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Em 1979, Azar Nafisi, uma jovem iraniana recém-formada em Literatura Inglesa nos EUA, regressou ao seu país com o marido, Bijan, confiando que o novo regime revolucionário islâmico que pouco tempo antes tinha derrubado o governo do Xá Reza Pahlevi iria mudar o país para melhor. E ela e Bijan queriam muito contribuir para isso. Nafisi foi recebida de braços abertos e começou a dar aulas da sua especialidade na Universidade de Teerão. Mas cedo começou a perceber que as coisas iam mudar no Irão, sim, mas para pior, e que sob a tutela do soturno ayatollah Khomeini, o país ia ser transformado numa teocracia da qual as mulheres estariam entre as principais vítimas.
Além de ser obrigada a usar véu, Azar Nafisi viu a universidade onde leccionava tornar-se cada vez mais sufocante em termos de liberdade de ensino, de troca de opiniões e de debate, até tudo ficar completamente submetido aos ditames do Corão e da lei islâmica. Farta e revoltada, Nafisi acabou por ser expulsa, passando a ensinar noutra universidade em 1981, da qual se demitiria em 1987. Entre 1995 e 1997, formou um clube de leitura em sua casa, com seis das suas antigas e melhores alunas, cujas vidas tinham entretanto dado muitas voltas, dedicado à leitura e discussão de vários clássicos da literatura, caso de Lolita, de Vladimir Nabokov, O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, Daisy Miller, de Henry James, e Orgulho e Preconceito, de Jane Austen (estão todos proibidos no Irão), assim como As Mil e Uma Noites. Para elas, a literatura e a discussão dos grandes romances da sua história eram formas de resistir ao fanatismo, à intolerância e à opressão do regime, bem como de discutir a condição das mulheres na sociedade iraniana.
Em 1997, Azar Nafisi, o marido e os seus dois filhos acabaram por emigrar para os EUA, onde se naturalizou americana em 2007, tendo publicado vários livros. Entre eles está Ler Lolita em Teerão, em 2003 (editado em Portugal em 2004 pela Gótica), uma memória das suas experiências no Irão entre 1979 e 1997, destacando os tempos do clube do livro que formou em casa, e que foi um best-seller, tendo ganho também vários prémios. Ler Lolita em Teerão e a sua autora não se livraram de algumas críticas negativas, quer de académicos no Irão, quer instalados nos EUA como Nafisi. Entre estas constam “representações erróneas da sociedade iraniana que induzem em erro”, “orientalismo sistemático”, “servilismo colonial” ou “alinhamento” com os pontos de vista dos neoconservadores americanos.
Depois de ser transformado numa ópera em 2011, Ler Lolita em Teerão foi agora adaptado ao cinema pelo realizador israelita Eran Riklis (autor de filmes como Lemon Tree, The Syrian Bride ou A Viagem do Director), com argumento escrito por Marjorie David. Na impossibilidade de filmar no Irão (por razões óbvias) ou num país do Médio Oriente, devido à actual situação de grande instabilidade na zona, Riklis optou por recriar Teerão em Itália, em grande parte nos estúdios da Cinecittà, tendo insistido, no entanto, que todo o elenco fosse composto por actrizes e actores iranianos, e não tivesse nenhum nome internacional conhecido, fosse europeu ou americano.

No papel de Azar Nafisi, encontramos Golshifteh Farahani, uma das mais prestigiadas actrizes do Irão, que vive em França por ter sido banida do seu país pelo regime islâmico. Também Zar Amir Ebrahimi, que interpreta Sanaz, uma das antigas alunas de Nafisi, e das que lhe são mais próximas, vive em Paris como Farahani, e como esta, está proibida de regressar ao seu país por ter entrado em filmes ocidentais. Ler Lolita em Teerão é uma produção israelo-italiana e Ebrahimi foi criticada por colegas palestinianos por ter trabalhado com judeus, mas refutou estes ataques, tal como a própria Azar Nafisi. O filme refere, no final, o movimento Mulher, Vida, Liberdade, surgido no Irão em 2022, após a morte suspeita de Mahsa Amini, uma curda-iraniana de 22 anos, detida em Teerão pelas autoridades na sequência dos protestos contra o regime que então se deram.
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