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Vivienne Westwood: um salto ao passado e uma designer de olhos postos no futuro

Até Outubro, o MUDE recebe “Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa”, exposição que percorre as décadas de ouro da designer britânica, salientando o seu fascínio pela história do vestuário.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Mude. Vivienne Westwood. O Salto da Tigresa
Luísa Ferreira | Vivienne Westwood Gold Label. Primavera/Verão 2000
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De portas novamente abertas há quase um ano, e totalmente renovado, o MUDE volta a dar-nos razões para descermos abaixo do nível do solo, até à peculiar Sala dos Cofres do antigo Banco Nacional Ultramarino. Num cenário que nos remete para a ideia de tesouro, encontramos a mais recente exposição do museu, dedicada ao génio e à moda de Vivienne Westwood (1941-2022). "Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa" traz um olhar – sempre bem-vindo – sobre algumas das silhuetas mais emblemáticas da designer britânica, mas com uma perspectiva bem menos explorada.

"É uma obra que tem muitos aspectos – o patriotismo, toda a ligação ao movimento punk – mas achei que seria interessante explorar um outro aspecto, o historicismo da Vivienne Westwood. É algo que tem sido apontado várias vezes, mas que ainda não foi devidamente estudado", começa por referir Anabela Becho, curadora da exposição. A viagem no tempo ajuda, por sua vez, a explicar o título misterioso, uma inspiração directa na imagem dialéctica de Walter Benjamin. Sem uma cronologia linear, a proposta curatorial põe em evidência as referências de Westwood na moda do passado – em silhuetas outrora consideradas símbolos máximos da modernidade, mas também na construção do próprio vestuário, que a criadora tão genialmente reinterpretou à sua maneira.

"Olhar para a Vivienne Westwood permite revisitar muitos destes conceitos, nomeadamente este salto do passado e o acto de trazer para o presente uma série de elementos com que a moda constantemente se reinventa. Porque se a moda procura novidade, é também na sua própria história que ela a vai procurar", extrapola a curadora, que aqui juntou cerca de meia centena de peças, incluindo mais de 30 coordenados. À excepção de duas peças, cedidas por coleccionadores privados, todas as criações de Vivienne Westwood expostas fazem parte da Colecção Francisco Capelo, sendo Westood um dos criadores de moda do século XX mais generosamente representados na colecção.

MUDE, Colecção Francisco Capelo, "Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa"
Luísa FerreiraVestido Primavera-Verão 1998

Para trazer esse nível de leitura para a sala dos cofres, as peças da designer britânica foram colocadas em diálogo com peças históricas e até com gravuras de época, vindas do Museu Nacional do Traje e da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, respectivamente. Logo a abrir a exposição encontramos uma peça que atravessa séculos, a crinolina. Lado a lado, um vestido Vivienne Westwood, da colecção Primavera-Verão 1998, e um traje feminino, de confecção portuguesa, de meados do século XIX.

"É de uma colecção que se chama 'Tied to the Mast' [amarrado ao mastro], na qual ela revisitou, não só a história da moda, mas também a sua própria história. É que a colecção retoma o tema dos piratas, o mesmo da colecção que apresentou no seu primeiro desfile, em 1981, e que ela considera ter sido o seu verdadeiro início enquanto designer de moda. E claramente há aqui também uma referência a uma pintura de Géricault – A Jangada da Medusa –, de 1819. Nos próprios materiais, ela retoma as velas ao vento, as cordas", detalha Anabela Becho.

Entre a alta-costura parisiense e a cultura punk da cena londrina underground, Westwood construiu uma identidade própria bebendo das mais diversas (díspares, até) referências. Em nome de ideais políticos e sociais, a subversão foi assumida também no campo do vestuário – a roupa interior saltou para fora, o romântico tornou-se boémio e até o velho e constrangedor espartilho se transformou em símbolo de empoderamento e de controlo sobre o próprio corpo.

