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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 673 — Primavera 2025
Tiro e queda. Laura Carreira acertou em cheio na sua primeira longa-metragem, que escreve e realiza, à semelhança das suas duas primeiras curtas-metragens, Red Hill e The Shift, continuando a focar-se no mundo do trabalho, do ponto de vista da exploração laboral. On Falling, protagonizado pela portuguesa Joana Santos, acompanha uns dias na vida de Aurora, uma picker, ou preparadora de encomendas, num grande armazém da Escócia que se vai desconectando do mundo e de si mesma. O filme, que estreou por cá no final de Março, é uma co-produção entre o Reino Unido e Portugal, e recolheu alguns prémios no circuito dos festivais, entre eles a Concha de Prata para Melhor Realização no Festival de San Sebastián (Espanha) e o Prémio Sutherland Para Melhor Primeiro Filme no London Film Festival.
Sentámo-nos a conversar com Laura Carreira (que durante algum tempo foi Agatha, já lá vamos) numa das salas de visionamento do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), uma das entidades que apoiou esta longa-metragem focada no realismo social, na tradição do cinema de Ken Loach, cuja produtora – a Sixteen Films – se juntou à portuguesa BRO para fazer nascer On Falling.
Há uma diferença grande entre o Reino Unido e Portugal, que é a língua e o tratamento por tu e por você. E eu não sei como é que vamos avançar com esta entrevista...
Tu, por favor. Faz-me confusão, eu não sei quais são as regras, a quem é que chamo você.
Acho que ninguém sabe bem.
Exacto. Eu chego a Portugal e é logo o meu primeiro grande problema.
On Falling é a tua primeira longa-metragem, ganhou muitos prémios e teve muito boas críticas, dentro e fora de Portugal. O que é que tem, na tua opinião, para resultar nesta atenção?
Talvez muito venha das histórias que fui colecionando à medida que fui escrevendo o filme. Falei com muitos pickers que faziam o trabalho da Aurora e muitas destas conversas influenciaram observações. E, obviamente, as observações são as do dia-a-dia, não são histórias dramáticas, não têm aquele lado mais dramático do cinema. Se calhar é isso: como é material da realidade que tanta gente vive, as pessoas estão a identificar-se com a história da Aurora. Essa talvez tenha sido a chave para o filme estar a ser recebido como está.

Identificam-se porque estão a passar ou já passaram por uma situação semelhante ou porque conhecem alguém que o viveu?
Já apanhei pickers que viram e, no final, vieram falar comigo e agradecer por ter feito o filme. E esse é um lado muito bonito do trajecto deste filme. Mas também tive pessoas que vieram ter comigo que trabalharam em escritórios e em call centers e que dizem: “esta é a minha vida, a Aurora sou eu”. E fui encontrando portugueses pelo mundo, que têm a experiência de viver lá fora – da minha geração um terço vive lá fora – e é uma experiência na qual muita gente se revê. Mas sim, é esta dinâmica de sentirmos que dedicamos a vida toda ao trabalho e quão difícil é lidar com isso toda a vida.
O filme não nos diz de onde é que a Aurora vem, nem para onde vai. Sabemos que é imigrante no Reino Unido e uma preparadora de encomendas num grande armazém. Não era importante conhecermos a sua história?
Eu sempre resisti muito, porque acho que pode haver muitas versões de Auroras que experienciam esta semana como a que ela teve. E para mim isso era importante, porque, quando eu estava a escrever o filme, a Aurora era muito questionada. Porque é que não pede ajuda? Porque é que não liga à família? Porque não contacta amigos? Era uma visão muito julgadora da personagem. E também há a ideia de que como imigrante há sempre uma família atrás. Para mim eram questões estranhas, porque o filme também bebe um bocadinho da minha experiência nos primeiros anos na Escócia. As alturas em que passei pior eram os momentos em que eu queria falar menos com Portugal [risos]. Por exemplo: eu tinha uns vizinhos que eram portugueses e ouvia as conversas todas, porque eles falavam muito alto, e lembro-me de um Natal em que o casal passou o dia todo a discutir. No final, ela recebe uma chamada e conta um dia completamente diferente, um dia fenomenal. Há muito essa pressão, como imigrante, de ir lá fora e ter sucesso.
Tive pessoas que vieram ter comigo que trabalharam em escritórios e em call centers e que dizem: esta é a minha vida, a Aurora sou eu.
Estará relacionado com orgulho ou com não reconhecer a situação?
