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O que será dos restaurantes chineses?

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda
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No meio da tragédia hoteleira há uma supertragédia de que ninguém fala. Digo que alguém tem de fazer alguma coisa pelos restaurantes chineses. Nós, por exemplo.

As primeiras vítimas da crise de Covid-19, em Lisboa, foram os donos dos restaurantes chineses. Ainda o vírus era uma minitragédia de meio de telejornal e já eles ficavam vazios. Lembro-me, por exemplo, de logo no início de Fevereiro ter ido ao Panzi, na Rua do Benformoso, e não ver lá portugueses, então já atemorizados por um bicho exótico a mais de dez mil quilómetros de distância.

Daqui decorre que muitos destes restaurantes estarão há cerca de dois meses com as contas negativas. E nem sequer conseguem aligeirar os prejuízos com serviços de take-away e entregas ao domicílio, de tal forma foram estigmatizados pelos clientes. Os restaurantes chineses de Lisboa, que tantas vezes nos salvaram, que tantas alegrias nos têm dado à mesa, estão sem rede, sem receitas, sem credibilidade. Estão em risco de desaparecer. Outra vez.

Há 14 anos quase aconteceu. Em 2006, uma operação da ASAE fiscalizou 130 restaurantes chineses, numa operação selectiva e xenófoba, tendo mandado encerrar 14. O impacto da acção nos media fez com que os lisboetas os abandonassem durante vários anos. Muitos estabelecimentos, a grande maioria, teve de fechar portas. Só por volta de 2013, a confiança foi restaurada. Não era possível resistir mais. Lisboa tinha saudades de “ir ao chinês”.

Esta sobrevivência tem uma razão simples. A cozinha chinesa é demasiado boa. Resiste sempre, a tudo. E nunca esteve tão em forma como recentemente. Nos últimos anos, tínhamos aprendido que havia muito mais do que pato à Pequim e chop suey; que havia regiões diferentes na China, com diferentes cozinhas: apareceram restaurantes de Cantão, de Sichuan, de Xangai. E agora isto. E ninguém fala disto.

É preciso deixar bem claro às pessoas, para que ninguém duvide. Os preconceitos xenófobos colados aos chineses – da higiene, dos gatinhos no tacho, da síndrome do restaurante chinês, etc. – são uma palermice. Falo por experiência própria. No ano passado, fiz 57 refeições em restaurantes chineses (sim, tomo nota destas coisas). Nem por uma vez tive um desarranjo do aparelho digestivo ou de qualquer outro. Os restaurantes chineses em geral, e os bons em particular, abastecem-se regularmente de ingredientes frescos e têm até uma certa obsessão com a frescura dos produtos. Nunca verá, por exemplo, um chinês a comprar marisco que não esteja ainda vivo.

Da mesma forma, é uma tontice pensar-se que o glutamato monossódico faz mal a quem quer que seja. Este pozinho, que existe naturalmente em muitos vegetais, é extraído do ácido glutâmico – mas é muito menos nefasto do que o grande intensificador de sabor do Ocidente: o sal. Sobre gatinhos, nem vale a pena falar.

E no que respeita à Covid-19, só para terminar, vale a pena recordar esta história recente. No epicentro da epidemia em Itália, na cidade de Prato (bonito nome), região da Toscana, vive uma das maiores comunidades chinesas da Europa: 50 mil pessoas. Nenhuma foi diagnosticada com o vírus, apesar de tanta gente à sua volta lhe ter sucumbido. Dizem os especialistas que a justificação é simples: foram mais cautelosos e mais disciplinados. Como quase sempre têm sido.

Fica aqui a promessa. Quando a economia reabrir, a primeira crítica de restaurantes que farei será de um restaurante chinês. Dos bons. Eles hão-de voltar. Sempre voltaram.

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