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SUV em Lisboa
Francisco Romão PereiraSUV em Lisboa

Os SUV “são contra o direito à cidade”. Devemos retirá-los de Lisboa?

Paris decidiu subir para 18 euros por hora o estacionamento de veículos com 1,6 toneladas ou mais. Bruxelas estuda travão à presença de gigantes. Por cá, silêncio.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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Os SUV (veículos utilitários desportivos, na sigla em inglês) não são todos iguais. O peso, por exemplo, varia entre cerca de 700 kg e 1800 kg, tal como há diferentes volumes e cilindradas. Mas o que faz com que, na actualidade, muitos olhos se virem contra a presença destes veículos nas cidades é o facto de se terem popularizado (as vendas explodiram nos últimos anos), entrando em contracorrente com tudo aquilo que se estava a planear na mobilidade urbana, na direcção de cidades mais humanizadas, amigas do peão, limpas e seguras.

Paris decidiu mexer no paradigma através de um referendo, que em Fevereiro mostrou que mais de 50% dos munícipes que nele participaram (apenas 5,7% dos eleitores registados compareceram à consulta organizada pelo município) estavam contra a presença dos SUV na cidade. E como afastá-los? Triplicando o preço do estacionamento, para 18 euros por hora, uma medida que deverá ser aplicada em Setembro. Ao mesmo tempo, é longo o debate no Parlamento Europeu sobre eventuais alterações à directiva que baliza os pesos e dimensões máximas dos veículos ligeiros, sendo que está há muito em cima da mesa uma proposta para que a União Europeia (UE) reveja e enquadre legalmente, até ao final deste ano, a largura máxima permitida para pick-ups e SUV.

A questão não é exclusiva dos SUV, como sublinha Fernando Nunes da Silva, que liderou o pelouro da Mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa entre 2009 e 2013 (no mandato de António Costa), mas sim dos automóveis de grande dimensão, mais poluentes e que se têm vindo a mostrar menos seguros para peões e outros condutores. “Se queremos actuar ao nível de emissões poluentes, há que implementar zonas de emissões reduzidas, como antevê o código europeu. Quanto à ocupação do espaço, sem dúvida que é uma questão que se coloca com bastante evidência, e regular este aspecto é fácil. Já se faz essa distinção nas portagens”, explica o professor. Ainda assim, há que dar alternativas aos SUV. "É mais importante restringir o estacionamento na via pública. Mas os utilizadores de SUV poderão recorrer a parques subterrâneos”, sugere o engenheiro.

Além do espaço que ocupam e das emissões poluentes (à excepção dos eléctricos), há um terceiro aspecto "preocupante e específico dos SUV", como chama a atenção Nunes da Silva. “Sendo mais altos, o reforço das carroçarias [pára-choques] são também mais elevados. Por isso, quando há uma colisão com outro veículo ou peão, ela dá-se a um nível superior, podendo gerar mais danos.” O grau de perigosidade aumenta também devido à cilindrada dos SUV, geralmente maior, o que dá azo a impactos de maior dimensão e, portanto, a traumatismos mais gravosos, conforme têm demonstrado diferentes estudos. “Há anos que se tenta construir uma normativa na Europa relacionada com este tema da segurança, mas isso mexe com as marcas e os seus designs e, portanto, nada vai para a frente”, refere o especialista, lamentando a falta de acção na área.

Luta é também por cidades mais democráticas

Para Paula Teles, presidente e fundadora do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM), que faz consultoria para várias câmaras municipais, “o tema dos SUV é muito pertinente e deve já ser debatido cá”. “Estamos a atingir um ponto tão preocupante e inflamável do ponto de vista ambiental que só nos resta actuar já; tomar várias medidas [na área da mobilidade] e ao mesmo tempo”, diz pelo telefone à Time Out.

De uma forma generalizada, os SUV representam “famílias de extractos sócio-económicos médios e altos, que querem levar os filhos à escola de carro, ir às compras a grandes superfícies e ter o máximo de conforto”. “Só que estamos com autênticas caravanas na cidade, muitas vezes a invadir os passeios em frente às escolas e a libertar grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera”, critica a especialista. Na visão de Paula Teles, tentar diminuir a presença dos SUV na paisagem urbana é, assim, lutar por uma sociedade mais democrática. “Neste momento, quem toma conta da cidade é quem tem mais dinheiro, conseguindo passar à frente dos outros, que andam a pé e de transportes", aspectos em que os meios urbanos portugueses "revelam muitas fraquezas”, aponta, rematando com a ideia de que os SUV (ou o que eles representam) “são contra o direito à cidade”.

SUV em Lisboa
Francisco Romão PereiraSUV em Lisboa

Ainda assim, concordando com Nunes da Silva, não lhe parece que a medida adoptada por Anne Hidalgo, a presidente da mairie de Paris, seja a mais correcta. “A medida de Paris até poderá ser eficaz, mas por que não taxar carros de dimensões diferentes com valores diferentes?”, sugere Paula Teles. Ao mesmo tempo, também não concorda com a ideia de referendar “um tema tão simples”. Na realidade portuguesa, advoga, é “preciso aplicar medidas políticas firmes, criar restrições claras, retirar faixas de rodagem ao automóvel nas estradas, sem medo”. “Não temos tempo a perder, sendo que na área da mobilidade há muita conversa e pouca acção”, justifica Paula Teles. 

Carros maiores e mais pessoas de carro

Ao contrário do caminho “que todos nós já sabemos que devemos seguir”, protegendo o ambiente e desenhando cidades com mais espaço para o peão, como diz Nunes da Silva, “há cada vez mais pessoas a andar de carro, todos os anos”. Em simultâneo, “os novos modelos de automóveis na Europa mostram-se, em média, um centímetro mais largos a cada dois anos”, de acordo com a Transport & Environment, organização que há 30 anos lidera a defesa de um sistema de zero emissões na Europa. E a tendência deve continuar devido ao aumento das vendas de SUV, “a menos que os especialistas tomem medidas”, lê-se na página da organização, que chama a atenção para o facto de, na União Europeia, os automóveis novos estarem sujeitos ao mesmo limite de largura (255 cm) do que os autocarros e camiões. 

Implementar medidas positivas, como a criação de alternativas ao automóvel (ciclovias, percursos caminháveis confortáveis e seguros e uma rede eficaz de transportes públicos, a par de medidas de habitação e urbanismo que promovam a prática de andar a pé e de meios de transporte suaves), é obrigatório, defendem ambos os especialistas, sublinhando a necessidade de uma estratégia coordenada de mobilidade e transportes, que dizem não existir em Portugal. “Não há uma continuidade nas políticas”, pelo que os diferentes organismos, autárquicos e nacionais, estão constantemente a interromper processos, à chegada de novos executivos, analisa Fernando Nunes da Silva, que é consultor em várias câmaras municipais, entidades governamentais e regionais. “Ou há uma estratégia a 15 ou 20 anos ou não conseguimos chegar lá”, vaticina. A solução é, talvez, trabalhar “com as crianças e as escolas”, sugere o engenheiro, que, curiosamente, recorre ao mesmo exemplo lembrado por Paula Teles para mostrar como, com um trabalho de raiz, se podem conseguir bons resultados: a reciclagem. “Na altura, atingimos metas mais rapidamente do que em muitos outros países da Europa, porque fizemos campanhas bastante eficazes nas escolas. E as crianças obrigaram os pais a reciclar. Resultou. Com a mobilidade e os transportes, temos de fazer o mesmo.”

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