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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 673 — Primavera 2025
Foi numa sexta-feira, a 27 de Setembro de 1985. Ao fim de três anos de empreitada, o Amoreiras abria com pompa e aparato – mais de dez mil convidados, entre eles o Presidente da República Ramalho Eanes, e um país inteiro na expectativa de ver materializado um projecto que tinha tanto de espectacular como de assustador. São estes os adjectivos usados por Célia Santos, contratada para o departamento financeiro a quatro dias da grande abertura. Quase 40 anos depois, continua a trabalhar no primeiro grande centro comercial de Lisboa.
Lembra-se de circular pelos corredores e galerias de planta na mão, ainda se davam os últimos retoques na obra. Os escritórios só ficaram prontos em Janeiro – até lá, improvisou-se um espaço de trabalho no parque de estacionamento. “Foi uma coisa completamente estrondosa. Havia excursões a vir de outras zonas do país só para conhecer o Amoreiras, como se fosse um monumento”, recorda Célia, hoje com 62 anos.

Portugal, e Lisboa em particular, surfava a onda do progresso. A democracia consolidara-se há sensivelmente uma década e o país tinha acabado de ingressar na CEE. Ainda assim, o comércio lisboeta não era ainda dominado pelas cadeias internacionais. A primeira Zara abriria apenas em 1991, tal como o primeiro McDonald’s. Em vez disso, Célia, que foi passando por vários departamentos do centro, recorda as lojas mais emblemáticas da abertura, como a Marques Neto – os candeeiros deixavam as pessoas “embevecidas” – e a discoteca Strauss, mas também a loja de roupa masculina Labrador, ou a do designer Augustus.
O espaço era vivido de uma forma diferente. As pessoas não apareciam só para fazer compras – iam ao cinema ou jantar fora. Os restaurantes serviam, por isso, de chamariz. Manuel Fernandes foi um dos empresários do ramo que apostou no novo espaço comercial. Há seis anos que tinha um restaurante ali para os lados das Laranjeiras. Após uma breve ponderação, decidiu expandir o negócio. “Como vinha a Loja das Meias, vim também. Sabia que era grandiosidade para a época, isso interessava-me”, recorda o proprietário d’O Madeirense. Com ele trouxe uma clientela muito particular – jornalistas e actores que eram já assíduos no primeiro restaurante –, embora tenha conquistado um novo público, bem mais familiar. Hoje, é paragem de velhos conhecidos, mas também de almoços de negócios. A ementa tem variado ao longo dos anos, mas não perde de vista as especialidades regionais – “Um cliente disse-me uma vez que já tinha comido mais espada que o Alberto João.”
“De facto, há aqui uma viragem nesta segunda metade dos anos 80, que é traduzida no aumento do número dos centros. Começam a inaugurar muitos mais centros comerciais e são maiores. E a prova de que estávamos a viver uma dinâmica que era realmente nova na transformação do aparelho comercial é que a primeira portaria regulamentar que aparece para as grandes superfícies é de Julho de 1985. Ora, a necessidade de regulamentação mostra como o sector estava a criar dinamismo”, contextualiza a geógrafa Teresa Barata-Salgueiro.

A modernização do comércio tinha batido à porta na década de 70, com a primeira geração de centros comerciais. De muito menor escala e sem uma gestão centralizada do espaços, galerias como o Apolo 70, inagurado em 1971, o Imaviz, que abriu quatro anos depois, ou mesmo o velhinho Tutti Mundi, nascido ainda em 1968, foram as primeiras experiências de concentração de vários negócios sob o mesmo tecto. “Já tinha havido uma mudança no estilo de vida, o poder de compra tinha aumentado, as mulheres também já trabalhavam em profissões liberais. A sociedade de consumo tinha crescido, ligada aos bens como sinal de estatuto. Era moderno ir aos centros comerciais”, continua.
As novas aberturas vieram redefinir a organização da própria cidade e desviar o foco do eixo Avenida da Liberdade, Marquês, Saldanha, Avenidas Novas. O caso das Amoreiras é especialmente flagrante. Com o incêndio que destruiu o Chiado, em 1988, o centro comercial tornou-se a alternativa mais óbvia para quem acorria à Baixa para fazer compras. “Aparentemente, o Amoreiras teve alguma dificuldade a arrancar. Com o incêndio, sobe desalmadamente e vai substituir o centro de Lisboa. Quem queria encontrar comércio mais diversificado, de nível mais alto, tinha que ir ao Amoreiras. Com a demora terrível na reconstrução do Chiado, muita gente se desabituou de ir à Baixa fazer compras. Aí, dá-se uma ruptura. A estrutura da cidade mudou, tal como os hábitos das pessoas”, remata.
Fonte Nova: o pequeno grande centro comercial
Também há 40 anos, Carlos Oliveira abria uma pequena loja de fotocópias e encadernações em Benfica. Um novo ramo de negócio para o professor que, hoje já reformado, continua a rondar o pequeno balcão. A Diolicópia abriu em Março de 1985, ao mesmo tempo que o centro comercial que lhe dá guarida. Nunca saiu do sítio, só cresceu meio metro quando o volume de trabalho assim pediu. Nem tudo nesta história se resume ao papel – foi aqui que conheceu Celeste Dias, na época apenas uma funcionária da loja. Estão casados há 37 anos.
“As filas eram imensas, chegavam até onde é o cabeleireiro. Não havia fotocopiadoras nas empresas, as escolas vinham cá todas. À meia-noite, fechávamos e pedíamos autorização ao centro para ficar a trabalhar até às duas da manhã”, recorda Celeste.

A história do Fonte Nova é feita de altos e baixos. Abriu com estrondo – “toda a gente queria entrar no cocktail” –, resistiu à chegada do gigante Colombo, chegou a ter um bar aberto até de madrugada, ganhou luz natural nos anos 2000 com a instalação de uma clarabóia translúcida, foi passerelle de desfiles de moda, perdeu as salas de cinema em 2016. Espaço diferente de tudo o que já se tinha visto na época, sobreviveu e adaptou-se aos novos tempos. “O Fonte Nova é o primeiro espaço comercial que abre com o que ainda hoje entendemos como comércio integrado. Existe uma administração, as lojas não são propriedade dos lojistas, o espaço é gerido de forma integrada. Se calhar, na altura, essa forma de trabalhar não fez assim tanta diferença, mas veio a revelar-se muito eficaz mais à frente, quando começam a abrir muitos espaços comerciais”, explica Helda Silva, a trabalhar no Fonte Nova desde 1990 e há 27 anos como directora do centro.
Se no início, a fama do espaço galgou as fronteiras de Benfica, que crescia em densidade populacional, atraindo mais e mais famílias de classe média, hoje, o Fonte Nova parece ter a escala à medida do bairro onde se insere. Lá dentro, há um autêntico encontro de gerações. Carlos e Celeste já atendem bisnetos dos primeiros clientes. Helda fala de uma relação de proximidade e conveniência com os vizinhos que vivem e trabalham nas imediações. “O tempo é cada vez mais importante para todos nós e essa é a vantagem de sermos pequenos. Muito rapidamente, as pessoas entram aqui e conseguem o que quer que estejam a precisar, dentro das necessidades básicas de consumo. Se conseguem fazê-lo no Fonte Nova, preferem fazê-lo no Fonte Nova”, remata.
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