Já dentro da Sala dos Cofres, chegamos ao Outono de 1995. "Vive la Cocotte" não é só uma das colecções mais emblemáticas de Westwood, é uma declaração pública de amor e fascínio pela moda parisiense. "Ela mistura uma série de referências – as mangas da Belle Époque, as tournures. A Vivienne Westwood definiu sempre a sua identidade entre um certo activismo nacionalista britânico e o apelo da cultura e da moda francesa. Aliás, ela refere numa biografia que era no momento em que estava em Paris para apresentar as colecções que se sentia mais próxima da moda", denota a curadora.

Próximo salto? Século XVIII. Um conjunto de coordenados integralmente pretos fazem sobressair os detalhes da construção das silhuetas, onde os corpetes, os laços e as linhas dos decotes revelam uma forte inspiração no imaginário das pinturas de François Boucher. Num outro capítulo das pesquisas levadas a cabo por Westwood, encontramos os tartans. A partir de uma longa tradição incutida na herança têxtil britânica, a criadora trabalha com a centenária Lochcarron of Scotland para criar variações próprias deste padrão, também ele emblema nacional.

"Anglomania" é apresentada em Paris, em Março de 1993. O desfile – rico em tartans – será para sempre recordado pela queda de Naomi Campbell a meio da passerelle. Os sapatos que calçava são uma das peças em destaque na exposição. Anabela Becho, contudo, adiciona uma outra referência a este ícone do footwear do séculos XX, muito anterior às plataformas dos anos 70 – as chopines venezianas do século XVI.

MUDE, Colecção Francisco Capelo, "Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa"
Pedro JaneiroT-shirt, 1976-77

Ao longo dos anos 90 e 2000, Vivienne Westwood levou muitos outras referências históricas para a passerelle. Por mais do que uma vez, a commedia dell'arte e os arlequins italianos do século XVI serviram de ponto de partida para construções altamente geométricas, no vestuário e também nos acessórios. Mais do que a apropriação de elementos de época, a transposição para a contemporaneidade é um exercício constante. "Não é uma questão meramente estética. Nos corpetes, nas tournures, nas crinolinas, ela estuda a construção das peças", adiciona.

"Pirates" (título dado à posteriori), a colecção de estreia em passerelle, ao lado do então parceiro criativo (e de vida) Malcolm McLaren, dá um ar da sua graça. Ainda sem as influências ornamentais e de estrutura da alta-costura francesa, as silhuetas aparentemente despojadas escondem uma modelagem complexa, fruto do estudo de peças de roupa interior de outras épocas, em particular do século XVIII.

Depois de "Portugal Pop. A Moda em Português. 1970-2020", inaugurada em Março, a pequena exposição de Vivienne Westwood reforça o papel do MUDE enquanto museu, entre outras expressões do design, dedicado à moda. Com mais uma colecção prestes a integrar o acervo do museu – e que, segundo a directora Bárbara Coutinho, deverá dar entrada "no final deste mês" –, a moda internacional vai continuar a ser uma constante na proposta programática do MUDE. "Existem vários autores internacionais que têm uma muito boa representação [no acervo do museu]. E, mesmo que não tenham, as relações que temos hoje com vários museus internacionais permite, com toda a naturalidade, a vinda de peças que sejam necessárias", assinala Bárbara Coutinho.

Com mais de 80 peças catalogadas, Vivienne Westwood não é caso único. Na Colecção Francisco Capelo, onde os anos 50 e 60 e 80 e 90 são dois núcleos especialmente ricos. Jean Paul Gaultier, Yohji Yamamoto ou Alexander McQueen são também nomes presentes na colecção, com dezenas de peças.

"Vivienne Westwood: O Salto da Tigresa" inaugura esta sexta-feira, às 19.00, pretexto para reforçar o convite para visitar o resto do museu, que fica aberto até às 22.00 e com entrada gratuita.

Rua Augusta, 24 (Baixa). 21 817 1892. Dom, Ter-Qui 10.00-19.00, Sex-Sáb 10.00-21.00 (horário de Verão). Até 12 Out. 11€-15€ (entrada gratuita para residentes no concelho de Lisboa Sex a partir das 17.00 e Dom 10.00-14.00)

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