Há um grupo de pessoas que não compreendeu o fim do Pistola y Corazon. Eu faço parte desse grupo. Ora, chegou o momento de celebrarmos. O Pistola vive. Já não onde vivia e onde vive quase tudo (Cais do Sodré). Já não com esse nome. Mas a alma renasceu. E a comida está melhor do que nunca.
A história conta-se assim. Desde o confinamento que a malta do Foodriders, que tem o casal do Pistola por trás, Marta Fea e Damien Irizarry, andava metida em projectos soltos. Escrevi aqui sobre o take away com mesa na dispensa ali para a Penha de França, e também sobre um pop up ao ar livre, no Verão.
Até que, já no ano passado, começaram as noites dançantes no Factory Lisbon, no Beato: serviam tacos ao som de DJ, a começar ao fim da tarde e a acabar quando a madrugada arrancava.
A semente do Duro de Matar foi lançada aí, primeiro só às quintas, sextas e sábados — e só com tacos vegetarianos. Cheguei a lá ir bailar e beber margaritas e cervejas Cristal, nessa altura, e já gostei dos tacos vegetarianos. Mas, entretanto, a coisa tornou-se mais ambiciosa, quer no horário – abre às 12.00 e serve durante o dia todo, até bem tarde (00.00, dias da semana, 02.00, sextas e sábados) –, quer na comida.
O Duro de Matar foi buscar as gringas (tacos grandes com tortilhas de trigo caseiras) do Las Gringas, e criou novos pratos, com ingredientes de produtores locais, dos bons. Entre eles, está algo que desconhecia haver em Portugal e que muda o jogo: tomatilhos frescos. Os tomatilhos são uma espécie de tomates mais ácidos.
O tomatilho é essencial para a salsa verde e outros molhos mexicanos – e se for fresco ganha outra intensidade, como pude comprovar nas salsas do Duro de Matar. Até agora, os restaurantes mexicanos que conheço em Lisboa usavam apenas tomatilhos de conserva, procurando produtores na Ibéria com o sucesso com que Portugal procura medalhas de ouro nas Olimpíadas de Paris.
De resto, o porco que entra nas carnitas é fornecido pela Porco Saloio, que trata bem o suíno Malhado de Alcobaça; os legumes são Do Quintal Farmhouse; e as tortilhas são de compra, da Tlaxcalli, mas são feitas com milho biológico nixtamalizado e são boas.
Há dias, tive lá um almoço belíssimo, tranquilo, tudo muito saboroso e afinado, com Marta Fea a tratar do serviço com a competência e simpatia de sempre. Houve tacos de polvo com salsa negra e pico de gallo, houve abóbora assada com natas ácidas, uma gringa com tinga de pollo (frango guisado e desfiado); e ainda houve uma sobremesa de morangos com bolacha polvorone de amêndoa, morangos frescos e calda de chipotle.
A única chatice continua a ser o modo de escolha e pagamento, tudo digitalizado e em modo pré-pagamento, com QR code. Já lido com o software há algum tempo, ainda que não de forma sistemática, mas continua a ser um empecilho tecnológico.
Jonathan Gold, a extraordinário crítico gastronómico de Los Angeles, escreveu algo sobre tirar notas enquanto se tem uma refeição que se adequa a esta situação: “Estou mais envolvido em observar a música da refeição. Também poderias tirar notas quando estás a fazer sexo, mas de alguma forma estarias a perder algo.” Eu acho que com este sistema de escolha e pagamento também se perde algo.
Em síntese. O Duro de Matar – ou o Las Gringas, como também aparece designado – é o Pistola em versão mais adulta e sóbria, mais refinada nos sabores e mais sustentável. Esse maior foco no planeta e no prato não torna o sítio aborrecido, antes pelo contrário, nem sequer mais caro, podendo-se sempre voar, seja com os mezcais, seja com os vinhos com curadoria do Sr. Uva, seja simplesmente numa tarde debochada a encher-se de tacos como se o tempo tivesse parado e o estômago não, ou rodopiando aos fins-de-semana na pista de dança com uma gringa numa mão e uma margarita na outra.
Vão lá. Ponham as vossas melhores peúgas, abram as camisas e deixem o habanero entrar.