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Gambrinus

  • Restaurantes
  • Santa Maria Maior
  • preço 3 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
  1. Gambrinus
    Fotografia: Ana Luzia
  2. Restaurante Gambrinus - Mariscada
    Fotografia: Ana Luzia
  3. Gambrinus - Sandes de Rosbife com Tartaro
    Fotografia: Ana Luzia
  4. Gambrinus - Sala
    Fotografia: Ana Luzia
  5. Gambrinus - Rosbife à Inglesa com Pudim de Legumes
    Fotografia: Arlindo CamachoRosbife à Inglesa do Gambrinus
  6. Gambrinus - Croquetes
  7. crepe suzette do gambrinus
    Fotografia: Manuel MansoCrepe Suzette do Gambrinus
  8. gambrinus croquetes
    Manuel Manso
  9. gambrinus
    ©Ana Luzia
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A Time Out diz

4/5 estrelas

A velhinha casa das Portas de Santo Antão continua com um serviço irrepreensível, mas no regresso ao templo lisboeta deixamos alguns recados.

Hora de almoço, semana entalada entre o Natal e o fim 
de ano, o país em suspenso, a capital a meio gás. Devia ser um dia calminho na célebre casa das Portas de Santo Antão. Mas não. Assim que a porta de madeira se abre, eis o balcão completo
 e um burburinho que se eleva ao fundo. Na sala de baixo, marcada pela enorme tapeçaria de Sá Nogueira, os empregados andam num trânsito frenético de mesa em mesa. Há dois ou três almoços grandes de família, outros tantos de negócios, turistas brasileiros, chineses – e no canto, ao fundo, José Maria Ricciardi, banqueiro daquele banco que se afundou, com ar de quem passou pela cantina para trincar qualquer coisa entre um truque financeiro e outro.

O cerimonial do serviço é à antiga, património cada vez mais raro que o Gambrinus preserva. A mesa é arrastada para que nos possamos sentar facilmente;
 o casaco escorrega dos braços para as mãos de um empregado que parece que sempre viveu
 nas nossas costas; a água cai
no copo mal nos acomodamos nas cadeiras pesadas e escuras, ainda do tempo da remodelação de Maurício de Vasconcelos, em 1964; e rapidamente soa o pregão com os pratos do dia, no caso empadão de lagosta e eisbein (joelho de porco) com choucroute.

São cinco empregados – rácio curto num sítio deste nível, com 80 lugares – mas a velocidade e a experiência cobrem quase tudo. Passam à nossa frente voando, sempre cheios de parafernália e equipamento – travessas, mesas, bules, cadeirão em pele para o bebé. Quando se cruzam
 e estão na iminência de colidir – muitas vezes – alertam os colegas lançando beijinhos repenicados para o ar. Andam em passo de corrida, aparecem e desaparecem da cozinha (onde ainda se vislumbram chefs de toque blanche na cabeça), esbaforidos e compenetrados, sempre sem que se veja um resmungo ou uma troca de galhardetes com o colega.

No topo da cadeia está o chef de sala. Apresento-vos, agora, Paulo Pereira, A Máquina. A Máquina sorri sempre mesmo quando está no lodo, a Máquina controla tudo numa perspectiva macro e ainda tem tempo para se focar no micro-chato. Eu e a minha companhia somos o micro-chato. Não sou de ter grandes dúvidas na hora de escolher, mas quero saber o que é recomendável, prática habitual nestas incursões. A Máquina debita especialidades, dentro e fora da carta. “Temos linguado, claro. E podemos servir um robalo para duas pessoas, escalado ou no forno, por 48€”. O pormenor do preço é absolutamente raro e notável: o prato não está na carta, dizer o preço é correctíssimo.

Mais dúvidas, hesitações, e sai nova proposta, que A Máquina
 é também um engenheiro de soluções criativas. “Se quiserem, podem pedir uma entrada, dividir o empadão de lagosta, feito com massa folhada, e depois logo decidem se querem outro prato”. Foie gras du maître,
 que lhe parece, para começar?, perguntamos-lhe. “Talvez
 seja demasiado gordo para a quantidade de comida que estão a pedir”. Camarões à Malaguenha? “São camarões à la guilho.” Bife? “Dividimos o bife na cozinha, 
se quiserem, e cada um pode escolher um molho diferente”.

Vieiras com caviar de arenque (29€), empadão de lagosta (32€) que na verdade é um folhado, bife talvez. Ficamos assim e esperamos. Esperamos mais do que é aceitável. As vieiras demoram 20 minutos a chegar. Talvez por isso, a dose surge em “quantidade reforçada”, três bolinhas para cada um. O molho
 é decadente e guloso, manteiga puxada com salsa e limão, boa para ensoparmos ora com o clássico pão de centeio, ora com
a bolinha saloia – dois espécimes que ficam aquém da melhor padaria da cidade. As vieiras estão demasiado cozinhadas, com a textura partida (congelação?), e não lhes foi retirada a película fibrosa exterior, do músculo.

Avançamos para o folhado de lagosta, que vemos circular numa travessa de um lado para 
o outro, há longo tempo. Vai sendo delapidada, entra e sai da cozinha. Não admira que esteja já morna, mas isso não apaga as virtudes: pedaços do crustáceo suculentos, envoltos numa pasta perfeita, um bisque engrossado, devidamente acondicionado em massa folhada crocante, Gambrinus do bom.

Venha o bife, ou antes, o “filet do Gambrinus” (26€). É uma peça do lombo, claro, e tenra, claro, que foi batida. A carne está farinhenta, sem personalidade. