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Nus, políticos e fora da norma. Estes corpos querem dançar

Com curadoria de Diana Niepce, o ciclo Corpos Políticos pretende dar voz ao corpo não-normativo e combater o discurso capacitista. Entre 4 e 16 de Março, há conferências, workshops e performances na Culturgest.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
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Quer se olhe ou deixe de olhar, um corpo não deixa de ser um corpo. Bonito ou feio, um corpo não deixa de ser um corpo. Singular ou igual a todos os outros, um corpo não deixa de ser um corpo. Porém, há quem considere uns corpos mais dignos do que outros. Estes, que se querem esconder, que não se querem ver, que não se mostram, que não sobem ao palco. Estes que são desvalorizados, discriminados e excluídos porque não se encaixam na norma. Para colocar o holofote sobre estes corpos, surge o ciclo Corpos Políticos na Culturgest. Entre 4 e 16 de Março, a programação, que tem a curadoria de Diana Niepce, inclui conferências, conversas, workshops e performances.

Bailarina, coreógrafa e escritora, Diana Niepce tem desenvolvido projectos focados na contestação das normas que ditam quem protagoniza as artes performativas. Habitualmente, são postas de lado as pessoas com deficiência e é essa realidade que a artista quer mudar. “Foi a partir daqui, de repensar os corpos enquanto corpo político e social e de que forma é que são observados na sociedade, quais são as características que ainda estão aplicadas no discurso que, muitas das vezes, nos levam a um discurso capacitista. Então, como é que isto se pode mudar através da forma como nos percepcionamos um ao outro e de que forma é que isto ainda tem de ser discutido ou apresentado, sem ser em torno das narrativas pessoais das pessoas”, explica Diana Niepce acerca de como surgiu a criação do ciclo na Culturgest.

O palco como espaço de mudança

A programação pretende ser um ponto de partida para mais do que uma discussão, para uma reformulação do sistema que se desenha em torno do corpo normativo. Além das conferências e debates, que contam com a participação de Niepce e de investigadores, autores e artistas, as performances têm o objectivo de “criar um diálogo de aproximação para com o espectador e para com os outros artistas em que há coisas que não precisam de ser ditas e coisas que são mostradas, ou que são apresentadas e justificadas num lugar válido e de força e que nos trazem uma reflexão muito mais íntima”, continua.

A 6 de Março, a bailarina apresenta a conferência-performance O Outro Corpo, uma reflexão acerca de como a pessoa com deficiência é observada e o julgamento ao qual está sujeita, assente também na historiografia de artistas com deficiência internacionais. O tema revela-se especialmente importante já que “os artistas com deficiência têm um tempo diferente, têm uma durabilidade diferente, têm um lugar de exaustão muito mais presente em torno da sua carreira e de que deve ser tido em conta.”

Desenvolvido a par com esta performance, no dia 8 e 9, sobe ao palco O Outro Lado da Dança, espectáculo de dança coreografado e interpretado pela artista. Aqui, num lugar de transcendência do corpo que leva a repensar a identidade do mesmo, também são trazidos nomes da arte performativa internacional. No palco, Diana Niepce dança sozinha, gerando “um lugar de crueza em torno de como o corpo está em constante construção e reconstrução” e em que somos levados a perceber “a forma como a qualidade do movimento e o corpo se executa, que é muito diferente do corpo normativo, mas que, no entanto, tem o seu lugar de virtuosismo.”

A dançar, não há o que esconder  

Em 2019, Diana Niepce deu a conhecer as peças de dança Raw a nude e 12 979 Dias; em 2020, Dueto e T4; e, em 2021, Anda, Diana, que foi reconhecida com o prémio Melhor Coreografia 2022 da Sociedade Portuguesa de Autores. Todos os seus espectáculos são autónomos, cada qual com uma vivência própria, mas em todos eles está presente uma tensão e uma vulnerabilidade em que nada é escondido do público. Nestes espaços, com um ou mais performers, importa também para a artista trabalhar a identidade e as especificidades de cada corpo. “O movimento não é feito sem pensar, há um lugar muito presente e consciente do que é que estamos a fazer, porque é que estamos a fazer e o que é que são os seus significados”, realça Niepce. É um trabalho complexo e esgotante, que parte de lugares de pressão física e psicológica singulares e em que a artista deixa tudo de si em palco. “Quando termina, não existe mais nada, não resta mais nada, porque tens que dar tudo de ti e isso é muito visível, mesmo que estejas absolutamente quieta em cena, sem fazer nada.”

Além da obra da coreógrafa portuguesa, o ciclo contempla ainda espectáculos de dois artistas internacionais. Diana Anselmo, que trabalha em torno da comunidade surda, apresenta Autorretatro em 3 Atos a 14 de Março, onde investiga o conceito de olhar fixamente e como um olhar que passa a colectivo pode romper os limites das definições dadas a corpos com deficiência. Nos dias 15 e 16, Dan Daw protagoniza The Dan Daw Show, com “uma poética muito íntima, violenta e perversa, muito espectacular e com uma estética muito própria do UK, em torno da sua própria vida sexual”, diz Diana Niepce.

Um projecto de investigação, de formação de público e de programação, Corpos Políticos pretende combater os discursos e mentalidades capacitistas que prevalecem no mundo das artes performativas. Através do diálogo e reflexão em torno desta temática, procura-se acabar com a hierarquia que privilegia o corpo normativo e que exerce uma violência latente sobre os corpos distantes da norma para que, assim, o espaço artístico se torne mais diverso.

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