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Os restaurantes vão mudar? O tanas

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda
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Tem havido muita conversa sobre os restaurantes no pós-Covid. Dizemos-lhe o que andam a sentenciar os profetas e damos-lhe 10 razões para que tudo seja como dantes

1. Ah e tal, os restaurantes vão vender produtos dos fornecedores.
Parvoice É verdade que alguns restaurantes se têm desenrascado a vender cabazes de legumes aos clientes. Mas isso é porque foram forçados a escoar stock e a fazer uns trocos para tentar sobreviver. Pôr cozinheiros a vender espinafres é como pôr o Centeno a cantar a lotaria no metro.

2. Ah e tal, o take-away vai crescer de importância.
Já estava a crescer. Não é novidade nem será culpa da Covid-19. Mas take-away é outro bicho, não é um restaurante. Take-away come-se de pijama.

3. Ah e tal, vamos passar a fazer pedidos e pagar por telemóvel.
Isso é bom para fast food e cantinas. Num restaurante a sério eu quero um menu e quero ouvir a voz do empregado, apreciar as suas tatuagens, ouvir as suas piadas falhadas e perguntar-lhe sobre a origem do espadarte. Quero apertar a mão ao tasqueiro, lembrar-lhe do resultado do Sporting, e quero a cozinheira a corrigir-me o pedido, “não comas o robalo, faço-te o bacalhau”.

4. Ah e tal, vamos comer mais longe uns dos outros.
Talvez. Uma chatice. Os restaurantes são um sítio extraordinário para conhecer estranhos e, quanto mais perto eles estiverem, melhor. Só para citar exemplos recentes: foi assim que conheci uma ex-campeã olímpica brasileira, num jantar ao balcão d’O Frade; e foi assim que me passei a corresponder com um crítico gastronómico coreano, sentado na mesa corrida do saudoso Ceia. Se a Covid acabar com as mesas corridas, isso já será muito mau. Se acabar com os balcões, temos todos de ir para a rua.

5. Ah e tal, vai ser tudo esterilizado e selado e higienizado.
Desde que não me tragam o pão dentro de um saco de plástico, nem acabem com os fermentados e não-pasteurizados, tudo bem.

6. Ah e tal, os restaurantes vão ser fábricas de comida.
Errado. Os restaurantes nunca serão uma mera operação logística e maquinal. Os restaurantes são tanto melhores quanto mais amor e conforto nos dão. É assim desde os primórdios da arte, quando os viajantes pernoitavam nas estalagens para dormirem e comerem – ou seja, para se restaurarem.

7. Ah e tal, a cozinha de quintal vai dominar.
Infelizmente, estaremos muito longe disso. Mas pode continuar a crescer, como aliás já estava.

8. Ah e tal, vamos comer mais tradicional português.
Não sei bem por que é que alguns chefs e profetas têm andado a dizer isto. Mas também já vinha sendo assim – graças a Deus, à Maria de Lourdes Modesto, à Maria Emília Cancela de Abreu e à rapaziada que anda a descobrir as fontes culinárias. Se puderem deixar um restaurantezito chinês aberto, só para desenjoar do refogado, no entanto, eu agradeço.

9. Ah e tal, o modelo de negócio da alta cozinha irá morrer.
Não tinha já sentença de morte? E não acabou por sobreviver? A arte não morre, reinventa-se.

10. Ah e tal, sem turistas muitos não irão sobreviver.
Vamos pensar positivo. A Covid irá desaparecer, como outras covids desapareceram. Daqui a uns meses temos vacina e temos tratamento. Para o ano regressam os espanhóis e os franceses. E daqui a dois anos o Rossio já está cheio de americanos e asiáticos. Isto foi só um intervalo para limpeza geral. O espectáculo da restauração segue dentro de momentos.

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