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Feitoria

  • Restaurantes
  • Belém
  • preço 4 de 4
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A Time Out diz

5/5 estrelas

Um ano depois, já com André Cruz aos comandos, Alfredo Lacerda regressou ao Michelin do Altis para confirmar que a mudança não foi só no chef.

Os restaurantes são como as equipas de futebol. Têm picos de forma. Por vezes, as equipas dos restaurantes cansam-se. Nessa altura, mudar pode ser bom. Para todos: para quem lá trabalha, para quem sai e para os clientes. Foi isso que aconteceu em torno do Feitoria, o fine dining com uma estrela Michelin, do hotel Altis Belém.

Há um ano, apanhei o restaurante em fim de ciclo. Sem o saber, o chef João Rodrigues já estava de mala aviada. A experiência não foi incrível, como aqui registei. Dias depois, o homem por trás do Projecto Matéria anunciaria a sua saída, deixando a cozinha onde estivera durante 13 anos, primeiro como sous chef de José Cordeiro, depois como chef.

A sucessão fez-se com tranquilidade. Subiu de imediato ao trono o anterior sous chef de João Rodrigues, ali desde os começos do projecto, em 2009. O desafio era imenso. André Cruz ia substituir o mais considerado dos cozinheiros portugueses dentro do universo da alta cozinha. E tinha nas mãos uma estrela Michelin para manter.

Estaria à altura?

Foi com essa interrogação que me sentei de frente para o rio, num jantar solitário a meio da semana. A sala estava cheia e sentia-se no ar o ânimo dos recomeços. Havia mais gente, nas mesas e a servir; e nas colunas soava agora um pop calmo, já não a musiquinha de elevador de outros tempos.

Outra diferença: a presença constante de cozinheiros na sala, a começar pela do próprio chef. Essa estratégia teve, desde logo, uma implicação prática e pessoal. André Cruz veio servir as entradas e aconteceu um incidente: o crítico desta coluna foi reconhecido.

Como o leitor saberá, a Time Out dá importância ao anonimato do seu crítico e usa estratégias de encobrimento, quase sempre com sucesso. Mas, ao fim de uma década a visitar restaurantes de Lisboa, este vosso escriba foi identificado no início de uma refeição.

Se esse reconhecimento influenciou o rumo dos acontecimentos? É possível. Se influenciou de forma significativa? Não creio.

A equipa de sala é praticamente toda nova, mas experiente. Nos vinhos, foi contratado Pedro Ramos – ex-sommelier do restaurante Alma, o duas estrelas Michelin de Henrique Sá Pessoa –, que substituiu André Figuinha. Sendo ambos competentes, não poderiam ter perfis mais distintos: enquanto Figuinha era formal e contido, Ramos é verbal e expressivo.

A paixão com que Pedro Ramos explica os vinhos contagia o ambiente. A dada altura, para explicar um tinto do Douro, Pedro Ramos chegou mesmo a desenhar com o dedo na toalha a forma da montanha onde estão as vinhas. Depois, agarrou no candeeiro de mesa e movimentou-o, simulando a exposição solar das uvas. O número, encenado, seria repetido pelas mesas, ao longo da noite, mas fazer isto com emoção, sempre, também é ser-se profissional.

O mesmo se poderá dizer do pessoal da cozinha que vem às mesas. A entrega de comida pelos cozinheiros é uma tendência mundial, já com uns anos. Não se trata, portanto, de algo inédito e disruptivo. Mas no caso temos pessoas que acrescentam, que ouvem, que dialogam.

Um deles foi Leonardo Bortolini Cosme, responsável pela secção de pescado. Muito bem na confecção – veja-se o prato “horta e lavagante”, absolutamente notável, um dos grandes momentos da noite –, e muito bem na comunicação, sem narrativas ficcionadas, só o suficiente para percebermos o prato e a ideia.

Às suas mãos, estiveram pratos de peixe de grande nível: os “tunídeos” eram um dueto entre um pequeno dardo de lírio infusionado de louro verde e kumquat (citrino) e uma tacinha de dominós de chutoro, a peça da barriga do atum, com gordura média, e um picado de toro na base, a peça mais gorda da barriga, submerso por um caldo maravilhoso de aparas de peixe e infusão de hibisco. Notável.

