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MNAC dá voz a uma poeta esquecida

Acaba de inaugurar "Como silenciar uma poeta", exposição de Susana Mendes Silva para ver no MNAC este Verão.

Escrito por
Maria Monteiro
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Em 1923, Decadência, a primeira colectânea de poesia de Judith Teixeira (1880-1959) foi apreendida e queimada pelo Governo Civil de Lisboa, na sequência de uma acção de censura instigada pela Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, liderada por Pedro Teotónio Pereira – importante político e diplomata do Estado Novo e um dos grandes obreiros do regime –, contra os “poetas da sodoma”.

O trio, composto por Judith, António Botto e Raul Leal (cujas obras, Canções e Sodoma Divinizada, tiveram o mesmo destino), era acusado de imoralidade devido à escrita homoerótica e homoafectiva, tida como ultrajante e escandalosa na época. Todos foram alvo de repressão, mas enquanto mulher e lésbica que escrevia sobre amor, sexualidade e insubmissão femininas, Judith Teixeira foi particularmente marginalizada.

Chegou, inclusive, a ser chamada de “desavergonhada” por Marcello Caetano na revista pró-fascista Ordem Nova. E, apesar da transgressão e ruptura que atravessam a sua obra, raro testemunho feminino no modernismo português, Judith Teixeira foi injustamente votada ao esquecimento. Contudo, é no lugar onde foi silenciada que a voz lhe é devolvida através de “Como silenciar uma poeta”, exposição de Susana Mendes Silva patente até dia 30 de Agosto no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) – edifício que hoje integra as antigas instalações do Governo Civil.

Foi esse detalhe simbólico que desencadeou a pesquisa de Susana Mendes Silva, artista plástica e performer cujo trabalho passa, muitas vezes, por investigar sobre o espaço da exposição. “Há sempre esta questão de ir à procura de qualquer coisa que não está à vista de toda a gente”, revela. “Quase como fazem os arqueólogos”. Também ela está habituada a desenterrar e acumular “objectos, histórias, notícias ou documentos”

Neste caso, leu os poemas e as novelas de Judith Teixeira de uma ponta à outra e debruçou-se sobre De mim. Em que se explicam as minhas razões sobre a Vida, sobre a Estética, sobre a Moral (1926), o único manifesto do modernismo português assinado por uma mulher. A partir daí, construiu uma “exposição-instalação” que ocupa toda a Sala Sonae, “uma black box que vai ter imagens projectadas, som e um objecto escultórico”.

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Como silenciar uma poeta de Susana Mendes Silva©DR

“Não entendo isto como peças que estão soltas, mas um todo com várias componentes”, descreve. Além da instalação principal, a exposição integra uma leitura performativa do manifesto e duas performances: Tradução #1 e Tradução #2, que vão traduzir um poema de Judith para língua gestual portuguesa e mirandês. “A ideia era, de facto, chegar a outros públicos, mas também tornar mais vivas essas línguas”, refere a artista.

Há um certo paralelismo entre duas línguas que permanecem desconhecidas fora dos circuitos onde são praticadas e as palavras de uma poeta largamente ignorada pela história da literatura portuguesa, conhecida apenas por pares e estudiosos. Torna-se, assim, particularmente significativo que Como silenciar uma poeta tenha aberto ao público a 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Mais ainda, se pensarmos que a exposição reivindica um lugar para Judith Teixeira na memória colectiva durante o Mês do Orgulho LGBT. Talvez os astros (e as mentes) estejam finalmente alinhados para inscrever o seu nome na história da comunidade e literatura queer portuguesas.

MNAC, Rua Capelo, 13 (Baixa, Lisboa). Até 30 Ago. Ter-Dom 10.00-18.00. 4,50€ (museu) e entrada gratuita nesta exposição.

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