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Mano a Mano: a história de guitarras dos irmãos Santos

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
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Bruno e André Santos estão de regresso aos discos. Cartografamos o território sonoro do Vol. 3, entre guitarras, pedais e cordofones madeirenses.

Bruno Santos veio da Madeira em 1998 para estudar no Hot Clube. Dois anos depois, já lá dava aulas. É director pedagógico da escola de jazz desde 2009. Assinou quatro discos em nome próprio e tocou com Lena d’Água, Mário Laginha, Bernardo Sassetti, Filipe Melo. Tem 43 anos. “Este rapaz é precoce!” O irmão, André Santos, interrompe a biografia com uma gargalhada. André é dez anos mais novo: nasceu em 1986. Fixou-se em Lisboa aos 20. Conta dois discos a solo e colaborações com Teresa Salgueiro, Amélia Muge, Filipe Raposo, Pedro Moutinho e Salvador Sobral – que não perde oportunidade de elogiar o amigo e o som que brota do seu rajão. Quando se juntam, formam os Mano a Mano, misturando jazz, pop, rock e folk, deixando as guitarras e os cordofones viajar pela música tradicional madeirense, pelos standards americanos e pela bossa nova brasileira.

Vol. 3 – que, como indica o nome, é o terceiro álbum da dupla – é a síntese desses passeios sonoros pelo Atlântico. Foi lançado na terça-feira, 16 de Abril, e inclui oito originais e duas versões: “Noites da Madeira”, conhecida na voz de Max, e “Stardust”, de Hoagy Carmichael. Bruno Santos é um “apaixonado” pela versão com orquestra que Nat King Cole fez desta última. “Um dia estava em casa a ouvir uma playlist qualquer e apareceu uma versão em ukelele. Ouvi aquilo e imaginei logo que podíamos fazer com os rajões.” O irmão, que fez uma dissertação de mestrado sobre o assunto no Conservatório de Amesterdão, explica: “Foram os madeirenses que levaram estes instrumentos para o Havai, em 1879, quando foram trabalhar na cana de açúcar”. “Os havaianos ficaram fascinados com estes instrumentos tão pequenos que produzem uma sonoridade tão bonita.” O rajão é apenas um deles. Há mais dois: a braguinha e a viola de arame.

O século XIX é igualmente responsável por a braguinha ter aportado neste disco. Durante os seus estudos neerlandeses, André descobriu um músico funchalense que compunha para este instrumento e acabou por fazer-lhe uma homenagem em “Valsa Para Cândido Drumond de Vasconcelos”, onde também se ouve o rajão. Duas pérolas atlânticas entre guitarras, pedais, kashakas (bolas de percussão africanas) e um patinho de borracha, instrumento central na introdução a “Guimarães”, tema feito durante uma residência artística na cidade-berço. Tudo o que está na fotografia de capa de Vol. 3, mais as camisas floridas e os candeeiros que usam como cenário nos concertos, a figurinha de Maradona, vinis de António Carlos Jobim, Bill Evans, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, Planetarium e dos inesperados Boney M. “Há uns tempos fui à Madeira e andei a ver os vinis dos nossos pais e vi lá esse, ouvi e disse: isto é groove à séria! Trouxe para cá. Quando fui buscar os discos, para a fotografia, levei esse, que é da nossa casa, da nossa infância, e pus ali”.

Mano a Mano, Vol. 3

A capa do disco é uma porta aberta para a cumplicidade destes dois irmãos e a música que lá se encontra dentro é a sala de estar, em que o virtuosismo convive com a sensibilidade de quem está a contar história sem abrir a boca: “Rosa” e “Flor do Amor” são dois temas contemplativos que Bruno compôs para a filha recém-nascida; “Parque Aventura” chama-se assim porque é o jardim em frente à casa de André (e o gravador do telemóvel insistia nesse título para as faixas que ia acumulando); “Rocky”, que perdeu a toada rock pelo caminho, ficou como tributo a Rocky Balboa e Rocky Marciano (sendo Bruno um boxeur amador). O alinhamento fica completo com “Canção em Lá” e “Cabo Verde”.

São estas as canções que os Mano a Mano vão apresentar num showcase na APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a 30 de Abril (19.30), e vão levar depois pelo país (passando pelo Festival Bons Sons, a 8 de Agosto) e talvez até EUA, Espanha e Guiné-Bissau. Em Lisboa, podemos ouvi-los – juntos ou com outros músicos – entre o Hot Clube, a Fábrica Braço de Prata e o Café Dias, um surpreendente café de bairro, em Alcântara, que acolhe pequenos concertos de vez em quando. Nestes sítios, fá-lo-ão de forma “um bocadinho escondida”, para guardar o público para o que esperam ser o maior concerto da digressão: o Centro Cultural de Belém, a 24 de Janeiro de 2020.

Seja qual for o cenário ou a data, vê-los-emos sempre da mesma forma: Bruno Santos, o mais velho, de guitarra voltada para a esquerda, e, em perfeita simetria, André Santos, o mais novo, de guitarra voltada para a direita, apesar de também ser destro. “Isso é um mistério. Eu próprio ainda não o desvendei bem. Porque eu sou destro a comer, a escrever, tudo. É a minha mão dominante. O meu pé direito também é o dominante. Eu comecei a tocar guitarra à esquerdino e eu acho mesmo que é de estar a imitá-lo, a olhar para ele e virar a guitarra para o mesmo lado em que estou a ver a guitarra dele.” Dele, do irmão. “Até tenho umas fotos, muito antigas, com guitarra à destro. Pensei que raio é que aconteceu para virar a guitarra ao contrário. Se calhar, foi obrigação do meu irmão para termos esta imagem de marca.” Agora é a vez de Bruno interromper, mas sem gargalhada e com um ar enigmático, para manter a dúvida no ar: “Foi um golpe de marketing.”

APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, 30 de Abril (Ter) 19.30.

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