O outro prato marinho que me encheu as medidas foi o cozido do mar, dos poucos que ainda não saiu da carta, desde que André Cruz assumiu a chefia. Cherne delicadamente escalfado, percebe, ameijola – receita simples intensificada por um caldo de alga kombu e por um gomo de puré de nabo (e manteiga, por certo), com notas crocantes e amargas de folhas de couve de Bruxelas. Produto, produto, produto.

O mesmo se veria noutro exercício de textura e sabor: a gamba violeta (de cozedura milesimal, cheia de sabor), acompanhada de arroz de cogumelos silvestres e tomilho (muito dominante). Que cogumelos?, perguntei a Rafaela Ferreira, a nova sous chef do restaurante, já com cinco anos de casa, quem me veio entregar o prato. “Tem cogumelos de São Jorge”, respondeu, sorridente, como se os tivesse apanhado nessa manhã, do seu quintal. “Os cogumelos de São Jorge são conhecidos em Espanha como perrechico.” Bónus para Rafaela.

Sabia também a variedade do arroz, no caso Ronaldo, produzido no Sado. Não partilho do entusiasmo generalizado entre os chefs portugueses por esta variedade, recentemente importada. O Ronaldo é um carolino atípico, com semente de origem italiana (como todas, na verdade), bago curto e gessado, que entrega pouca goma e sabor. Os chefs gostam dele porque conserva durante mais tempo a textura, mantendo a firmeza, mas eu preferia que aprendessem a cozinhar os bons carolinos clássicos, a saber a arroz, como ainda se encontram em Montemor-o-Velho.

De resto, outros dois pontos altos do menu Semente, com 8 momentos (e mais uns petiscos, 180€). Primeiro: as ervilhas-lágrima com enguia fumada e croûtons. Segundo: o bacalhau com batata e trufa de Verão – na verdade, sames do gadídeo à moda do Brás, com um ovo de codorniz a ligar, o amido da batata a colar o creme, salsa – equilibrado, português, surpreendente. Ficava a questão. E os estrangeiros gostam? “É dos preferidos”, garantiu Cláudia, posto seguríssimo na sala do Feitoria.

A refeição durou exactamente duas horas e meia, tempo indicado para uma degustação deste género. Em alguns momentos, senti intervalos demasiado alargados entre pratos, mas pode ter sido de estar a comer sozinho.

Quanto a falhas, só detalhes. A saber. No trio marinho de pequenos amuse-bouches que abriram a refeição, num deles, a gamba foi ofuscada pela acidez do sumo de maracujá. No momento do pão, o cubo de focaccia pareceu-me desnecessário e banal. Nas sobremesas – três pequenos doces, e não é preciso mais –, embora estivesse tudo bem, a panacota com mel de rosmaninho (belíssimo) estava muito doce. E no prato principal de carne, a presa de porco surgiu salgada.

Quanto aos vinhos, carta sem grandes megalomanias, mas moderna e seleccionada. Pedro Ramos esteve sempre atento e seguro. Perguntei-lhe se aceitava o desafio de me servir três vinhos a copo ao longo da refeição, com um plafond de cerca de 50€, e ele mostrou-se entusiasmado, apenas se certificando se eu preferiria garrafas nacionais ou estrangeiras. No caso, aproveitei os seus conhecimentos internacionais e ele entregou, com três vinhos diversos, mas óptimos. Notei um equívoco no caso do Murmuri Priorat, catalão de uvas brancas Grenache, estagiado em borras, que Pedro Ramos indicou, erradamente, como tendo estagiado em madeira.

Em síntese. O Feitoria está em forma e a funcionar como equipa. A sala mantém a decoração, mas parece outra, mais alegre e unida do que na minha última visita. De resto, André Cruz faz brilhar a sua paixão pelo produto (algumas coisas vêm de horta própria, no Pinhal Novo) e oferece uma boa relação entre luxo e achados, com atenção ao país onde vive.

Caso se mantenha o foco e o rigor no serviço, este Feitoria pode muito bem voar até às duas estrelas da constelação Michelin. O preço, de resto, já está nesse patamar. Se não optar pelos menus vegetarianos, conte com mais de 200€ por cabeça. Uma chatice. Uma delícia. 

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Altis Belém Hotel & Spa
Doca do Bom Sucesso
Lisboa
1400-038
Preço
160€-260€. Menu Semente 6 Passos: 150€, Menu Semente 8 Passos: 180€, Menu Semente Vegetariano 6 Passos: 110€, Menu Semente Vegetariano 8 Passos: 130€
Horário
Ter-Sáb 19.00-23.00
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