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Casacas Rojas
Rui Pita

Os Casacas Rojas chegaram a Portugal para fazer da gastronomia um festival

Comer e beber, sempre bem, nunca sozinhos. São assim os Casacas Rojas, um grupo que começou em Espanha há mais de 15 anos e que agora chega a Portugal. Entrámos nesta espécie de sociedade secreta pouco discreta e não saímos sem gritar “Festival!”

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
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O que fazem à mesa um consultor financeiro, um CEO de uma empresa tecnológica, uma gestora de produto, um director de teatro, um gestor hoteleiro, um advogado, um produtor de vinhos e uma directora de uma agência de comunicação? A pergunta não tem armadilha e muito menos é uma charada. Aconteceu em Fevereiro e vai voltar a acontecer, com estas e outras pessoas, com funções mais ou menos interessantes, mas sempre com uma paixão em comum: a gastronomia. Partilham também a camisa vermelha que os distingue e que os faz pertencer a um grupo: os Casacas Rojas. Apesar de todos serem bem-vindos, o acesso é limitado, tudo para que as experiências, na maior parte das vezes irrepetíveis, se tornem excepcionais – como aquela que levou o chef João Rodrigues a preparar um menu único no Palácio do Grilo, no Beato.

O nome não é espanhol por acaso, é de lá que vem a ideia, onde os Casacas Rojas existem há mais de uma década. “Começou com um grupo de amigos em Barcelona há quase 17 anos quando resolveram fazer uma homenagem ao Ferran Adrià e ao El Bulli [durante anos considerado o melhor restaurante do mundo e que fechou no auge da sua popularidade, com três estrelas Michelin]”, conta Eurico Nobre, o homem responsável por trazer o projecto para Portugal. “Basicamente, fizeram um documentário sobre como a cozinha do El Bulli, um pequeno restaurante numa pequena rua em Girona, tinha expandido a sua influência para toda a Catalunha. E então pensou-se que, sendo uma ideia supergira, se poderiam fazer mais coisas a partir daí.” Eurico, gestor de empresas de profissão, fala de Gregori Salas e Josep Vilaseca, a eles se deve a história. “Ou seja, começa naturalmente num grupo de amigos que chamaram outros amigos e que hoje são 170 na Catalunha e que inclui gente ligada à restauração, ao mundo das empresas, à produção de vinhos”, acrescenta, revelando que, entretanto, o grupo já ganhou raízes também em Madrid e Maiorca. 

Casacas Rojas
Rui Pita

Há uns anos, depois de ter participado num jantar dos Casacas Rojas em Barcelona, José Carlos Capel, crítico gastronómico do El País e presidente do Madrid Fusión, o mais importante congresso gastronómico de Espanha, escrevia que as visitas do grupo ao El Bulli – “as bullinadas” – davam muito que falar e lembrava o dia em que se superaram ao alugar a praça de touros de Barcelona. “Quando se juntam, uma vez por mês, defendem um único lema: a gastronomia é uma festa. Daí o seu grito de guerra, que apregoam em dois tempos: ‘Festi’, grita alguém de forma improvisada; “val!” responde em uníssono o grupo. E é assim em repetidas ocasiões durante a noite”, relatava Capel. Em Lisboa, não é diferente.

“Isto não é um grupo de networking, não é um grupo para se falar de negócios, são pessoas que se juntam para desfrutar e para fazer um tributo às boas mesas, aos bons vinhos e aos bons amigos e amigas”, defende Eurico, contando que a ideia de trazer os Casacas Rojas para Lisboa partiu de um amigo a viver em Barcelona, com quem sempre partilhou mesas e dicas. “Eu gosto de juntar pessoas, sempre gostei. Gosto de descobrir restaurantes e vinhos e pareceu-me interessante. Aceitei o desafio sem saber muito bem no que me estava a meter”, brinca. “O projecto começou quando fui a Barcelona em Fevereiro do ano passado, e o que estamos a fazer agora é um conjunto de festivais, entre uma base de amigos. Ao final do dia, isto é um grupo de amigos alargado.”

O primeiro festival – não há cá eventos e assim se percebe o grito –, aconteceu em Setembro na Quinta do Monte d'Oiro, em Alenquer. O segundo já foi diferente: um jantar onde a alta-cozinha de João Rodrigues, que ao longo deste ano anda a cozinhar pelo país com a sua Residência, casou com a excentricidade do Palácio do Grilo, recuperado pelo francês Julien Labrousse. Uma mesa corrida para pouco mais de 20 pessoas numa sala privada do palácio que no último ano tem dado que falar pelas suas refeições acompanhadas por performances artísticas que têm tanto de conceptuais como de inusitadas. 

“Não se trata simplesmente de ir a um restaurante, há sempre alguma coisa de especial. O que vivemos no Palácio do Grilo é disso exemplo. Quando lá fui há uns meses fiquei profundamente apaixonado pelo espaço, mas a experiência não estava à altura do que nós queríamos e portanto desafiámos o chef João Rodrigues. Foi a combinação perfeita”, explica Eurico, comprometendo-se a criar “coisas que não se repetem”. 

Em Março, o encontro vai acontecer na Quinta do Casal Branco, em Almeirim. “Gostamos de alterar conceitos. Com o chef João Rodrigues, tivemos um ambiente requintado e com alguma loucura com aquelas performances artísticas; agora vamos ter um festival onde vamos misturar as caralhotas de Almeirim [bolas de pão caseiro, cozidas em forno de lenha] com sopa da pedra, fandango, cavalos, e comida feita no tacho”, revela.

Este é, contudo, o último encontro aberto. Quer isto dizer: “Vai quem quer, paga a refeição e já está”. A partir daqui, o grupo fecha-se. “Destes encontros vão sair 20 fundadores que depois vão poder convidar mais duas pessoas cada.” Depois, entrar para os Casacas Rojas – com uma quota anual, cujo valor ainda não está fechado, mas que andará à volta dos 450€ –, pode ficar mais difícil e está sempre sujeito a avaliação. “Em Espanha, há lista de espera. Só entra alguém quando sai alguém. A última vez que ouvi falar, a espera era dois/três anos”, aponta Eurico. E há uma razão para ser assim, garante. “Queremos ter experiências que sejam relativamente íntimas, senão as pessoas não conseguem desfrutar ou então têm de se fazer as coisas com uma proporção em que se perde a intimidade.”

Como é que se faz essa selecção então? “É mais o que procuramos e menos aquilo que impede [alguém de entrar nos Casacas Rojas]”, explica. “Um exemplo daquilo que não faz parte do espírito do grupo, é alguém que seca a mesa. ‘Eu fiz, eu faço, eu aconteço, eu conheço’. Não é assim o grupo. Tanto temos pessoas que têm carreiras absolutamente espectaculares, que ocupam posições absolutamente espectaculares, como temos pessoas que têm vidas perfeitamente normais. Mas ali somos todos iguais, é esta dinâmica que se quer.” 

Em Portugal, como em Espanha, a regra que não se pode quebrar é a de se manter o bom espírito. Sem manias ou preconceitos, sem medo de falar alto ou de fazer a festa – o grito “Festi-Val!” também serve para isso. Do lado de lá da fronteira, já houve quem se queixasse do ruído provocado pelo grupo. Eurico, no entanto, lembra que há um código de conduta. “O próprio grupo autodefine-se como ‘ladies and gentlemen with brains’ [senhoras e senhores com cérebro]”, resume. “Não é um grupo elitista. Nada classista, nada sexista. Muito pelo contrário, é o mais universal possível, desde que se garantam os princípios: alguém que faça uma boa mesa, alguém que esteja no espírito de partilhar.”

Faltam ainda algumas mulheres, confirma. “Eu diria que é um pouco o reflexo, infelizmente, da nossa sociedade, gostaríamos muito que o grupo fosse mais equitativo.” A boa notícia é que nada ainda está definido. “Quer experimentar?”, desafia Eurico. “Pode ir ao Instagram ou ao site e enviar-nos uma mensagem, queremos ser mais inclusivos, até ao limite em que se garante que a experiência é agradável para todos.”

E já há muito a acontecer: “Em Abril vamos fazer o festival dos fundadores, mas esse vai ser um evento muito privado, só para aqueles que serão os fundadores do grupo, e a partir daí vamos ter várias coisas ao longo do ano, muitas já definidas, outras em definição.” Sem querer adiantar muito, Eurico dá uma ideia: “Vamos fechar um castelo em Junho e fazer um evento entre Portugal e Espanha; vamos ter vindimas em Setembro; comer marisco e peixe à mão com pescadores.” Há também uma mesa já reservada para 12 pessoas no El Celler de Can Roca, em Girona (três estrelas Michelin), do chef Joan Roca. “Quando se explica [os Casacas Rojas], reduz-se àquela ideia de mais um grupo de pessoas que vão comer, sem se entender a atmosfera. Porque de facto isto são experiências que se vivem, não se contam.”

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