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Selim B. Taziri
© Francisco Romão Pereira / Time OutSelim B. Taziri, no Ecolonco

Nos Anjos, Selim faz política com a sua mercearia a granel

A Ecolonco começou com uma pequena mercearia a granel, mas hoje ganhou uma nova morada e um propósito ainda maior.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Estávamos em 2021 quando Selim B. Taziri, então com 25 anos, arriscou abrir uma modesta mercearia a granel no bairro dos Anjos. Era o segundo ano de pandemia, o mundo ainda estava confinado e desconfiado, e Selim trabalhava sozinho e sem armazém. “Tinha orçamento de estudante, mas estava disposto a fazer o sacrifício e os clientes foram aparecendo porque pensavam ‘é só um gajo, com um espaço pequeno, a tentar fazer uma coisa boa’”, conta-nos, já na sua nova morada, no número 8B da Rua de Macau, o sol ao alto e a esplanada cheia. Aberto há quase três meses, mas ainda com muitas novidades por anunciar, este novo Ecolonco também é café e, se tudo correr bem, no Verão inaugura um espaço de aprendizagens e activismos vários, com programação para todas as idades. “Desde workshops e oficinas amigas do ambiente até aulas de dança, yoga, pilates, boxe, o que for preciso para ter uma cabeça e um corpo mais tranquilos.”

Ecolonco
© Francisco Romão Pereira / Time Out

Quando perguntamos como veio aqui parar, Selim revela-nos que nasceu em Paris e cresceu na Tunísia, mas sonha com Portugal há muito, muito tempo – muito antes de se mudar de vez, já cá vinha surfar umas ondas. O pai é franco-tunisino, a mãe portuguesa. “Não me sinto francês e crescer na Tunísia foi difícil, com a ditadura, o governo, depois a revolução de 2011 e o facto de não sermos muçulmanos num país onde a religião predominante é o islamismo. Queria viver num país onde pudesse realmente discutir política e economia, e ser ouvido, e queria conhecer o meu lado português, porque me sinto português. Sou português”, acrescenta, com convicção. “Toda a minha vida tive um nome árabe e aqui muitas pessoas acham que sou indiano ou do Bangladesh. É ok para mim, não me importo: só que muitas vezes essa percepção existe com preconceito. Então, quero mostrar que quero fazer coisas boas", confessa.

Ecolonco
© Francisco Romão Pereira / Time OutEcolonco, mercearia a granel e café nos Anjos

O activismo ambiental tem a ver, por um lado, com o facto do pai ser de Djerba, onde há muita poluição por plásticos; e, por outro, com os anos de voluntariado que fez junto de várias comunidades e um gosto genuíno pelos animais e a natureza. Já a ideia propriamente dita de abrir uma mercearia a granel só veio depois de visitar várias pela cidade e ter achado tudo muito “clínico e caro”. Não queria criar um espaço onde as pessoas fossem só para ir comprar um produto, mas que as permitisse viver esse estilo de vida de forma uma acessível e descontraída.

“Sempre quis ter um lugar onde podemos tomar café, beber umas cervejas, falar de ecologia, de políticas, dos nossos problemas, do amor, e não sentir culpa”, diz. “Conheço muitas pessoas que fazem yoga, têm uma grande casa com piscina e passam a vida a dizer para nos preocuparmos com o planeta. Mas quer dizer, se o meu vizinho recebe mal, tem a mãe doente, o filho não ajuda, eu não lhe vou dizer ‘olha o plástico, cuidado’, porque isso não é uma prioridade para ele, que precisa de sobreviver. A responsabilidade é do Governo e de nós, executivos. Nós é que temos de facilitar o processo.”

