O BouBou’s, uma pérola ainda meio escondida no Príncipe Real, é um três em um: tem uma zona de bar, uma cozinha aberta com balcão para comer à frente do chef e uma bonita esplanada interior, suficientemente fresca no Verão e acolhedora no Inverno. Tem muito por onde escolher, mas vá em família e peça os “go big or go home”, tábuas grandes com polvo ou o kebab do it yourself, de cordeiro.
Ps. O nome fofinho é a junção dos dois apelidos dos donos.
Crítica:
O pátio do BouBou’s parece uma reunião de dondocas anónimas de Lisboa. Dondoca é a palavra que os brasileiros usam para designar mulheres com muito tempo livre à custa de maridos ricos. Há um grupo de brasileiras e portuguesas, logo ao meu lado, outro de inglesas, outro de angolanas. O mais ruidoso e animado é o grupo lusófono, uma dezena delas, todas na casa dos 30, 40 anos.
E de que falam? De como é difícil a vida de dondoca. De como o homem é um bicho insensível à vida difícil de dondoca; de como é duro fazer o lanchinho dos meninos, vesti-los, cuidar que eles não adoeçam e cresçam com o biótipo dos pais; e ainda ter de “ser gostosa”. Oiço isto e enfio-me nas minhas ostras com manteiga de alho e chalotas, muito quieto no meu canto, como a testemunha de um crime hediondo escondida no guarda-fatos.
Talvez haja coisas criticáveis nas dondocas, mas uma delas não é a escolha de restaurantes. A dondoca sabe de restaurantes. Este BouBou’s, no Príncipe Real, vem confirmar a tese. Começa por ser um lugar encantatório. Fica numa ruela perpendicular à Rua da Escola Politécnica, longe da azáfama comercial, a fachada verdejante de plantas, só uma tabuleta mínima a anunciá-lo, qual restaurantezinho caseiro e campestre. À entrada há um bar, depois uma sala pequena que senta 15 pessoas, a cozinha aberta em frente, mas o ex-líbris está nas traseiras. O pátio tem um telheiro de caniçal, bom para providenciar vitamina D a senhoras de acento british, como as ao meu lado, já de saída, “flattered with the delicious food, the best meal we had in Lisbon” e com o “wonderful coffee tableware”.
A dona há-de vir à mesa receber o louvor e explicar-lhes que está ali há pouco tempo. O negócio é feito com o marido, que antes esteve no Chiltern Firehouse, informação que provoca um really! audível em Wimbledon. O Chiltern Firehouse é o restaurante londrino do chef Nuno Mendes, onde numa noite fraca Bill Clinton e Elton John podem ser as duas pessoas menos importantes na sala.
É bem diferente contudo o perfil deste BouBou’s, assumidamente francês, como se vê logo na manteiga com chalotas que dá corpo às ostras, duas delas, gordas, viajadas de Aveiro. Primeiro sente-se a gordura, mas logo a água do mar se sobrepõe. Segue-se uma sopa de topinambur, encorpada com natas igualmente muito gaulesas, no topo chips caseiras de batata doce e avelã torrada: conforto, textura, sabor.
Nisto, enquanto não chega o robalo, há tempo para apreciar detalhes. O ambiente do pátio é como se a casa de praia se cruzasse com o restaurante Michelin. As vergas coabitam com os tampos de mármore e com os talheres Herdmar, as mesas sem toalha servem de sustento a copos Bormoli inAlto. Carta de vinhos bem escolhida, com várias propostas francesas, onde se inclui o meu chardonnay da Borgonha, Contes de Saint-Martin, vivaço e crocante, temperatura correcta, servido com segurança.
Calha o líquido muito bem com o prato principal, o tal robalo com amêijoas. Podia ser só mais um robalo com amêijoas como há outros robalos com amêijoas, mas é mais do que isso. O filete está perfeito, mas um perfeito perfeito, difícil de perfeito. A pele caramelizada e estaladiça, a carne por baixo mantendo-se húmida. Depois, vem tudo sobre um caldo exótico, feito da água da cozedura do polvo, consommé onde nadam os spätzle, pequenos bolos fritos igualmente estaladiços. Grande prato, sabor e originalidade (merecia amêijoas de outro calibre).
Abaixo do resto estão os brócolos com maionese de tahini, as flores já amareladas. A sobremesa que remata a refeição é um creme de yuzu, citrino asiático ao preço da lagosta, com umas bolachas açucaradas, tipo merengue, que nada acrescentam, só servindo para cenografia.
Na mesa luso-brasileira, quase toda a gente opta pelo polvo grelhado com batata doce e aioli de harissa, pasta picante muito usada no Magrebe. Quando os pratos aterram na mesa, largam em uaus!, o prato de grande efeito dramático, dominado por um tentáculo gigante e fotogénico. O polvo é hoje o campeão do Instagram, muito justamente e as dondocas tratam de disparar nele os seus iPhones plus.
Já alimentadas e com o vinho solto, começam então as anedotas. As brasileiras evitam a temática do português pacóvio, as portuguesas evitam a piada da quenga brasileira – e nisto são quase quatro da tarde e é preciso enganar o hálito com pastilha de menta e ir buscar os meninos.
Em síntese. O BouBou’s é mais do que um restaurante de estrangeiro rico. Na cozinha há quem saiba o que compra e o que cozinha. Acresce que o espaço é luminoso e bonito. Por 40 euros, não há muitos restaurantes assim em Lisboa. Ide lá. Toda a gente merece ser dondoca por um dia.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.