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Vaiapraia
© Jame St FindlayVaiapraia

Vaiapraia mexe connosco há dez anos. E não nos deixa esquecê-lo

A luminária do queercore português anda em digressão por todo o país. Na passada quinta-feira, 12, tocou na SMUP, na Parede. E regressa às Damas na sexta-feira, 27.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Sozinho, no palco da Sociedade Musical União Paredense (SMUP), Rodrigo Vaiapraia expurga demónios; faz deles canções. Uns metros à frente e uns centímetros abaixo, o público sentado sente, sorri, chora; canta com e – quando, pontualmente, ele se esquece das letras – para ele. O momento é de reencontro com fãs, críticos, músicos e outros co-conspiradores desta luminária do queercore nacional, a brilhar nas ilhas britânicas há uns anos. O ambiente é de festa, que as primeiras Demos de Vaiapraia foram expostas no Bandcamp em Outubro de 2013, há dez anos, e há uma data redonda para assinalar. Mas é também de ensaio geral, porque ao concerto iniciático de 12 de Outubro, na SMUP, vão seguir-se mais 11, de norte a sul de Portugal, nas próximas semanas.

No dia seguinte, sexta-feira, 13, Rodrigo está a tocar na Festa d’Anaia, em Cantanhede; no sábado, 14, no Café Avenida de Fafe, e no domingo, 15, no Beleza Teatro, em Rio Maior. O próximo concerto está marcado para quinta-feira, 19, no Mercado Negro, em Aveiro. Segue-se o Maus Hábitos do Porto, na sexta-feira, 20, e a sala homónima de Vila Real, no sábado, 21. Depois de uns dias de descanso, toca nas Damas (Lisboa), a 27, na Casa de Cultura de Setúbal, a 28, e no festival Sonica Ekrano, na Sala 6 do Barreiro, a 31. Por fim, toca a 3 de Novembro, no Salão Brazil, em Coimbra, e a 4, no Café-Concerto RUM by Mavy, em Braga. Não é normal, em Portugal, um artista independente dar tantos concertos, tão próximos cronologicamente e em pontos tão distantes do mapa nacional. 

Mas esta digressão não podia acontecer de outra maneira, “por razões logísticas e financeiras”, segundo o próprio. “Fez sentido concentrar com antecedência várias datas num só período. Por outro lado, ter datas próximas, a tocar novas músicas, permite testar coisas e chegar a conclusões que não seriam possíveis em concertos isolados”, reconhece. “Há muitas canções que toco com a banda que pelo menos por agora não sei fazer com que resultem a solo. Ao mesmo tempo, há uma margem maior de improviso e flexibilidade. Sinto também mais pressão e medo e tudo mais verde.” 

Na Parede, não tenta esconder a pressão e o medo que sente. Surge desamparado, num registo muito diferente daquele em que se apresentou há uns meses, no Arquipélago da Ribeira Grande, a meia-hora de Ponta Delgada (Açores), durante o Tremor. Começa o concerto ao teclado, a reinterpretar velhas e apresentar novas canções, a esticar e exercitar as cordas vocais, tenso e intenso, a lembrar os Blank Dogs de Mike Sniper, na entrega se não no som. E não demora a conquistar a sala, ou pelo menos uma boa parte da mesma. As primeiras lágrimas cobrem-nos o rosto quando revisita “Gatos”, monumento que começou a erigir há uma década e editou no EP do início de 2014 – repete as palavras “Ouvi dizer que estás bem/ Pela primeira vez, eu também” como um mantra; das cicatrizes do coração brota água, tanta que estes olhos não a conseguem conter. Não será a última vez.

Minutos antes de trocar o teclado por um baixo acústico, Rodrigo conta que começou a escrever uma lista de 100 razões para não dar estes concertos. Desistiu a meio, e ainda bem que o fez, que os deu, que os vai continuar a dar. Na SMUP, por entre momentos de catarse emocional e exposição de feridas mais e menos abertas, ficcionadas ou nem por isso, chovem trolls (os bonecos da nossa infância, não os broncos da internet); quando as suas unhas arranham as cordas do baixo, e vice-versa, parece evocar Daniel Johnston, Jandek, Kimya Dawson (The Moldy Peaches); o inglês e o português cruzam-se em múltiplas canções – “fico a ver barreiras na língua e na linguagem e fendas interessantes/inesperadas nessas mesmas barreiras. Necessariamente, estar fora desafia o meu sentido de localidade e escala e força uma certa humildade”, admite uns dias mais tarde.

Na SMUP, como nas Damas e noutras salas por onde vai passar nas próximas semanas, além dos clássicos de culto que o público quer escutar, ouvem-se novas canções, ou pelo menos esquissos, possibilidades de canções. Descreve-as como “uma continuação natural” do que tem vindo a fazer. Por enquanto, porém, as dúvidas são mais do que as certezas. “São canções, ainda não sei que forma vão ter ao certo, nem quando saem. Sinto tudo muito imprevisível neste momento”, confessa. A noite de quinta-feira, 12, termina ao som de um destes inéditos, destes works in progress.

Imediatamente antes, contudo, toca “Coelhinho”. Aliás, tenta tocar. Não se lembra dos acordes, volta a sentir-se o medo. Até que a cantora e compositora chica, que às vezes o acompanha ao vivo, sobe ao palco para tocar por ele. É para isto que servem os amigos. Esta demonstração de entrega e companheirismo sensibiliza-nos, o poema que acompanha a música também – “Vou p'ró Rego / Sem o rego de ninguém”, quem nunca? Há muito que este homem escreve as melhores dicas de Portugal, mesmo que a maioria o desconheça. As lágrimas voltam a fluir. Não será a última vez.

Mercado Negro (Aveiro). Qui 19. 22.00; Maus Hábitos (Porto). Sex 20. 21.00; Maus Hábitos (Vila Real). Sáb 21. 21.00; Damas (Lisboa). Sex 27. 22.00; Casa da Cultura (Setúbal). Sáb 28. 21.30; Be Jazz (Barreiro). Ter 31. 23.00; Salão Brazil (Coimbra). Sex 3. 22.00; Mavy. Sáb 4. 22.00.

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