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Nos novos poemas de Isadora Neves Marques há política, mas também amor

A realizadora, artista visual e escritora lançou a sua mais recente antologia de poesia – ‘A Campa de Marx’ –, a primeira escrita em português.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Isadora Neves Marques
DR | Isadora Neves Marques
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É no cemitério de Highgate, em Londres, que fica a campa de Karl Marx. É onde o filósofo alemão, que nasceu em 1818 e morreu em 1883, está enterrado, sob uma enorme lápide cinzenta, na qual está inscrita a frase “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”. A Campa de Marx é o título da mais recente antologia de poesia de Isadora Neves Marques. Em vez de restos mortais, esta campa em forma de livro guarda reflexões, dedicatórias e inquietações. Guarda também o amor, a infância, o capitalismo e o género, e guarda pais, mães, amigos e amantes.

Isadora Neves Marques é realizadora e artista visual, mas é também na escrita que a encontramos. Em 2020, com Alice dos Reis, fundou a editora de poesia Pântano Books; em 2012 e 2017, publicou dois livros de contos – Morrer na América e The Integration Process/O Processo de Integração, respectivamente –; e, ao longo dos últimos anos, tem escrito ensaios e poesia, sempre em inglês. Estudou em Inglaterra e viveu quase dez anos em Nova Iorque, por isso não é de admirar o seu à-vontade perante a língua inglesa. Contudo, foi em A Campa de Marx que Isadora decidiu voltar-se inteiramente para a sua língua materna.

“Nunca se deu a oportunidade de traduzir ou publicar alguma coisa em português, apesar de escrever muito do meu trabalho nas duas línguas. E quando eu e o João Concha, o director da não (edições), começámos a conversar acerca de fazer o meu livro de poesia, foi a oportunidade de, finalmente, ter algum trabalho de poesia em português”, explica Isadora Neves Marques, referindo que os seus ensaios ou textos não são, por norma, publicados em português. 

“Não sinto que a língua crie uma divisão muito grande. É muito bonito poder colocar na página, na minha língua, aquilo que eu quero dizer. E isso vem com uma organização da poesia métrica bastante específica. São línguas muito diferentes e, para mim, é bastante interessante esse espaço entre línguas e ver o que acontece quando se escreve numa língua e o que é que acontece noutra língua”, continua.

A organização do conjunto de poemas foi pensada, desde início, em português e estes estão divididos em várias partes tematicamente distintas. O modelo varia entre o autobiográfico e o ficcionalizado e as sequências de texto não obedecem a um mesmo estilo. Aquele que mais se distingue dos restantes pela sua forma é talvez o “Cecilia Vicuña”, sobre um encontro entre Isadora e a artista chilena, na altura em que a autora vivia em Nova Iorque. “É o único de uma série de outros poemas mais nessa linha gráfica que entrou no livro final”, diz. “Conheci a Cecilia em Nova Iorque, numa fase em que eu já estava de saída de lá e gerou uma série de sentimentos em mim. E o poema começou a crescer sobre esse encontro, sobre essa memória biográfica final acerca do que é deixar aquele sítio, o que é que significa pertencer a um sítio como Nova Iorque e o que é que aquela cidade faz às pessoas.”

A Campa de Marx
DR

Depois, há outros poemas que, não relatando propriamente episódios da vida da escritora, se servem das palavras para nos falar sobre o amor e sobre relações, num tom mais confessional e pessoal, que se aproxima até da carta. É o exemplo da secção que preenche as primeiras páginas e que demorou cerca de quatro a cinco anos a ser finalizada. O título é o mesmo que consta na capa da obra, que por si só carrega um significado pessoal e político que atravessa todo o livro. “É um título que me tocou. Por um lado, é bastante imagético, pesado e invoca uma série de imagens históricas e políticas, mas também é um sítio específico, ou seja é de facto o túmulo de Karl Marx, em Londres. Acaba por ser um título atractivo, emocional e pessoal, porque esses poemas começam com uma visita a essa campa. E atraiu-me por ser quase enganador, por um lado, e provocador, por outro.”

Outras partes da obra acabam por ir além da sua experiência pessoal e chegam à experiência de outros, por exemplo, de amigos. Alguns são até dedicados a alguém em específico, como é o caso de “Bárbaros”, que ao incluir uma apropriação directa de um haiku escrito pelo artista André Romão, é-lhe endereçado em espécie de homenagem. 

No final do ano, a artista e escritora conta vir a lançar mais um livro de poesia, mas em inglês. No entanto, não quer deixar de publicar novos poemas em língua portuguesa, até porque, acredita, A Campa de Marx abriu-lhe essa porta.

De Isadora Neves Marques. não (edições). 96 pp. 13€

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