Acho que pode ser as duas coisas. Estes temas que o filme aborda – a solidão, a pobreza, a alienação do trabalho – não são temas muito fáceis de falar. A Aurora não comunica nada à volta dela, não fala com ninguém sobre o que está a passar. São temas que muitas vezes são associados quase a falhas pessoais. Ou seja, a pessoa experiencia pobreza, porquê? Em que é que gastou o dinheiro? Está a trabalhar o suficiente? Temos muito um discurso de olhar para as acções do indivíduo e o que levou a chegar ali. Mas não é uma falha individual, obviamente, é uma falha colectiva de como estamos a viver.
Queria falar da interpretação da Joana Santos. Quando precisaram de uma actriz para o papel da Aurora, o que procuravam?
Nós vimos quase 600 actrizes – e pessoas que nunca tinham feito cinema também. Fiquei logo de olho na Joana, porque ela conseguia segurar os momentos de pausa que tinham, não sei, um lado mais tímido, que era muito interessante para a Aurora. Mas a Joana, ao mesmo tempo, era muito transparente e, mesmo nos momentos mais parados, é muito fácil de ler. Por isso, também filmámos takes mais longos, em que ficamos com a Aurora a experienciar o tempo. Foi uma colaboração muito positiva. Acho que ela entrou no projecto com uma empatia muito grande pela personagem. Eu precisava de alguém que fosse lutar pela Aurora e a entendesse, e, desde o início, senti que a Joana entendia.
Li algures que a Joana foi uns meses antes...
Umas semanas antes.
... umas semanas antes das filmagens para a Escócia.
Sim. E também treinou em vários trabalhos diferentes dentro de um armazém e eu trabalhei com ela um bocadinho a experienciar o trabalho. Fizemos muitos ensaios com as pessoas todas, porque, apesar de ser um filme sobre a solidão, a Aurora interage com muita gente. Isto foi algo que eu nem me apercebi quando estava a escrever o filme, só quando fizemos o casting. Descobrimos que íamos ter de encontrar 55 pessoas com diálogo. Mesmo eu, que escrevi o argumento, achava que a Aurora não falava com tanta gente.
E quem vê também não tem essa noção.
Não. Abrimos [o casting] a não-actores, portanto também foi muito engraçado, porque conseguimos trabalhar de formas diferentes. Essa parte gostei muito.

Também te queria falar desses não-actores – até escrevi nas minhas notas “actores amadores ou não-actores” – que acabaram por contratar, faz lembrar os filmes do neorrealismo italiano. Foi importante trabalhar com pessoas que tinham passado por aquelas experiências?
Sim. Nós dávamos algumas páginas do argumento para as pessoas poderem ler e várias disseram-nos: “Ah, eu faço esse trabalho”. Geralmente avançávamos os pickers mais para a frente, para tentarmos encontrar papéis, porque achava que ia ajudar o filme. E durante os ensaios eu abria o exercício para que cada pessoa pudesse encontrar a sua voz quando havia linhas de diálogo que achava que não era o que diria [na vida real], para poder ter um bocadinho de controlo sobre o que está a fazer. E foi muito engraçado com a improvisação. Houve uma cena da cantina em que eu disse: “Ok, vamos ignorar o diálogo sobre as séries e façam uma conversa de circunstância como fariam no trabalho. E eu lembro-me de um dos actores, que era picker, dizer: “Não, mas é exactamente assim, falamos de séries, falamos do tempo”. Foi muito engraçado, porque mesmo assim as descrições das séries foram todas improvisadas e há ali elementos que eu agora gosto muito de ver e que não foram escritos por mim. Aliás, acho que as melhores partes do filme não foram escritas por mim [risos].
Não vou comentar [risos]. Mas 55 pessoas é muita gente. Tendo em conta que as tuas curtas-metragens tinham um elenco muito reduzido, qual foi o principal desafio? Porque um realizador também faz direcção de actores.
Agora não lhe chamava um erro, mas no início achei que tinha sido um tiro no pé. E só nos apercebemos já muito tarde, estávamos com os meses contados antes das filmagens e tínhamos que encontrar estas pessoas todas. Eu geralmente gosto de tentar controlar o futuro, gosto de planear e não me apercebi da quantidade de trabalho que ia envolver. E sim, encontrar 55 pessoas e conseguir trabalhar com 55 pessoas foi muito difícil. Essa parte assustou-me muito, mas não tive outra solução senão avançar, foi atirar-me ao mar e aprender a nadar. Correu melhor do que eu estava à espera, mas tem muito a ver com deixar de ter controle sobre tudo, porque às vezes como realizadora há muita pressão de ter de ter todas as respostas. Durante a rodagem tentei tornar o set muito horizontal, para que fosse mesmo uma colaboração. Eu não gosto muito de patrões e a ideia de me meter nesse papel não ia funcionar.
