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Ainda se contavam contos na altura em que Álvaro Siza Vieira desenhou a magnífica pala, uma ideia meio telhado ao contrário, meio folha de papel assente em dois tijolos distantes. Perto de 4,5 milhões de contos (o equivalente a 22,5 milhões de euros), mais precisamente, foi quanto o Governo libertou para erguer junto ao Tejo o pavilhão que representaria Portugal no leque de nações da Expo. O que fazer dele no futuro, no entanto, nunca foi muito claro. Chegou a pensar-se em ali instalar a presidência do conselho de ministros ou um museu de arquitectura. Ganhou o vazio.
“É inacreditável como um edifício destes, considerado uma das melhoras obras em betão do mundo, esteve todos estes anos ao abandono”, desabafa Joana Sousa, da comunicação da Universidade de Lisboa (UL, que gere o monumento desde 2015), enquanto guia a Time Out pelo espaço renovado. A reabilitação, cujo custo superou os 12 milhões de euros, ficou a cargo do atelier de Siza (como não poderia deixar de ser), pelo que o detalhe está todo lá. Desde a recuperação de madeiras e outros materiais originais até aos aparelhos de climatização subtis, em tom minimalista.

No centro do pátio, à volta do qual se faz todo o edifício, resiste uma árvore, provavelmente com mais de 25 anos. “Tantas histórias teria ela para nos contar”, solta Joana Sousa.
10.000 metros quadrados, fora a pala
Tudo cheira a novo nos 10.000 metros quadrados do Pavilhão. E o que é tudo? As salas multiusos do Centro de Congressos, com pavimento em tábuas corridas de madeira, onde podem acontecer de conferências a apresentações de livros, passando por cerimónias protocolares, um pouco de tudo. Como nos havia explicado a directora executiva, Rita Tomé Rocha, ainda antes da visita, nada é estanque ou está fechado quanto ao que se pode concretizar neste espaço. “Nesta fase, tudo depende muito das propostas que recebermos.”


O auditório, com mais de 600 lugares, dividido em duas plateias e com um palco ao centro (desenho pouco comum, que instiga o movimento e circulação constantes de quem a ele sobe) é outro dos lugares de relevo. Mas também no pátio, que não tem nome nem placa, podem acontecer concertos intimistas ou leituras. Na inauguração da exposição “Meu Matalote e Amigo Luís de Camões” – onde excertos de Os Lusíadas e pinturas de José Malhoa dialogam com a arte contemporânea de Wolfgang Tillmans, Jorge Molder ou Hiroshi Sugimoto –, por exemplo, o actor Pedro Saavedra pôs-se no pátio, vestido à Camões, a ler poemas do autor.

Além dos centros de congressos e de exposições, pelo pavilhão há escritórios (alguns funcionários da UL, da área da cultura ou da logística, mudaram-se para aqui, tal como a sede da Startup Portugal) e mais salas e varandas, entre vistas para o Tejo e os teleféricos. A explicar como tudo começou está o Centro Interpretativo do Parque das Nações (gerido pela Junta de Freguesia e onde as maquetes contam parte da história deste território outrora fabril). Na missão do conhecimento, destacam-se a Biblioteca António Mega Ferreira (gerida pela Câmara, a primeira da rede a funcionar 24 horas por dia, com 4.000 livros do escritor, gestor cultural e um dos principais impulsionadores da Expo) e uma sala de estudos, também sempre aberta. No futuro, haverá ainda um restaurante e uma cafetaria.

Não menos importante é a área sob a pala, de seu nome Praça Cerimonial, onde a universidade promete organizar concertos gratuitos, com “a regularidade possível”. O primeiro dos “Concertos à Pala” foi de Milhanas, a 30 de Abril. Seguir-se-ão outros “novos talentos da música nacional”, prevendo-se que o próximo concerto aconteça “até ao final do ano”, ainda sem data ou nome.
De Soares à arquitectura
Se o aluguer de espaços para eventos é a principal fonte de financiamento do Pavilhão de Portugal, “a programação cultural é estruturante” e será “o mais gratuita possível”, dá conta a directora executiva do equipamento. Apesar de assegurada pela universidade, a ideia é que se faça de forma aberta, com o contributo de parceiros, sejam empresas ou a sociedade civil.

“A reabertura [faseada] foi marcada por dois eventos paradigmáticos do que queremos que este espaço seja: um “concerto à pala” e a exposição alusiva aos 500 anos do nascimento de Camões”, explica a responsável, adiantando que, para Setembro, está agendada uma nova exposição, centrada no centenário de Mário Soares. Em Julho, acontece também uma primeira conferência com a Faculdade de Arquitectura. “Estamos a fazer com eles uma programação paralela, com nomes relevantes.”


Outras novidades serão partilhadas mais para a frente. “Estamos a cozinhar muita coisa”, garante Rita Tomé Rocha, que sublinha 2025 como o ano em que o Pavilhão de Portugal foi “devolvido à cidade e ao país”, depois de “mais de duas décadas de abandono”.
27 anos de solidão
Quanto aos 27 anos de solidão do edifício que marcou para sempre a paisagem do Parque das Nações — e que muitas dores de cabeça deu a arquitectos e engenheiros (faça-se jus ao trabalho do engenheiro António Segadães Tavares) —, eis um pequeno sumário:
1998 - O Pavilhão de Portugal é inaugurado, com pompa, a 22 de Maio, depois de três anos de construção e muitos planos sobre como chegar à solução mágica que tornaria real a pala sonhada por Siza Vieira.
2004 - Depois de acolher algumas exposições e eventos empresariais, Carmona Rodrigues, então presidente da Câmara de Lisboa, propõe comprar o edifício para retirá-lo do marasmo. "A encomenda era para que fosse projectado de forma a poder adaptar-se a 'não se sabe que programa', desde um museu a um edifício administrativo", declarava Siza Vieira à RTP. Um dos planos que chegou a estar em cima da mesa foi para se tornar o Palácio do Governo.
2009 - A pala é alvo de obras de manutenção.
2010 - O edifício é classificado como Monumento de Interesse Público, a 30 de Março.
2012 - A Ordem dos Arquitectos alerta para a “situação dramática” do edifício. “Depois de todo aquele investimento público, e com o valor e o prestígio que tem, funciona como uma escultura. Não é vivido”, lamentava ao jornal Público o presidente, João Belo Rodeia.
2013 - Face ao abandono, Álvaro Siza Vieira afirma publicamente que "a solução mais lógica, depois de tantos anos passados, é demolir" o edifício.
2015 - A gestão do pavilhão passa para a Universidade de Lisboa, estando na base a divulgação e promoção da ciência e da cultura.
2016 - O crítico de arquitectura do jornal britânico The Guardian, Rowan Moore, considera a pala uma das dez melhores construções em betão do mundo. Da lista fazem parte o Panteão de Roma (126 a.C.) ou a unidade de habitação de Marselha, do suíço Le Corbusier (1952).
2018 - O Governo aprova uma despesa máxima de 9,3 milhões de euros para a reabilitação e requalificação do edifício.
2019 - Começa a obra.
2023 - O custo máximo da intervenção estica para os 12,1 milhões de euros.
2025 - A 30 de Abril, inaugura-se a estrutura, com um concerto de Milhanas e a abertura dos centros de exposições e de congressos. No dia 22 de Maio (27.º aniversário da estrutura), abrem a biblioteca, a sala de estudos e o centro interpretativo.
Cais Português (Parque das Nações). Centro de Exposições e Centro Interpretativo: Ter-Dom 10.00-18.00, Biblioteca e Sala de Estuados: Todos os dias, 24 horas
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