Ecolonco
© Francisco Romão Pereira / Time Out

No fundo, Selim – que agora conta com a ajuda do irmão Mehdi e de uma pequena equipa internacional – está a tentar fazer a sua parte. Na Ecolonco, combate-se o desperdício e promove-se o consumo responsável. Na mercearia, destacam-se os produtos a granel – ananás seco (2,80€/100gr), caju inteiro (2,20€/100gr), banana chips (1,30€/100gr), flocos de aveia bio (0,77€/250gr), entre tantos outros –, bem como as frutas, os legumes e as ervas aromáticas, que chegam todas as quintas-feiras e costumam esgotar rápido. Na terça-feira em que visitámos o espaço, por exemplo, já não havia frescos. “Se ficam feias, já ninguém quer levar, parecem órfãos”, provoca Selim, por entre risos.

Ecolonco
© Francisco Romão Pereira / Time Out

Há ainda “produtos estranhos”, brinca, referindo-se a especiarias e a “coisas” como algas marinhas (3€/100gr); e vários artigos de limpeza, cosmética e aromaterapia, inclusive ingredientes para quem quiser arriscar produzir em casa. Em menor número, o artesanato, sobretudo em pano e madeira. Quanto à proveniência, é tudo escolhido a dedo tendo em conta o seu impacto ecológico: ou é bio ou é local, de preferência os dois ao mesmo tempo. Se não puder garantir que é bio, aposta em qualidade. “Às vezes temos de ir buscar lá fora: as massas italianas, por exemplo, e algumas especiarias, que vêm de mais longe, mas sabemos que são boas.”

Na zona de café, que inclui uma esplanada e mais meia dúzia de mesas no interior, os menus, um doce e outro salgado, são ajustados diariamente em função dos produtos disponíveis na mercearia. Se estiver com sorte, haverá, por exemplo, tartine do sol, uma tosta com um molho de pimentos e tomate, a que pode acrescentar chouriço, queijo e ovo (8,90€ c/1 à escolha e + 1,50€ cada extra). Apostam-se ainda nas tostas e nas tartes, que tanto podem ser doces como salgadas, e nos doces, como bolos (3€/fatia), cookies (2,50€) e crepes com diferentes molhos (6€). Para beber, há clássicos de cafetaria, de café aos sumos naturais, bem como cerveja artesanal portuguesa, vinhos nacionais e cocktails.

Tartine do Sol
© Francisco Romão Pereira / Time OutTartine do Sol

Um sítio para se estar. É também o que Selim espera que o Ecolonco possa ser. E a fachada integral de vidro para a rua, que permite a iluminação natural do espaço, parece estar a dar os seus frutos. Há várias mesas ocupadas lá fora, algumas também no interior, e pessoas a circular pela mercearia. “Temos ainda um espaço por inaugurar, são mais 60 metros quadrados [para juntar aos restantes 130 metros úteis], que vai dar para ter programação: workshops, oficinas, aulas, coisas para mexer e expulsar o stress. Hoje em dia temos todos muito stress, há muitos jovens que não sabem qual é o seu propósito”, lamenta, cheio de vontade de contrariar a tendência. Mas isto só é possível, confidencia-nos, porque encontrou quem quisesse investir.

Mural de CHingel
© Francisco Romão Pereira / Time OutMural de CHingel, no Ecolonco

“Tentei os bancos, mas ninguém me quis dar um crédito, e também não tive sorte com o Governo. Telefonava e tinha de esperar horas. Quem tem aveia para comprar não pode ficar à espera. Quem me ajudou foi uma senhora francesa, que queria investir em empresas e ideias sociais.” Uma angel investor, como se diz na gíria das start-ups. “Agora somos amigos e sócios. Em seis meses, encontrámos este espaço e fizemos as obras, eu, o meu irmão e mais dois senhores da construção. Chão, tecto, canalizações, electricidade, isolamento.” Por isso é que o mobiliário é praticamente todo em segunda mão e o mural na parede foi “praticamente oferecido” pelo CHingel. “Um pintor maravilhoso, muito simpático, que é nosso cliente e queria ajudar”, revela, claramente agradecido. “É bom criar comunidade.” Até Pacheco Pereira já lá foi e diz que vai ajudar a fazer crescer a biblioteca – agora, ainda é só uma estante logo à entrada, com livros de todos os géneros, em várias línguas.

Rua de Macau, 8B. Ter-Qui 11.30-19.00, Sex-Sáb 11.30-23.00

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