Durante os ensaios abria o exercício para que cada pessoa pudesse encontrar a sua voz (...). Acho que as melhores partes do filme não foram escritas por mim.
E porque decidiste ambientar a trama nesse contexto profissional, num grande armazém?
A história partiu mesmo da descoberta do trabalho de picker. As empresas falam dos lucros todos que fazem e das novas tecnologias e depois vai-se a ver e é uma pessoa que está atrás a fazer o trabalho. Pensei imediatamente: é uma área que representa muito do que está errado hoje em dia. São trabalhos precários, com uma pessoa isolada durante 10 horas, a trabalhar, a seguir as instruções de um scanner ao segundo. Muitos nem sabem as metas que têm de atingir. Há mesmo uma alienação dos próprios objectivos que têm de cumprir, é muito impessoal. Antes de começar a falar com pickers, li muito sobre a área e encontrei dezenas de artigos sobre as condições laborais a que estão expostos. Depois, o que mudou o filme para um lado mais existencial foi quando comecei a falar com eles. E quão difícil aquele trabalho é a nível psicológico, de estar isolado o dia todo, de chegar ao final do dia e estar tão cansado. A Aurora não tem energia para comunicar, para criar laços e relações que sejam significativas fora do trabalho. Este é um caso de trabalho em que a exploração é muito evidente, mas estas dinâmicas existem em quase todos os trabalhos assalariados.
Há uma cena que me marcou, quando os chefes ou administradores vão ao armazém dar os parabéns à equipa pelos lucros. E dão-lhes uns queques.
Exacto. Aquela ideia da empresa como família, de tentar animar os trabalhadores... É como a cena do chocolate, a recompensa [por um bom trabalho].
Isso acontece mesmo?
Sim, isso foi um relato. Várias pessoas diziam que as recompensas por serem as melhores eram ridículas, eram um insulto quase maior do que não receber nada. Mas isto é transversal à maior parte do trabalho, as pessoas trabalham muito, sentem-se pouco recompensadas e sabem exactamente os lucros que as suas empresas estão a receber. É quase injustificável, porque as pessoas estão a receber tão pouco. No Reino Unido, em específico, há pouco tempo saiu uma estatística em que quase metade dos trabalhadores logísticos não conseguem chegar ao final do mês e pagar as contas. E, quer dizer, são das empresas mais ricas hoje em dia.

Este filme é gravado na Escócia, mas é uma co-produção portuguesa. Como nasce esta história?
Eu já tinha feito duas curtas, a primeira foi a que produzi, porque precisava de fazer cinema...
Mas há mais uma que deve ter sido feita em contexto universitário, que é a Monday.
Sim, eu às vezes sou um bocadinho mazinha para a Monday [2017]. Foi o meu filme de licenciatura, mas também estava a tentar trabalhar mais em modo documental, não correu muito bem e não me abriu muitas portas. A Red Hill [2018] foi a primeira que produzi, que já foi ficção, e a The Shift [2020] também fiz com uma produtora na Escócia. Depois comecei a escrever a longa, naquela de: se a curta começar a entrar em festivais eu tenho já um argumento para pôr à frente das pessoas. E aí a BRO [produtora portuguesa] entrou em contacto comigo. Eles tinham visto as minhas curtas e queriam muito trabalhar comigo. Nessa altura, a Sixteen Films, a produtora do Ken Loach, sabia que o Ken Loach ia fazer o seu último filme, The Old Oak [2023], e estavam à procura dos próximos realizadores que pudessem continuar a trabalhar nesta tradição de cinema. E foi aí que eu fui apresentada a eles através da BBC Films, que estava a tentar ajudar-me a encontrar outra produtora.
O Ken Loach era uma das tuas referências, não?
