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Zé Pedro: o céu ganhou uma estrela de rock

Escrito por
Rui Monteiro
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Foram só seis minutos, mas foram seis minutos frenéticos, e fundamentais. Ao princípio foram uma excentricidade, depois um marco para o punk. Todavia, o passar do tempo tornou a primeira actuação dos Xutos & Pontapés, em 1979, nos Alunos de Apolo, ali entre as Amoreiras e Campo de Ourique, o momento simbólico de emancipação da juventude através da música e do despertar de uma cultura que atingiu o seu auge nos criativos anos da década de 80.

O mais conhecido e acarinhado dos protagonistas dessa data morreu. “Boa noite, aqui Xutos & Pontapés!” poderá – espero – continuar a ouvir-se no início dos concertos, mas já não é a mesma coisa, pois ninguém esquecerá Zé Pedro.

Décadas depois, muita água passada debaixo das pontes, mais do que um músico, morreu um ícone da música popular portuguesa que encontrou no rock simples e agreste e sem temor da intervenção uma forma de vida. A sua forma de vida, como guitarrista irrequieto de uma banda que sobrevive a tudo (e muito foi o que por já passou), deu-lhe a fama. Mas não foi a fama que o tornou um ícone, porque essa condição vem de si, da forma dedicada com que se entregava ao trabalho, que abraçava com alegria, com um contentamento contagiante, capaz de contaminar plateias, aplacar gostos divergentes, e encantar fãs, esses, que tratava como iguais e que com ele, como com nenhum outro astro pop, se sentiam de facto iguais. E nem a medalha com que o Presidente Jorge Sampaio o honrou, ou a doença que há anos o sarrazinava, o tornaram diferente.

Voltemos atrás, até esse concerto – digamos – instantâneo, para encontrar o que o movia e verificar como, com o tempo, o músico pulverizou os seus interesse e a sua actividade pela rádio ou pela televisão, generosamente partilhando a sua erudição rock, o seu gosto pela pequena história sem a qual as grandes histórias não teriam interesse, o prazer pela conversa. Na biografia dos Xutos & Pontapés assinada por Ana Cristina Ferrão, Conta-me Histórias, Zé Pedro recorda assim essa noite, comemorativa dos 25 anos do rock’n’roll: “A assistência que tinha estado a ouvir, a noite toda, o 'Rock Around the Clock' e outras coisas similares, ficou estática. Quando acabámos não se ouviu nem uma palma, nem um assobio. Não se ouviu nada. Eles não devem ter percebido absolutamente nada e a verdade é que nós também não.” Pudera, cinco canções (enfim, ninguém sabe ao certo) em meia dúzia de minutos, pode ser interpretado de várias maneiras, mas a sua maneira foi a que o levou a concluir a frase com as palavras: “Tinha sido muito excitante. Marcámos logo o próximo ensaio.” Atitude, para quem não percebeu ao longo destas décadas, clarificada mais tarde e – direi – definitivamente, quando, a uma pergunta de Ana Sousa Dias, para entrevista publicada no Diário de Notícias, o ano passado, afirmou: “O rock’n’roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente. Não é preciso ser músico para se sentir, tem que ver com aventura. Pode ter que ver com uns certos limites na vida, mas tem, acima de tudo, que ver com a realização pessoal de uma vida mexida.”

E que mexida foi a vida de Zé Pedro, desde essa noite, aos seis anos, quando de regresso de Timor as luzes de Hong-Kong o fizeram reparar na electricidade com que se fez artista. “Era como se estivesse a descobrir a civilização”, disse mais de uma vez, em diversas circunstâncias, como quem revela um fascínio que está na origem de tudo. Embora o que melhor o defina como artista e como homem esteja na letra de uma canção: Pensas que eu sou um caso isolado/ Não sou o único a olhar o céu/ A ver os sonhos partirem/ À espera que algo aconteça.

Ou talvez ainda melhor neste verso de O Homem do Leme: E mais que uma onda, mais que uma maré/ Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé/ Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade/ Vai quem já nada teme, vai o homem do leme.

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