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Vamos aguentar os próximos verões em Lisboa? Grupo vai propor medidas a Moedas

Grupo de arquitectos, engenheiros, geofísicos, urbanistas e profissionais de saúde vai apresentar ao gabinete do presidente propostas para aumentar o conforto da cidade. "Temos de agir com urgência."

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Restaurante O Corvo
Arlindo Camacho | Esplanada do restaurante O Corvo
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Vamos a números: foram registadas 35 ondas de calor em Lisboa entre 2001 e 2024; há zonas da cidade onde as temperaturas ficam 10ºC mais elevadas do que no Parque Florestal de Monsanto; as previsões apontam para que, em cinco anos, a temperatura média aumente 2,7ºC; perto de 3% de Lisboa está coberta por árvores, contra os mais de 30% de Viena ou Oslo, a título de exemplos; e 60% do solo está impermeabilizado. Perante os dados, a pergunta que se coloca é: o que tem feito Lisboa para contrariar o aquecimento urbano, potenciado pelas alterações climáticas, mas também pelo número de carros em circulação na cidade, pela falta de ventilação natural ou de sombras? "Existe muita coisa feita" e "muito conhecimento", mas falta implementar medidas concretas, aponta um grupo de especialistas de áreas que vão da arquitectura à medicina e que vai apresentar um conjunto de propostas ao gabinete da Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, na semana de 21 de Julho.

As oito "medidas estratégicas" agora listadas saíram de uma manhã de discussão e trabalho, a 9 de Julho, durante o encontro de arquitectura Archi Summit, no Hub Criativo do Beato, e foram apresentadas na tarde desta sexta-feira. "Não é um assunto que se resolve numa manhã nem numa semana ou num mês", reconhece João Castelo Branco, do gabinete de arquitectura hori-zonte, que organizou o workshop "ReThink Lisboa: Climate & Regeneration Proposal 2030". Mas "temos de agir com urgência", sublinha o colega Diogo Lopes Teixeira. Reunidas as propostas que contam com os contributos de Filipe Duarte Santos (presidente do Conselho Nacional de Ambiente), Manuel Aires Mateus, Adrian Krężlik, Inês Lobo e Vanessa Tavares (arquitectos), Catarina Viana (arquitecta paisagista), Paulo Palha e Vasco Appleton (engenheiros), Daniel Casas Valle (urbanista) e Teresa Leão (médica de saúde pública), o objectivo é agora "concretizá-las", introduzindo componentes "mais técnicas", que possam ser consideradas pelo poder autárquico. 

Praça Marechal Humberto Delgado, inaugurada em 2024 após reabilitação
Francisco Romão PereiraPraça Marechal Humberto Delgado, inaugurada em 2024 após reabilitação

Ainda antes de elencar as recomendações do grupo, fica a pergunta: por que razão existe tanto conhecimento sobre as formas de combater as alterações climáticas, mas a acção no terreno é ténue, face ao que acontece em cidades como Paris ou Amesterdão? "É um pouco como foi dito durante o workshop. Na nossa sociedade, de cultura latina, se algo não for quase imposto, há muita resistência em mudar", responde à Time Out o arquitecto João Castelo Branco. Questionado sobre se seria necessário enveredar por mudanças ao nível legislativo, o responsável atenta ser "sempre preferível a via do incentivo, sejam incentivos fiscais ou isenções de taxas para os promotores [de obras que cumpram os requisitos de ecologia e sustentabilidade necessários]". "Mas se tivermos de ir pela obrigação, então que seja", remata.

Estas são as oito propostas, ainda por afinar, que estarão na base do documento a ser apresentado ao município:

  1. Planear a cidade com "múltiplas escalas e metas até 2030-2050", partindo de "etapas concretas" e estabelecendo "linhas de execução". O foco estratégico deverá estar em territórios assinalados como problemáticos, tais como a Baixa, a zona oriental de Lisboa (com ênfase no Parque das Nações), Areeiro, Arroios e a Alta de Lisboa, mas também olhando para toda a frente ribeirinha e as suas potencialidades ao nível da ventilação natural (bloqueada, ao longo da cidade, pela construção mas também pela própria orografia) e para zonas como Chelas (com muita construção mas também terrenos vagos);
  2. Investir em "estruturas ecológicas" e no conceito de "cidade-esponja" (renaturalizada e, portanto, mais permeável), muito implementado em cidades do sudeste asiático. "Tem de haver um diálogo entre os edifícios e o espaço urbano. A nossa cidade é como uma extensão da nossa casa", aponta Diogo Lopes Teixeira;
  3. Abrir "espaço para projectos experimentais e protótipos", muito localizados, que permitam avaliar e medir as diferentes soluções possíveis para a cidade. "Os cidadãos devem estar no centro das decisões";
  4. Avançar para a requalificação do espaço público "com base em dados climáticos, com a garantia de que as soluções propostas resistam às temperaturas previstas para daqui a uns anos". "Na construção os processos são lentos", tornando-se, por vezes, desactualizados, assume João Castelo Branco;
  5. Apostar na "educação urbana e no envolvimento do cidadão", formando-se uma espécie de "escola da cidade", que torne compreensíveis opções a favor do ganho de espaço natural e que fortaleça a massa crítica;
  6. Recorrer a dados de saúde pública como argumentos estratégicos. Em Janeiro deste ano, um estudo publicado na revista Nature Medicine indicava que as mortes associadas à temperatura (frio ou calor extremos) poderão aumentar até 50% nas cidades europeias, até ao final do século; 
  7. Considerar "o pós-vida urbano central", ou seja, construir pensando de antemão que se poderá ter de vir a desmontar, adaptar ou reutilizar uma estrutura, conforme as necessidades;
  8. Garantir a responsabilização e a audácia política, bem como a continuidade de estratégias para além dos ciclos eleitorais de quatro anos, apostando-se, para isso, em estruturas politicamente independentes.

O grupo espera que a reunião de Julho seja uma primeira etapa de um diálogo apto a continuar.

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