Sim. O filme I, Daniel Blake [2016] marcou-me imenso. Depois, ele também fez o Sorry We Missed You [2019], que segue um homem que faz entregas, um trabalhador também da gig economy. O filme é sobre uma outra parte do trabalho na mesma indústria do nosso, mas a pessoa está em contacto com o consumidor. E, sim, os filmes dele sempre foram muito marcantes, porque, para mim, mostravam histórias de pessoas que estavam a falar de dinheiro e de trabalho, que viviam vidas semelhantes às vidas que eu conhecia. As preocupações eram semelhantes às minhas e há muito pouco cinema que faz isso. E não é que um cinema seja melhor que o outro, mas não me parece que o cinema só para entreter seja o que precisamos [risos]. Também acho importante vermos filmes que trazem as realidades que vivemos para o ecrã. É bom às vezes ir ver um filme para escapar, mas também é importante percebermos porque é que estamos a escapar. E porque é que gostamos de escapar tantas vezes.
O Ken Loach pode ter moldado o teu processo criativo, mas foi ele que te fez trabalhar estes temas com tanto interesse? Ou isso nasce de ti, da tua experiência?
Sim, acho que tive sempre uma inquietação muito grande à volta do trabalho. Quando mudei para a Escócia tinha 18 anos, foi quando comecei a trabalhar.
A trabalhar e a estudar.
Exacto. As minhas primeiras experiências de trabalho, coincidindo com ver muito mais filmes, foram o que criou esta noção de: o cinema está a evitar olhar para uma grande parte das nossas vidas. As personagens são tão livres em tantos filmes e eu olhava para a minha vida e pensava “eu não sou tão livre como estas personagens. Se quiser um dia de férias, tenho de falar com o patrão, pedir com antecedência.” Depois via as personagens a passarem os dias nas ruas, a conversar, parecia que tinham o tempo. É algo que não questionamos.
Na vida real, uma das primeiras perguntas que fazemos é: o que fazes?
Sim e acho que nessa altura, quando comecei a trabalhar, o horizonte começou a ficar mais curtinho. Senti que estava a perder muito contacto com as pessoas. Quando estava a estudar era tão fácil, o tempo era meu e conseguia manter relações de amizade. Depois senti que as pessoas já não tinham tempo umas para as outras, os turnos não coincidiam, e portanto, eu ficava meses sem ver uma pessoa. Do nada houve uma separação. Comecei a olhar para a frente e a pensar: isto é assim, vivemos a vida toda a trabalhar e não questionamos.
Estavas a trabalhar em quê?
Eu comecei a trabalhar num café daqueles grandes armazéns chiques, chamava-se Jenners. No primeiro dia, eles queriam dar-me um crachá de identificação com o nome e abriram uma gaveta que tinha os nomes de todas as pessoas que já tinham saído. E disseram: “escolhe o nome que queres”. Chamei-me Agatha durante aquele tempo todo. E não era só isso. Muitos tinham um contrato que não tinha horas seguras, todas as semanas era sempre muita incerteza, se ia ter horas, se não ia ter...
Ainda estou na gaveta-cemitério de nomes...
Foi engraçado, porque às vezes tínhamos queixas e eles nunca conseguiam saber quem tinha sido a pessoa, porque o nome não coincidia [risos].

Isso é muito desconcertante. Mas, portanto, vais para a Escócia, estás a estudar e a trabalhar nesses, não quero dizer empregos, nesses gigs que vão aparecendo, mas manténs o lado criativo. É difícil não perder o foco?
Às vezes perde-se. Por exemplo, o que me safou na universidade foi descobrir a Assistência Social. Ou seja, o trabalho que a Aurora vai a uma entrevista, eu fiz durante dois anos. E foi isso que me ajudou, porque durante o dia conseguia frequentar a universidade. Depois consegui começar a trabalhar como editora [de vídeo]. Eu tinha aprendido edição na [Escola Artística] António Arroio, e quando acabei a universidade era uma das poucas pessoas que conseguia montar filmes, então consegui alguns trabalhos de lado, a editar, muito mal paga, especialmente de documentários. Eventualmente consegui um emprego só de editora e aí deixei o trabalho social. Fiz esse emprego de montagem durante quase dois anos, a editar anúncios para a televisão, só para me conseguir balançar financeiramente, porque depois da universidade foi uma fase financeiramente muito complicada.
Mas nunca pensaste em voltar para cá?
Não, eu acho que estive sempre nesta coisa de uma semana à frente da outra e de alguma forma passaram 12 anos [risos]. Quando esse emprego me estava a pagar melhor, escrevi o Red Hill e convenci amigos a filmar comigo durante três dias. Aluguei a câmara, que foi assim o custo maior, cerca de mil euros. Aí dei tudo, foi a minha segunda tentativa de entrar na indústria a fazer realização. E depois a curta começou a entrar em festivais, que foram as primeiras portas que se abriram.
