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João Paulo Cotrim coleccionou banda desenhada (BD) até mais não. Mais ainda, deu-lhe espaço, não queria que continuasse a ser considerada "uma arte menor". Prova da quantidade, pelo menos, está na sala térrea do Palácio do Contador-Mor, casa da Biblioteca e Bedeteca dos Olivais, que reabriu a 31 de Maio, depois de uma pandemia e de três anos encerrada. Aqui estão cerca de 18 mil exemplares de BD, "quase todos dele", dá conta à Time Out o actual coordenador, Nélson Cabrita, referindo-se a Cotrim. Muitos são raros, alguns exibem encadernações duras das décadas de 40 e 50, tornando-se motivo de peregrinação – estudiosos chegam de diferentes países aos Olivais para, em residência, traduzir uma obra para a língua materna e assim espalhar a palavra e a mestria da BD. Outros viram-se para clássicos populares como o Corto Maltese de Hugo Pratt ou o Astérix de Albert Uderzo. Em 18 mil obras, há de tudo.
Foi Cotrim, escritor, editor, jornalista e argumentista, que fundou a Bedeteca de Lisboa (que é, a bem ver, a bedeteca de Portugal), tendo-a dirigido de 1996 a 2002 (na sequência da não reeleição de João Soares para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa). Morreu em 2021, entregava a Bedeteca livros por uma janelinha, à maneira pandémica, numa espécie de preparação para o fecho, em 2022, que haveria de se prolongar por muito mais do que o esperado. Mas, já naquele ano, de 2021, a saúde do equipamento não estaria no seu melhor. "Cada vez mais frágil", qualificava o jornal Público numa reportagem sobre o sonho de João Paulo Cotrim. "A Bedeteca desapareceu, pelo menos aquela que muita gente visitou entre 1996 e 2006. Foram dez anos de exposições, edições, conferências, feiras, um festival. (...) Durante dez anos, a Bedeteca foi um nome dito, usado, lembrado, comentado. Já não é", pode ler-se, com Cotrim a admitir que "não estava à espera de que a situação fosse tão grave".


Mudanças na liderança do executivo lisboeta e cortes nos apoios financeiros terão levado a Bedeteca a esmorecer, com o número de exposições e de frenesim a diminuir substancialmente e a actividade editorial a extinguir-se. Para as obras de requalificação iniciadas em 2022, porém, "nunca faltaram verbas", assegura a presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, Rute Lima, ao telefone com a Time Out, dias antes da reabertura do edifício.
Do tecto que desabou às críticas dos cidadãos
O palácio dos Olivais estava em mau estado, a casa de banho inutilizada, havia infiltrações em vários pontos. "Começou por ser uma pequena obra de requalificação, desde pintar paredes à substituição da rede eléctrica, e acabou por se tornar uma mega obra", explica a presidente. Iniciada a obra, percebeu-se que o palácio, afinal, "estava decrépito".

Com o fecho, o espólio da Bedeteca transitou para Marvila, bem como algumas obras da biblioteca. Outras foram guardadas. Já quaisquer alterações ao edifício, sendo património, estiveram sempre dependentes dos pareceres da então Direcção-Geral do Património Cultural, bem como da aprovação orçamental por parte da Câmara Municipal de Lisboa (o primeiro valor aprovado foi de 150 mil euros, com a totalidade da obra a ultrapassar os 700 mil). Os imprevistos de obra (uma parte do tecto chegou a desabar), os pareceres e as tranches foram chegando de forma faseada, fazendo atrasar a reabertura do equipamento público, explica a Junta, perante a perplexidade e, em alguns casos, indignação de muitos cidadãos. "Consigo entender a expectactiva e até a revolta de algumas pessoas, e tenho de aceitar as críticas, porque vivemos numa democracia, mas não posso concordar com elas", comenta Rute Lima, negando qualquer tipo de negligência relativamente ao equipamento ou ao valioso património de banda desenhada que gere. "Descuido não houve, até porque a Bedeteca continuou sempre a trabalhar, mesmo com os intercâmbios."



Dotadas as instalações de uma nova casa de banho, funcional e com acesso garantido a pessoas com mobilidade reduzida, instalado o elevador semi-panorâmico vindo de Itália, transformado o torreão num bar de apoio a eventos quando antes "era praticamente um pombal", reabilitado o lago do jardim, substituída a rede eléctrica, resolvidos os problemas estruturais e repensados o mobiliário e a organização do espaço (perto de 60% das obras da biblioteca, muitas das quais enciclopédias que com o progresso foram sendo substituídas por motores de busca, saíram das estantes e libertaram espaço para zonas de estudo), a biblioteca reabriu a 31 de Maio. Funciona agora de terça a sábado (ao contrário de outras da rede de bibliotecas municipais BLX, que optaram por sábados intermitentes), com espaços para estudo e consulta, uma área infantil, uma sala com computadores ligados à internet, uma varanda com mesas voltadas para o jardim e uma sala para workshops ou outros eventos, disponível para reserva sob marcação. Na Bedeteca, especificamente, nem todos os livros podem ser requisitados (os que podem estão no catálogo digital das BLX), mas todos podem ser consultados in loco, sob a supervisão de um técnico. Sobre as mesas, ainda assim, há bem mais computadores do que livros, desde a reabertura.


Ao longo do tempo, explica Rute Lima, haverá, ainda, espaço para uma forte programação cultural, ainda em construção, que poderá incluir desde apresentações de livros a concertos intimistas. No exterior, há também um quiosque-cafetaria, o jardim e uma ligação directa à Quinta Pedagógica dos Olivais. Depois dos três anos de portões trancados, a presidente da Junta acredita que a Biblioteca e Bedeteca dos Olivais "passará a ser 'a' referência das bibliotecas de Lisboa". Desde que reabriu, as mesas estão cheias e os pedidos de consulta e requisição não param. A intenção é, até, "alavancá-la em termos nacionais e internacionais", afirma a autarca.
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