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Daniel Kofalvi é novo na Calçada de Sant’Ana. Inclinada e pacata, a rua rejuvenesce aos poucos – há uma livraria mesmo ao lado, a Well Read, e mais abaixo encontramos o Cerqueira, tasca portuguesa honrada por dois jovens cozinheiros. Depois de uns quantos mercados lisboetas e de uma pop-up nos Anjos, foi aqui que ele resolveu dar poiso fixo à Unāgi. A loja anuncia um “vintage moderno” logo na montra, promessa cumprida assim que entramos e encaramos as primeiras peças. Estão organizadas por cores, num exercício desafogado que intercala roupa de marcas bem conhecidas, calçado e malas. O combo remete-nos para a década de 90 e para os primeiros anos deste século.
“É tudo escolhido por mim, daí ter uma quantidade de peças tão limitada. Adoro marcas que continuam relevantes hoje, mas também marcas que deixaram de produzir com a qualidade com que produziam. Por isso é que digo que é um vintage moderno, porque penso naquilo que as pessoas querem usar agora. É claro que há coisas que nunca vou vender, porque não fazem parte da minha identidade visual”, começa por explicar o designer húngaro que, a dada altura do seu percurso, virou costas à indústria da moda.

A curadoria parece ser mesmo a alma deste negócio. Para ter o melhor – uma mistura do que são as tendências do momento, achados de qualidade inquestionável e peças de designer –, Daniel viaja frequentemente até Itália, mas também até à Hungria. A coser blusões de pele impecavelmente cuidados, tops curtos, malas de ombro esguias, óculos de sol futuristas e sapatos robustos está um único fio, o de uma estética pessoal, actual e depurada, que não deixa espaço para stocks bafientos. “Estamos em 2025 e o Y2K, por exemplo, é vintage. Mas também há peças com dois anos prontas para serem reutilizadas. Para mim é um conceito bem mais abrangente”, continua.
Esta não é a loja de roupa em segunda mão que nos habituámos a ver em Lisboa. As paredes são brancas e nos expositores há um número controlado de artigos. O balcão espelhado pode ser um objecto incontornável, mas é na moda que está o foco. Entre o provador e o grande espelho, deixou espaço suficiente para que os clientes possam deambular enquanto vestem uma possível nova pele. Na tarde em que visitámos a Unāgi, vimos uma mala preta Calvin Klein a ser vendida, espreitámos a etiqueta mais cara – um trench coat Prada a 100€ –, e surpreendemo-nos por encontrar dois pares de botins em pele do português Miguel Vieira.

A viver em Lisboa há dois anos, depois de ter passado por Nova Iorque e Londres, Daniel começou por sondar o que outras lojas vintage e de segunda mão tinham para oferecer. O formato temporário e a presença em mercados fê-lo perceber as nuances da clientela lisboeta – e a predilecção pela cor é uma delas, garante. “Quando entramos em lojas de roupa vintage mais antigas, vemos que oferecem sobretudo moda dos anos 70 e 80. Sempre senti que essa não era a minha sensibilidade, é demasiado próximo do disfarce. Além disso, entramos e vemos a mesma coisa às carradas – montes de camisas de xadrez, montes de blusões de pele. São óptimos sítios para caçar tesouros, mas é diferente entrar num espaço onde a roupa não está em cima de nós e onde conseguimos vê-la realmente”, partilha.
Para Daniel, a moda em segunda mão é o caminho para reduzir o impacto do que vestimos no planeta. “Espero que tenha vindo para ficar, não só por ser cool, mas por ser uma escolha consciente. Da forma que estamos a consumir agora, vai ser impossível sobrevivermos neste planeta durante muito mais tempo. A moda é a segunda indústria mais poluente do mundo – podemos fazer parte disso, ou podemos fazer parte da mudança, reutilizando e mantendo as coisas em circulação durante mais tempo. Há tanta roupa – roupa suficiente para vestir as próximas seis, sete gerações –, e nós nem damos por isso porque as pessoas continuam a comprar de forma impulsiva, sem pensar no que estão a comprar, em quem fez aquilo, de onde vem, só porque é barato”, conclui.

Além da economia circular, o dono da Unāgi acredita que um futuro mais amigo do ambiente também passa por valorizar os pequenos negócios, aquilo que descreve como “deixar o consumo de massas” através de comunidades que se apoiam mutuamente. Um cenário utópico, mas que Kofalvi já tenta pôr em prática na Calçada de Sant’Ana. Entre velhos e novos comerciantes parece estar a nascer uma boa vizinhança. Quem sabe se forte o suficiente para transformar esta rua lisboeta num destino de romaria. No que depender da pequena loja, aberta desde o início de Março, a moda já faz parte do roteiro.
Calçada de Sant’Ana, 88 (Baixa). Qui-Sex 13.00-19.00, Sáb-Seg 12.00-17.00
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