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Barra Cascabel

  • Restaurantes
  • São Sebastião
  • preço 2 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
Barra Cascabel
Fotografia: Manuel MansoBarra Cascabel
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Vamos, por uma vez, começar com a bebida. E não é vinho. Nem cocktail. Nem kombucha. É sumo. Sumo de tomate. Com vinagre. E soja. E pimenta. E azeite.

E é do caraças.

Foi isto que eu disse à minha filha adolescente, que me acompanhou num almoço recente ao balcão do Barra Cascabel.

“É do caraças.”

Ela não acreditou. “Pai, é tomate. Tomate é para cortar às rodelas e pôr na salada”, disse-me. Insisti: “Prova”. Ela provou. “Não é tão mau como parece”, admitiu, voltando à sua limonada, que também não era uma limonada qualquer.


Tomate é para cortar às rodelas, sumo de tomate é bebida de avião, aquela latinha que
 os norte-americanos pedem 
a 10.000 metros de altitude porque acham que conseguem duas borlas de uma vez: sumo e sopa. Estes são os dogmas. Mas o Cascabel acrescenta uma nova circunstância. A bebida vai muito bem no 7º piso de um centro comercial com comida mexicana. Óptima comida mexicana.

Vamos à história do restaurante. O Barra Cascabel é um exemplo das novas estruturas empresariais de restauração. O restaurante foi comunicado como estando no portfólio do Grupo José Avillez, Avillez esse que por sua vez fizera uma parceria com Roberto Ruiz, mexicano radicado em Madrid (com uma estrela Michelin na lapela). Roberto Ruiz montou e deu a cara pela comida, mantendo contudo
a base em Madrid, onde tem vários restaurantes, e deixando a cozinha diária a cargo de uma equipa multiétnica, onde “dois cozinheiros nepaleses” estão aos comandos – de acordo com um dos empregados.

Dito assim, não parece aliciante: chef que delega noutro chef que delega. E há mais contras: num restaurante num centro comercial; com música aos gritos; num sétimo andar de um espaço chamado Gourmet Experience; onde só se chega depois de uma gincana por escadas rolantes ou de esperar demasiado pelo elevador.

Sucede que o Barra Cascabel não é um bom restaurante de praça de alimentação num centro comercial – é porventura o melhor restaurante de praça de alimentação de centro comercial de toda a Grande Lisboa. E está folgadamente entre os três melhores mexicanos desta cidade.

Apesar de Roberto Ruiz ser um chef com dotes criativos,
o que fez aqui foi uma cozinha com ingredientes clássicos, uma espécie de best of de pratos mexicanos icónicos. Que pratos?

É difícil dizer o que é o quê na culinária mexicana. Se quisermos ser básicos e despachar a coisa num parágrafo (queremos,
 temos de), podemos dizer que se começa quase sempre com uma tortilha. No Cascabel, como em todo o México, dá-se preferência às tortilhas de milho. A tortilha, todavia, pode ser trabalhada de várias formas. Se for cortada em triângulos depois assados ou fritos, sem mais, transforma-se em totopos. Se a isto somarmos uma camada de queijo derretido e coisas várias, temos nachos. Não confundir: totopo é acompanhamento; nacho é prato. Exemplo: o que vem no guacamole do Cascabel (tão simples quanto bom, só o abacate desfeito, pickles de jalapeño e sementes tostadas de girassol), são totopos. Mas há mais para saber sobre derivações de tortilha (o parágrafo pode ser grande).
 Se fritarmos a tortilha inteira e lhe pusermos sólidos por cima
 – como atum, pepino e hortelã
– temos uma tostada: é o caso da tostada de bonito do Cascabel.
 Se a moldarmos em U e nela encaixarmos bocados de carne de porco com ananás picado e creme de pimentos chipotle, temos um taco, neste particular 
o famoso al pastor (o prato mais picante do restaurante, ainda assim um docinho para qualquer criança de Oaxaca); ou então, o meu prato favorito no Cascabel: os camarões com molho de jalapeño “tatemado”, palavra que significará qualquer coisa entre o torrado e o chamuscado.

Resta acrescentar que também estava óptimo o aguachile de corvina, espécie de ceviche mais suave; bem como o frango com molho de pimento chipotle, o preferido da minha filha; e a sobremesa com uma areia de amêndoa, frutos vermelhos e creme de queijo por cima.

Assistindo do balcão ao 
que se passa nesta cozinha – aberta e muito bem equipada 
–, impressiona o cuidado e o detalhe. Na logística e na técnica, nos ingredientes frescos,
 nos molhos complexos, nos empratamentos. E toda a gente parece trabalhar com foco, os procedimentos automatizados, só frases curtas, a mise en place de um fine dining.

Há, contudo, uma característica muito invasiva neste restaurante: a música. 
Não só está estupidamente alta, como os empregados cantam por cima. Isto tem um duplo efeito, um mau e um bom. O mau é o costume: se quisermos conversar temos de nos cansar (aconselho a ponta do balcão, se a esplanada – sem colunas 
– não estiver operacional). A coisa boa é vermos senhoras 
de idade inebriadas pelo som, como uma Barbie ao nosso lado, cara esticada, cheia de sacos
 de grife em volta, uma avó em negação, sorridente por aquele eco de boîte, os ombros em meneios bruscos e fora de tempo. Lembrou-me a minha mãe a dançar no aniversário de um amigo, quando era eu jovem, e da vergonha que senti na altura.

Há uma música em particular, que passa sempre, cantada em espanhol, com um refrão que mete toda a gente a dançar. Não dá para ficar parado. Mesmo o cliente mais embezerrado, mesmo um velho crítico de restaurantes, pode ser levado pela onda, o pé a bater, a cabeça no compasso, um braço que foge, a mão em percussão crescente no balcão. Também ele pode ser, agora, o adulto rijo e fora de tempo, com a sua filha humilhada e implacável ao lado. “Pai, concentra-te no sumo de tomate.”

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
El Corte Ingles
Avenida António Augusto de Aguiar, 31
Lisboa
1069-413
Preço
25-35€
Horário
Seg-Qui 12.00-00.00, Sex-Sáb 12.00-01.00
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