradora da música está mais na cena do rock ou, no caso do Gaspard, no punk, algo com que ele tem mais contacto do que eu. Geralmente, é nestes circuitos que vivem e acontecem as coisas que são mais interessantes, para nós. A cena electrónica e das redes sociais desperta-nos muito pouco interesse. 

Ainda na mesma linha de raciocínio. Vocês introduziram toda uma nova geração a estilos como o French Touch ou o Electroclash e tornaram-se uma grande influência para muitos artistas. Costumam prestar atenção aos "descendentes" que deixaram na cena musical francesa? 
Claro que, ocasionalmente, ouvimos projectos interessantes e vamos mantendo os ouvidos abertos para descobrir coisas novas. Mas a boa música pode vir de qualquer lado. Há novas coisas francesas electrónicas de qualidadea surgir, mas nós não nos importamos se é francês ou de outra nacionalidade qualquer, seja italiano, americano ou qualquer coisa. Na música electrónica francesa nós amamos os nossos clássicos, nós amamos Gesaffelstein ou até mesmo coisas mais antigas, nós amamos Air, mas não seguimos a cena francesa, porque, para nós, o lugar de onde vem a música não é relevante. 

Passeio Marítimo de Algés (Oeiras). 10-12 Jul (Qui-Sáb). 84€-199€ 

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