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Das Flores

  • Restaurantes
  • Chiado
  • 5/5 estrelas
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A Time Out diz

5/5 estrelas

A iminente construção de um hotel no prédio do restaurante Das Flores, no Chiado, fez anunciar o fecho de uma das tascas mais concorridas e amadas do Chiado. Mas o Sr. José Fernandes por lá continua, forte, a abrir só aos almoços. Às terças, sextas e sábados há croquetes com arroz de tomate (imperdíveis, também estão disponíveis como couvert). As iscas e os pastéis de bacalhau, agora só às quintas, são outros pratos obrigatórios. Tudo caseiro e em doses generosas.

Crítica

Desafiaram-me a regressar ao Das Flores. A princípio, não vi a finalidade. Há anos que isto é o segredo mais mal guardado do Chiado, refúgio de boa comida caseira a preços de antigamente, numa zona onde não abunda uma coisa nem outra. Vai daí, fui tirar medidas às bocas do povo. Eis as queixas que identifiquei em 40 comentários de Zomato e outros tantos de Tripadvisor e que levaram muitos utilizadores a subtrair uma estrelinha ou duas à avaliação final: 1) está sempre cheio; 2) só abre para almoços; 3) fecha ao domingo. Por mim, aproveitava a boleia desta rapaziada e tinha o texto feito. O número 1 diz-me que a qualidade da casa não esmoreceu e esta continua a ser uma das melhores tascas de Lisboa. E aos números 2 e 3 bastará acrescentar morada e número de telefone para termos a infoline completa. Maneira que é isto. Muito obrigado a todos, voltem sempre, mas não se esqueçam de reservar.

Acontece que há muito que aqui não vinha e uma boa amiga minha insistia que queria voltar comigo onde já fomos felizes. Acresce ainda que, entre aquele matagal de encómios e alvíssaras, lá achei uma senhora que se aliviava da seguinte posta de pescada: “as sobremesas são boas sem serem espectaculares”. Era uma afirmação que desafiava a minha memória do lugar e isso merecia ser investigado. Comecemos então pelo fim e avancemos às arrecuas. Falemos das sobremesas.

Passa agora da uma e meia, e estamos sentados à mesa desde o meio-dia e pouco. À minha frente tenho uma mulher que já se diz satisfeita, mas insiste que lhe dêem o arroz. E ele chega bem doce, levemente suado, o bago no ponto, macio mas firme, leitoso, um sabor lânguido de canela e limão. Se tudo isto soa vagamente erótico, admito, pode ser sugestão minha: porque suspeito que a criatura atinge o clímax à primeira colherada no arroz doce. Exclama que é o melhor que prova em muito tempo, e eu, mesmo reclamando de um ligeiro excesso no doce, assino por baixo. Seguimos na tarte de amêndoa, que na minha memória era provavelmente a melhor de Lisboa e que provavelmente ainda é. Um dedo de altura, bem tostada por fora, leve amargor da amêndoa quase queimada; mas depois húmida, bolachuda e doce ao centro (agora sem qualquer leitura erótica). Para mim isto é perfeição. Ainda assim, por via das dúvidas, não recusaria um convite da tal senhora para ir comer doces à casa dela.

Sigamos recuando, então. O bacalhau deixaria o senhor Brás orgulhoso, o bicho em lascas, embrulhado com batatas fritas a sério e perfumado de salsa fresca. As iscas continuam exemplares no tempero, servidas com óptimas batatas cozidas. Os croquetes merecem ser comidos como prato, com arroz de tomate, mas são fritinhos na hora, mesmo para servir de entrada, como o são os rissóis de camarão, estaladiços, saborosos e bem recheados — ou os pastéis de bacalhau, que aqui sempre mereceram a minha preferência, mas agora, sou informado, só aparecem à quinta-feira.

Em resumo, nenhuma surpresa. A mesma ementa, o mesmo apuro, a mesma casa pequenina sempre cheia ao meio-dia e meia, a mesma clientela militante, gente dos serviços, trabalhadores intelectuais, senhoras bem-postas que cochicham com graça. E a mesma receita familiar: mãe na cozinha, pai no balcão, filha nas mesas, a santíssima trindade da tasca lisboeta, embora chamar tasca a um restaurante de asseio imaculado, guardanapos de pano e um serviço irrepreensível, reconheço, seja apenas uma forma fácil de sublinhar o perfil de genuíno lisboeta. De resto, que tudo isto, com entradas, sobremesas e bom vinho a copo, se resuma a 12 euros por cabeça, impede-me de subtrair uma estrela que seja.

Há anos que o Das Flores vive sob a ameaça de uma morte anunciada. Todo aquele quarteirão é agora um estaleiro de obra, berço de um novo hotel de luxo, e a porta está hoje guardada por andaimes. Já me disseram que a história talvez tenha um final feliz, mas nunca fiando. Quinta-feira vou aos pastéis.

*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.

José Margarido
Escrito por
José Margarido

Detalhes

Endereço
Rua das Flores, 76
Lisboa
1200-195
Transporte
Metro Baixa-Chiado
Preço
Até 10€
Horário
Seg-Sáb 12.00-15.30
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