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d’As Beatas

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D'as Beatas
Mariana Valle LimaD'as Beatas
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A Time Out diz

Há um restaurante da Graça que se destaca pelo activismo feminista. Alfredo Lacerda gostou da causa, mas não da cozinha.

O sítio tem esse desmazelo em voga que nunca sabemos se é estilo ou falta de investimento. Eis uma antiga casa de almoços na Graça, com o seu avançado de caixilharia de alumínio e o chão em calçada portuguesa, lá dentro uma sala curta, o balcão a toda a largura e a cozinha ao fundo – também mínima. Luzinhas à entrada, cadeiras toscas e desconfortáveis de madeira e, nas paredes, desenhos com mamas femininas – ícone d’As Beatas.

Estranho tantas mamas, a maioria com cruzes nos mamilos – e já só depois do jantar tomo conhecimento da simbologia, alicerçada numa causa justa. As duas fundadoras são activistas feministas e lutam contra a discriminação de género, em particular na cozinha.

À frente dos tachos está Diana Reis. Tem um percurso diversificado, tendo passado pelo Exército, pela contabilidade e pelas cozinhas do Feitoria e do Belcanto. De acordo com um artigo do jornal Público, publicado na estreia, há dois anos, a intenção inicial das fundadoras “era só trabalharem no restaurante mulheres ou pessoas ‘não normativas’, transexuais ou outras que tivessem dificuldade em encontrar um espaço de trabalho onde se sentissem confortáveis”.

Esta preocupação faz todo o sentido para mim, porque a discriminação de género é um assunto sério, com consequências psicológicas graves, apesar de ser usada como folclore por uma certa clique política e cultural lisboeta, tachista e imóvel.

Vamos ao jantar. O empregado recebe-nos com simpatia, mas pouco pode perante a casa cheia. São 20 pessoas a seu cargo – quase todas em início de refeição. Do que consigo ver, na cozinha oficiam apenas duas pessoas – sendo que uma delas parece ocupada com a loiça.

Não admira que tenhamos ficado durante 25 minutos de estômago vazio, altura em que insisti para se trazer o pão. O pão era desses industriais de supermercado que se colam ao céu da boca – e só amenizou um bocadinho a espera.

Foram mais 30 minutos até chegar o primeiro prato – ou seja, ao todo, aguardámos 55 minutos para pormos alguma coisa à boca que não fosse pão ultra-aditivado. Entretanto, na mesa ao lado, ouvimos o empregado explicar-se sobre a fraca qualidade da panificação: “Isto é um restaurante de bairro”. Certo.

A abrir, umas “lulas salteadas” cítricas e picantes, evocando o Sudeste Asiático, cheias de sabor e emoção. Mesmo o facto de parecerem ser dessas congeladas, cozidas pelo gelo, não apagou o brilho do prato, entulho aromático bem servido de proteína.

Calharam bem as lulas com a salada de kimchi, o molho coreano picante de couve (pouco) a espevitar um monte de hortaliças frescas e estaladiças. Estava igualmente interessante o mil-folhas de batata, ainda que tenha ficado sem perceber o que levava: na carta, falava-se em “manteiga de tomilho” e “molho agridoce de soja”; o empregado citou “manteiga de miso” (a pasta japonesa), e “um molho com balsâmico”.

O que tinha com certeza miso era o pica-pau com pickles d’As Beatas. A carne tenra, mas o prato estragado por um sabor intenso a alho velho.

Siga para as sobremesas – duas, nenhuma delas capaz de reabilitar uma refeição com problemas. O “leite-creme de poejo” tinha mais de poejo do que de leite e a superfície era uma roda de açúcar queimado grossa como um vidro duplo. Quanto ao pastel de nata d’As Beatas, anunciou-se e cumpriu-se uma “versão desconstruída”, supostamente com panacota (não dei conta), creme inglês e massa folhada (ressequida).

Em síntese. Serviço fraco, cozinha inconstante, pouco conforto, carta de vinhos irrelevante e curta. O d’As Beatas tem ousadia e vontade de criar coisas novas, mas neste jantar tudo pareceu demasiado amador e displicente. Mesmo para um “restaurante de bairro”. Mesmo para um restaurante-activista.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua das Beatas, 8 A-B (Graça).
Lisboa
1170-052
Preço
20€-30€
Horário
Ter-Sáb 19.00-22.30.
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