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Longe dos copos, o Bairro Alto que desconhecemos é levado ao palco pelos habitantes

De oito meses de trabalho com a comunidade local sai um espectáculo com músicas originais e testemunhos sobre o que foi e o que é o Bairro Alto. Apresenta-se quarta-feira, 25 de Junho, no CCB.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Moradora do Bairro Alto
DR/Tanque Cultura | Moradora do Bairro Alto
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As bases assentam na poesia e na música, mas também em três centros de dia da freguesia da Misericórdia (dois no Bairro Alto e um em Santa Catarina) e no trabalho regular com cerca de 60 utentes. "Todas as semanas vamos lá, estamos com eles. E só isso é muito bom", conta Vera Menezes, da Tanque Cultura, associação que dinamiza o projecto Quatro Quadras Soltas a partir das memórias do Bairro Alto e que o leva ao pequeno auditório do CCB, quarta-feira, 25 de Junho

Juntos, começaram por "desbloquear memórias", partindo de nomes de ruas e de outros estímulos. Depois criaram quadras e músicas (com inspiração em Sérgio Godinho mas também no cancioneiro sugerido pelos participantes), para contar e cantar não só os problemas do território (do ruído nocturno à habitação) mas também o que o torna belo. "É um bairro que está magoado, mas que ainda é uno e onde ainda há um sentido de pertença forte", descreve a directora artística. Era preciso, no entanto, avivar esse sentido e valorizar quem o cria.

As coisas não tinham de "estar caladas dentro das pessoas", empregando a expressão usada por uma das participantes no projecto (a maioria tem mais de 70 anos). "Sinto que em Portugal desvalorizamos os mais velhos. Mas é preciso olhar para estas pessoas como alguém que já viveu tanto, que trabalhou de sol a sol, como eles dizem... Eles fizeram uma revolução! E agora associamo-los à imagem de pessoas num centro de dia, em frente à televisão. Quisemos mostrar que há muito mais do que isso", explica a responsável.

Sessão num centro de dia da Misericórdia
DR/Tanque CulturaSessão num centro de dia da Misericórdia

As músicas subirão ao palco acompanhadas de testemunhos gravados em vídeo, partilhados por donos de cafés e de pensões ou residentes activos nos grupos de redes sociais da freguesia, como é o caso de Fernando Martha. "Ao fim de algum tempo, conseguimos convencê-lo a participar. E a forma como ele fala do Bairro Alto é impressionante", reconhece Vera Menezes. No fim, o conjunto de histórias dar-nos-á a conhecer o Bairro Alto mais interior, ausente à vista desarmada, e não aquele "bairro distópico" em que a partir de uma certa hora "tudo vira", como caracteriza Guilherme Fortunato, um dos músicos do projecto, que estará à guitarra, e também cantante, no CCB.

Sessão com utentes de centro de dia da Misericórdia
DR/Tanque CulturaSessão com utentes de centro de dia da Misericórdia

Apesar de velho, à medida que as histórias vinham, tudo parecia novo. "Uma realidade que desconhecíamos, por exemplo, é que há muitos idosos a viver em quartos, em pensões, ou pessoas em condições muito precárias, que não têm água canalizada em casa", contam Vera e Guilherme. Depois, há os casos de quem recebeu uma carta de despejo e tenta replanear a vida ou ainda quem viva exclusivamente entre o centro de dia e a residência, sem vontade de se confrontar com as dinâmicas mais inóspitas do Bairro. O ruído, o álcool, a violência ou "os turistas a fazer xixi na rua" não ficaram fora das letras de Quadro Quadras Soltas, apesar disso. Esse é o lado da crítica. "Mas foram até eles que nos ensinaram a não olhar só para o lado mais defeituoso do bairro. Uma delas dizia: 'Meninos, não podem ser saudosistas!'", recorda Guilherme. Ao mesmo tempo, complementa Vera, a associação percebeu que era importante "fazer uma coisa para animar a malta".

Recolha de testemunhos
DR/Tanque CulturaRecolha de testemunhos

No teaser do espectáculo, a malta mostra-se animada. A vida mudou com a entrada da Tanque Cultura às rotinas dos centros de dia. "Eles gostam de saber que os jovens se importam com eles", sublinha Guilherme Fortunato. Cruzaram histórias, a rede até se enredou mais. "Foi um trabalho muito processual, de enraizar várias pessoas que pertencem à mesma árvore", como descreve Vera.  

Sessão em centro de dia da Misericórdia
DR/Tanque CulturaSessão em centro de dia da Misericórdia

Entre as pessoas que participaram no projecto (12 deverão subir ao palco e outras dúzias farão parte da assistência), há antigas costureiras, empregadas domésticas, contabilistas, cabeleireiras, ardinas e sindicalistas, sobretudo mulheres e maioritariamente moradoras e ex-moradoras do Bairro. Muitas delas não reconhecem, hoje, o lugar onde viveram. Mas ainda restam dois ou três cafés como ponto encontro, ou a mercearia, onde a vida de comunidade se mantém. "Enquanto houver uma pessoa com memória no Bairro Alto, ele pode estar em risco, mas não está perdido", sintetiza Vera Menezes.

Praça do Império (Belém). 25 Jun (Qua), 20.00. 7 €

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