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Quem é Julia Katherine? Resposta já amanhã, no IndieLisboa

Escrito por
Clara Silva
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A protagonista trans de Lembro Mais dos Corvos vai estar no IndieLisboa na terça para apresentar o documentário, um monólogo sobre a sua vida filmado numa noite de insónia. Falámos com Gustavo Vinagre, o realizador.

No ranking dos países que mais matam pessoas trans em todo o mundo, o Brasil está em primeiro lugar e, segundo a ONG internacional Transgender Europe, 2017 foi o pior ano, com 179 homicídios. “E é ao mesmo tempo o país que mais consome pornografia relacionada com transexuais”, diz o brasileiro Gustavo Vinagre, de 32 anos, o realizador de Lembro Mais dos Corvos, em exibição na terça na Culturgest (repete quinta, 2 de Maio, no Cinema Ideal). “É um paradoxo absurdo que vem de uma repressão sexual atrelada a preconceito, moralismo e religião”, continua Gustavo, um repetente no IndieLisboa, depois de ter apresentado o ano passado a curta de ficção Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros Devem ter Consigo Mesmos. Desta vez, não vem ao festival, mas vem Julia Katharine, a protagonista e alma da sua primeira longa-metragem. “Uma sobrevivente”, sublinha o realizador, se pensarmos que “agora com 40 anos tem mais da média de vida de uma transexual no Brasil”. “A média é de 37 anos”, esclarece. “É uma verdadeira chacina todos os anos.”

Actriz e realizador conheceram-se há mais de uma década, quando Gustavo era estagiário no MixBrasil, o site do festival de cinema LGBT com o mesmo nome, onde, entre outras coisas, “revisava contos eróticos que os leitores mandavam” para se certificar de que não entrava “pornografia ou zoofilia”, recorda. Julia (na altura com o nome Kelly) era a secretária – e uma cinéfila. “Desde então surgiu um encantamento por ela”, conta. “Foi a primeira mulher transexual que conheci. A palavra acho que nem existia. Ela mesma se definia como travesti.”

Depois de estudar cinema em Cuba, o realizador decidiu procurar Julia para entrar numa das suas curtas-metragens (a que estreou o ano passado no Indie) e decidiu fazer um filme só com ela, filmado no seu próprio apartamento durante uma noite de insónias, com histórias da sua vida “para fazer passar o tempo”. “A Julia tem, de facto, insónia”, explica Gustavo. Aliás, apesar de alguns comentários para confundir realidade e ficção, poucas coisas no filme são ficcionadas. “O pássaro, por exemplo, comprei para o filme e acabei por ficar com ele”, conta – durante a entrevista por telefone ouvimos o pássaro várias vezes. O resto é a história de Julia.

A inspiração veio de O Retrato de Jason, um filme de Shirley Clarke do fim dos anos 60, “sobre um homem [o performer gay de cabaret Jason Holliday] num quarto de hotel conversando e muito baseado na performance do personagem”, diz. Lembro Mais dos Corvos é um monólogo de Julia, que vai contando episódios da sua vida. “Apesar das coisas muito pesadas que conta no filme, histórias de abuso e de violência, consegue manter um brilho nos olhos e uma esperança e uma vontade de fazer as coisas”, diz Gustavo. “É isso que mais me marca.”

O filme estreou na Mostra de Cinema de Tiradentes, um importante festival de cinema brasileiro, e acabou por valer a Julia Katharine o Prémio Helena Ignez, que destaca o trabalho de uma mulher na indústria cinematográfica – foi a primeira trans a recebê-lo. “Um prémio de certa forma machista”, diz Gustavo. “Entendo a importância, apesar de achar que hoje em dia a sua essência é ambígua.”

Gustavo Vinagre, o realizador

Numa altura em que o Brasil vive uma época turbulenta, “tempos obscuros” e “um fascismo contagioso”, considera, o realizador já pensou vir morar para Portugal (o pai é português). “Ainda não deu tempo para o ‘Desgoverno’ tirar os direitos conquistados até agora [pela comunidade LGBT] mas acho que há um plano para isso”, afirma. “Por exemplo, há duas semanas uma das maiores revistas daqui [a Época] publicou na capa uma coisa sobre o PrEP condenando os gays [“O novo medicamento que está fazendo os gays abandonar a segurança da camisinha”], demonizando o facto de o remédio estar sendo distribuído pelo sistema público de saúde de graça.”

Lembro Mais Dos Corvos, terça, 19.00, no Grande Auditório da Culturgest. Repete quinta, 2 de Maio, às 20.30, no Cinema Ideal. Bilhetes a 4€

+ O melhor do IndieLisboa 2018

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