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‘O Homem da Guitarra’ estreia esta segunda-feira no São Luiz

Escrito por
Miguel Branco
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O monólogo do dramaturgo norueguês Jon Fosse é a nova criação de Manuel Wiborg. Estreia esta segunda-feira na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz.

Atenção à distância entre o comboio e a plataforma. Cuidado com os carteiristas. Coisas deste género, que este músico de passagem subterrânea deve ouvir nos intervalos das suas canções, nos momentos – quase todos – em que as moedas não caem na caixa da guitarra sempre aberta. Aliás, que só é fechada na hora de rumar a casa, uma qualquer cave meio miserável, vazia.

É O Homem da Guitarra, o monólogo que o norueguês Jon Fosse escreveu em 1999. “Conheci este texto pouco tempo após ter sido publicado. E apaixonei-me logo. Gosto muito do Fosse, da escrita dele, sem indicações, sem didascálias, muito metafórica. Dá uma grande liberdade a um actor e a um encenador para inventar tudo o que está para lá das palavras, ele só lá põe palavras”, admite Wiborg.

E põe palavras repetidas, frases iguais ditas de forma relativamente diferente, o reforço das intenções. E a intenção aqui, neste país do Norte da Europa, é desistir. Contar que estamos a desistir. Até porque este músico de rua já não tem muito para fazer por ali: “Identifiquei-me muito com este monólogo. Com o que me aconteceu na vida, os filhos, os divórcios, até há um coisa engraçada que é: a personagem vai do sul para o norte e no norte fica porque casa com uma mulher e tem um filho, e lá fica ainda que se separe da mulher. A história da minha família é ao contrário. O meu bisavô era norueguês, veio de férias para Portugal, apaixonou-se pela minha bisavó e cá ficou”, conta.

Estamos numa história já vista. Na cabeça entre os ombros, a olhar o chão, estamos nos trocos para, pelo menos, uma sandes e duas cervejas de lata. Como esta há muitas, em moldes semelhantes, sem mais nada: “Estou numa fase da carreira em que faço coisas mais pontualmente. Neste pós-crise desde 2008 vês não sei quantas pessoas no desemprego, com 40 e tal, 50 anos. O que vai ser o futuro dessas pessoas? É um bocado como o músico desta peça, é um gajo que tentou a vida toda, que acreditou, não é o melhor músico do mundo, mas acabou nesta situação. Tenho ouvido muitas histórias destas, as pessoas sempre a queixarem-se, que é uma coisa que me dói. É pesado este ambiente. Portanto, acho que é pertinente levar isto a cena”, explica o encenador.

Mas há mais. Há o espaço que Fosse oferece de boa vontade. Que para Manuel Wiborg, também por uma questão de necessidade, virou um paralelo ficção-realidade. Na ficção está o tal homem da guitarra, na realidade, a compôr o cenário e o espectáculo, está Adriano Sérgio, músico de formação que entretanto mudou de carreira. “Queria ter parado seis meses para ter aprendido a tocar guitarra porque eu não sei tocar, mas a minha vida não me permitiu. Então telefono ao Adriano para ele vir tocar nesta peça e ele diz-me: ‘Manuel, já não toco, construo guitarras, mas faço som a construir guitarras’. E fez-se luz na minha cabeça. O Adriano funciona como uma metáfora, um contraponto, um alter-ego”, diz.

Adriano é a maior parte do som da peça. O lápis a fazer contornos na madeira que será guitarra é som; as ferramentas a moldarem a madeira é som; lixar a madeira é som. Tudo é som. E tudo é solidão. É um vislumbre, raro, do homem da guitarra para essa oficina de construtor de guitarra – ou cemitério, ou maternidade, de guitarras – que está em segundo plano.

Bendita a hora em que Manuel Wiborg não teve tempo para aprender a tocar guitarra.

São Luiz (Sala Mário Viegas). Qua-Sáb 21.00. Dom 17.30. 5€-12€.  

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