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A Liberdade É Uma Maluca
© Pauliana Valente PimentelA Liberdade É Uma Maluca

Nesta casa, a Liberdade não vem só e é mesmo maluca

Encenada por Hugo Mestre Amaro, a peça passa-se no 25 de Abril de 2024 e segue três irmãs que celebram 50 anos de vida e de Revolução dos Cravos. ‘A Liberdade É Uma Maluca’ está em cena no Teatro do Bairro, entre 3 e 21 de Abril.

Escrito por
Beatriz Magalhães
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A 25 de Abril de 1974, irrompia uma revolução que, há muito aguardada, queria acabar com a ditadura. Em pleno Largo do Carmo, no meio de uma multidão de militares e milhares de cidadãos, uma mulher estava prestes a tornar-se mãe. Envolta num ambiente em que todos ansiavam por gritar, finalmente, liberdade, esta mulher deu à luz três filhas. Hoje, a 25 de Abril de 2024, Maria da Liberdade, Liberdade Maria e Aurora da Liberdade fazem 50 anos, 50 anos com muito para contar. A Liberdade É Uma Maluca sobe ao palco do Teatro do Bairro para celebrar o aniversário das três mulheres e, ao mesmo tempo, pintar o retrato de uma família e de um país que cresceram juntos. Estreia a 3 de Abril.

A convite do Teatro do Bairro, a peça surgiu em torno das celebrações do 25 de Abril, mas, para Hugo Mestre Amaro, isso não significava ter de contar uma história que já foi contada várias vezes antes. “Eu não queria fazer uma coisa de cravo ao peito e baladeira, porque nos tempos em que nós vivemos não é difícil uma pessoa ser um bocadinho cínica em relação ao conceito de liberdade, que é aquilo que foi tão arduamente conseguido e que nós herdámos, mas que, a qualquer momento, podemos perder. E, hoje em dia, é um conceito que parece abstracto, então eu quis escrever uma coisa que reflectisse isso. Queria poder ser mordaz e um bocadinho cáustico”, conta o encenador, em conversa após um ensaio no Teatro do Bairro.

A Liberdade É Uma Maluca
© Pauliana Valente PimentelA Liberdade É Uma Maluca

Estamos em casa da Mãe das Liberdades. Liberdade Maria e Camarada chegam, de cravos na mão. Maria da Liberdade encarrega-se de polir os talheres. De repente, ouvem-se batidas na porta. A casa fica às escuras e uma luz azul acende e apaga, lembrando uma sirene de polícia. Enquanto ouvimos um ensemble de canto tuvano, um rapaz entra em casa, de costas e em câmara lenta. Rapidamente, tudo volta ao normal. Este rapaz é o Filho da Liberdade, filho de Liberdade Maria e de Camarada. Foi detido pela polícia, injustamente segundo ele, e agora passeia uma pulseira electrónica no tornozelo. Logo no dia em que as três irmãs celebram o quinquagésimo aniversário. Logo no dia em que, na rua, se marcha em nome da Revolução dos Cravos. 

Entretanto, aparece a terceira irmã, Aurora da Liberdade, e, do sofá, levanta-se a Mãe das Liberdades. Assim, debaixo de um só tecto, ficamos a conhecer cada uma das personagens. Maria da Liberdade, reacionária, conservadora e religiosa, Aurora da Liberdade, vedeta da televisão casada com um político corrupto, e Liberdade Maria, idealista e feminista. Com o 25 de Abril como pano de fundo, partimos numa viagem que atravessa as relações entre os membros da família e que reflecte acerca das mudanças que a Revolução de Abril trouxe à sociedade e, em particular, à vida privada.

A Liberdade É Uma Maluca
© Pauliana Valente PimentelA Liberdade É Uma Maluca

Num dos momentos, Filho da Liberdade reflecte acerca de como se sente impotente perante uma sociedade em que ele não se revê em ninguém, em que não encontra um líder em quem pôr as suas esperanças, um herói que o salve deste dilema e deste vazio a que ele se vê sujeito. Por fim, confessa que, nas últimas eleições, votou em branco e agora carrega uma culpa desmesurada pelos resultados das mesmas. O encenador confessa que não deixa de ver uma parte de si no Filho da Liberdade e que este aborda as mesmas preocupações que, como ele, têm tantas outras pessoas.

Uma das coisas que caracteriza a peça é o cruzamento de elementos realistas e um tanto surrealistas. Desde uma mãe que dá à luz trigémeas literalmente no meio de uma revolução e as quais são imediatamente embrulhadas em bandeiras de Portugal, ao momento em que, do nada, as personagens sucumbem e quando acordam são interrogadas por um inspector vestido de insecto, momento este que se revela uma alucinação provocada por uma mistura entre CBD e medronho. Aqui, os simbolismos são vários e, por um lado, aludem ao 25 de Abril. “Queria ter uma coisa muito louca a presidir a isto tudo, mas depois, ao mesmo tempo, bastante surrealista e que o que acontecesse em cena e o tipo de conflitos, o tipo de imagética que nós temos, tudo fosse muito realista e criasse esta dicotomia”, explica.

A Liberdade É Uma Maluca
© Pauliana Valente PimentelA Liberdade É Uma Maluca

A história desta família acaba por tornar-se um espelho das vivências do público, já que vai buscar um imaginário colectivo que se centra em Portugal dos últimos 50 anos, passando por acontecimentos como a Expo 98 ou o desaparecimento da Madeleine McCann. Porém, ao longo de toda a peça, um tema que não fica por abordar, ou esta não fosse acerca da Revolução de Abril, é a liberdade que, à semelhança do que canta Jorge Palma, pode sim ser uma maluca. “A liberdade não é aprisionável, o que também tem um lado perigoso, porque não é só uma coisa para bom uso. Infelizmente, a liberdade também é muito mal usada e nós somos vítimas disso e, cada vez mais, somos prisioneiros dessa coisa e, aqui, tu tens esses ingredientes também, houve pessoas que foram livres a tomar decisões muito erradas e que levaram esta família aonde está.”

Finalmente, no fim do espectáculo, depois de discussões, alucinações e reflexões, a família junta-se para apagar as velas do bolo de aniversário e, em jeito de catarse, Filho da Liberdade pega na guitarra e canta. Canta sobre o amor, sobre a liberdade, sobre o 25 de Abril.

Teatro do Bairro. 3-21 Abr. Qua e Sex 21.30, Sáb e Dom 18.00. 6€-15€

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