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Teatro para resistir à loucura e continuar a viver

Escrito por
Miguel Branco
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Ballyturk, de Enda Walsh é o novo espectáculo dos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo, que estreia esta quarta-feira. Um jogo para não cedermos à insanidade.

Estamos num armazém feito casa, com tudo que uma casa requer: micro-ondas, frigorífico, móveis que servem de dispensa para latas de ervilhas, um duche, uma bicicleta de ginásio, um guarda-roupa de tamanho considerável, uma mesa e duas cadeiras. Tem tudo menos porta. Como vieram estes dois homens aqui parar, não sabemos. Sabemos que, se estão aqui, têm que se entreter. Cereais ao pequeno-almoço, exercício físico a seguir e um pezinho de dança. Há isso e há Ballyturk, uma aldeia irlandesa de três ruas, recriada com os seus poucos habitantes e estereótipos – para neles encarnar e prosseguir –, que dá nome à peça. Ballyturk, de Enda Walsh, é o novo espectáculo dos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo, para ver a partir desta quarta-feira no Teatro da Politécnica.

A relação com o dramaturgo e encenador irlandês não é nova. Em 2004, Walsh deu um seminário de encenação para a companhia lisboeta, que, desde aí, fez seis espectáculos seus, incluindo Ballyturk, cujo manuscrito enviou para os Artistas Unidos, dizendo-lhes que gostaria que a fizessem. “Adoro Enda Walsh e esta estranha mistura irlandesa entre o cómico de salão rasca com a metafísica”, diz o encenador. “Acho A Farsa da Rua W [que Silva Melo encenou em 2011 na Politécnica] uma das grandes obras-primas destes tempos pós-Beckett. E se já produzimos seis peças dele, e editámos oito, é porque gostamos desta voz iconoclasta e plebeia, deste grotesco arrebatador, deste mundo em que até o Godot aparece, com a cara do António Simão.”

O actor, que trabalha com Silva Melo desde 1995, assume a terceira personagem do enredo, uma espécie de boss deste jogo que às tantas aparece para dizer que passou bastante tempo e que um deles tem que morrer. Há muito que ouvem as paredes falar, que apanham moscas imaginárias, que tiram a roupa toda do armário para ver qual lhes servirá melhor para o jantar importante que não vão ter. Há um relógio de cuco, um despertador, que nunca foram tão essenciais na vida de alguém, ou estes dois corriam o risco de não acordar ou pelo menos de perder o sono. As conversas são muitas vezes desconexas, como aqueles jogos de frases que os miúdos fazem, onde dizem ter visto um feijão a andar de bicicleta. Por outro lado, eles sabem o que está em jogo, que isto é temporário e asfixiante: “O enredo, como nas outras peças de Enda Walsh, é uma espécie de panorama rancoroso da cidadezinha, mas estamos naquele estado entre a vigília e o sono, meio adormecidos. As personagens de Walsh caracterizam-se pela mania da perseguição, por viverem na caverna que não é a de Platão – e quem são eles? Estão fechados. Um deles morrerá. E entretanto foi-se a vida, breve como a das moscas”, enquadra Jorge Silva Melo. Ballyturk é continuar a viver.

Teatro da Politécnica. Ter-Qua 19.00. Qui-Sex 21.00. Sáb 16.00 e 21.00. 6-10€.
De Enda Walsh
Encenação Jorge Silva Melo
Com Américo Silva, António Simão e Pedro Carraca 

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