E ganhou um prémio na Escócia, no festival de Edimburgo, o New Visions Awards, presumo que para novos talentos.
Sim, e fomos nomeados para um BAFTA escocês. Se calhar foi o trabalho mais difícil que alguma vez fiz, devo muito àquela curta.
E agora o On Falling também pode abrir outras portas.
Espero que sim.
Ainda não apareceram?
Eu já estou a começar a escrever as próximas longas.
As próximas, plural.
Quero garantir que não faltam ideias, porque quando se abrem as portas tem de se entrar logo [risos]. Isso foi algo que aprendi, a estar sempre um bocadinho à frente. De maneira que sim, já tenho vários projectos.
E nesses projectos vais continuar a explorar esta temática que tem acompanhado a tua carreira?
Tenho dois que vão ser à volta do trabalho, um próximo vai ser sobre o trabalho de escritório, já o estou a escrever há alguns anos e agora estou a chegar às fases finais. Esse também com a Sixteen Films. E também este ano vou ao ICA tentar desenvolvimento para uma longa que queria fazer em Portugal, que eu acho que também vai acabar por ser de alguma forma sobre trabalho, mas desta vez vai ser uma personagem de férias. A razão para não estar no trabalho [risos].
Acho importante vermos filmes que trazem as realidades que vivemos para o ecrã. É bom ir ver um filme para escapar, mas é importante percebermos porque é que estamos a escapar.
No On Falling há outra personagem portuguesa, interpretada pela Inês Vaz, que sonha ser empregada de escritório. Quem sabe se não será a personagem do novo filme?
Vamos ver o que ela acha de ficar sentada o dia todo [risos].
Não é possível imaginares um filme com outra temática?
Talvez, nunca digo nunca. Este filme em específico, especialmente por causa dos relatos que recebi, acho que se tornou mais sombrio do que eu estava à espera. Mas acho que vai ser sempre muito à volta destas inquietações. É muito difícil para mim não olhar para elas.
O director de fotografia do On Falling, Karl Kürten – vocês também trabalharam juntos nas curtas-metragens.
Sim, ele fez todos os meus filmes até agora.
Como é que podemos descrever a linguagem visual que vocês criam em conjunto?
Conhecemo-nos num seminário dos Dardenne brothers. São uns cineastas belgas, o trabalho deles é muito parecido com o trabalho do Ken Loach.
Estou a ver que há aqui muitos fios a cruzarem-se.
Ele estava a estudar cinematografia em Munique e houve esse seminário na Finlândia para estudantes de cinema europeu. E eu acho que nós percebemos imediatamente que tínhamos muito interesse neste trabalho de câmara. Os Dardenne seguem as personagens muito de perto e dá para ver também a influência do trabalho deles no On Falling. O Karl esteve sempre disposto a estar lá para mim nas primeiras alturas em que ainda estávamos a aprender a fazer filmes. Tem sido um companheiro de viagem.

Já pensaste ser só a realizadora e entregar o argumento a outras mãos?
Para já não, mas não sou contra. Adorava trabalhar com escritores, mas essa oportunidade ainda não aconteceu. Mas acho que posso vir a adaptar um livro, isso já vem com o material que foi escrito por outra pessoa. Mas sim, estou aberta a outras oportunidades.
É natural para ti esse lado de argumentista?
Sim, na escola lembro-me de gostar de escrever. Foi na António Arroio que aprendi muitas destas bases, que ainda são muito importantes hoje para mim. E lembro-me de uma regra que era: só posso escrever o que vejo. Ainda hoje sou muito dedicada a esse desafio de tentar não descrever nada que não consiga ver. Adorei essa limitação do argumento. Depois há o lado mais técnico de saber formatar, mas esse lado acho pouco relevante.
Para terminar, o título do filme, On Falling, queria que me contasses a história. O que está na origem deste nome?
Eu tive muita dificuldade em conseguir título para o filme. Tinha outro nome que eu não vou dizer, porque odeio. Acho que isto é o meu grande calcanhar de Aquiles, a dificuldade de criar títulos. Andava nesta angústia, a chatear os amigos e a equipa toda. E um amigo, também cineasta, o Eduardo Brito [O Pior Homem de Londres], que já tinha lido versões do argumento, mandou-me uma mensagem do nada: “Laura, o filme deve chamar-se On Falling”. Eu gostei muito desta imagem, porque é uma imagem que também existe no filme – de queda, de perder o chão. Acho que a ideia desse trajecto acabou por resultar.
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