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Faz Figura

  • Restaurantes
  • São Vicente 
  • preço 3 de 4
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A Time Out diz

O espanto começa à chegada. Passa das 13.30,
a sala praticamente vazia, só um casal em modo romântico. O empregado vem ter comigo, reverencial: “Tinha reservado esta mesa para si, mas pode sentar-se à janela”. A mesa inicialmente reservada para mim fica do lado oposto ao sol e ao rio, junto à porta – lugar perfeito para pôr um miúdo de castigo.

Agradeço o upgrade como
 um passageiro transferido para executiva, num voo com destino a Sydney. Devidamente instalado, constato o que já sabia. O Faz Figura tem provavelmente a melhor vista da cidade sobre o Tejo. Se esticar a mão esquerda quase toco na estação de Santa Apolónia, à direita podemos piscar o olho aos turistas do cruzeiro Britannia, que é o que faz este Faz Figura.

Estou nestas divagações, enquanto espero pelo meu amigo, e peço um copo de branco. Deixo a escolha do vinho nas mãos do empregado, auto-intitulado chefe de sala. “Não lhe trouxe um branco. Trouxe-lhe um Alvarinho.” Perdão?! Alerta amarelo. Qualquer enófilo de workshop sabe que o Alvarinho é uma casta branca que faz excelentes vinhos Região dos Vinhos Verdes.


A espera permite-me apreciar agora o interior. A razão da visita a um restaurante com mais de 40 anos, como é o Faz Figura, tem a ver com a renovação recente do conceito, da carta e do espaço. Do que me apercebo, o sítio procura agora ser uma espécie de BTL gastronómica, com “loja”, “tours” e “bar” de vinhos, com 48 marcas servidas a copo, tudo à vista. A decoração despojou-se, complexificou-se, mesas pretas, linhas direitas, painéis com ilustrações de fadistas e de Alfama – mas não deixa de ser um avançado que quer ser um salão.

Nisto chega o meu amigo. É preciso mais vinho. O chefe de sala volta a fazer um upgrade. Por sua iniciativa, o espumante Luís Pato Blanc des Blancs é substituído pelo Luís Pato Informal, de 2013, da Vinha Pan. “Julgo que vão gostar ainda mais deste, é um vinho
que vai acompanhar bem a vossa refeição.”

Aberto o menu, temos 
uma noção das ambições do proprietário e chef Pedro Dias. Já não é ele quem está na cozinha 
(“o chef é o John... agora não me lembro do apelido”, diz o nosso outro chefe), mas é dele o conceito e manifesto da primeira página da carta. Começa assim: “Portugal é o melhor país do mundo para comer e beber. Para nós, isso é um facto e não está aberto a discussão. Se não aceita, pode parar de ler”. Paro. Questiono-me sobre o que pensará disso o chef John – John Leon –, natural do Equador.

As páginas seguintes estão cheias de referências a produtos DOP e IGP. Pedimos conselho ao chefe de sala. “Não vos aconselho o polvo porque não gosto de polvo”, adianta. Do que ele gosta é do “ninho da codorniz”, que é na verdade alheira de Mirandela e da codorniz só tem o ovo. O prato representa uma das 532 versões registadas na restauração lisboeta, desde os anos 90, de alheiras em ninhos enfeitados com risquinhos de balsâmico – mas não magoa ninguém. O mesmo não 
se pode dizer da outra entrada. O tártaro de vitela barrosã, ainda que saboroso, precisava de um serrote, apresentando grandes pedaços de nervo, uma coisa nunca vista por esta pessoa, que já viu muito. Alerta laranja.

Ainda seguindo a vontade do nosso homem da sala, arriscamos
 a “barriga” de atum dos Açores. A acompanhar cuscos, massinhas
 de trigo típicas de Trás-os-Montes cozinhadas no ponto, envolvidas num creme de coentros, muito bons, mas a tal “barriga” promovida pelo empregado está longe de ter
 a gordura sumptuosa que a torna tão especial, antes parecendo um lombo banal e salgado, pouco para os 24,75€ cobrados. A adornar
 o prato, bolinhas de gel cítrico,
 um caviar salino e vermelho não identificado e esferificações de maracujá (!), tudo irrelevante ou trágico ou cómico.

Igualmente inflacionado o preço do bacalhau de cura tradicional. Por 23€ exige-se um lombo perfeito, sem espinhas, e o que nos aparece é um pedaço desmaiado do peixe com parte do esqueleto, sobre aquilo a que – nos anos 90, sempre os anos 90 – se chamava de “cama” de broa com couves e feijão frade, sendo
 que a cama era de motel, redonda, enformada naqueles aros que já só se encontram em cozinhas de hotel da Beira Interior.

Nos doces, há muito produto
 e do bom, sejam os ovos moles
 de Aveiro, seja o óptimo pudim
 de mel de Monchique. Do que é manufacturado na casa, bem feito também o gelado de banana da Madeira com bolo de chocolate.

De resto, a carta tem outras
 coisas certificadas de qualidade,
 de enchidos a carnes e vale a pena elogiar o couvert, olhando agora para trás, com uma pasta de atum caseira, boas azeitonas galegas e bom azeite.

Mas chega a conta e ressurge
 a ideia de desastre. Passa de 120 euros. Nem a malta do Britannia merece isto. Acresce a confirmação de uma suspeita: o upgrade do vinho custou mais 11 euros sem que disso tenhamos sido informados previamente. Este Faz Figura, 
que agora também aparece como Portugal Wine and Food by Faz Figura, não merece o espaço que ocupa. Faz figura triste.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua do Paraíso, 15B (Santa Apolónia)
Lisboa
1100-395
Preço
40-60€
Horário
Seg 19.30-00.00, Ter-Dom 12.30-15.00, 19.30-00.00
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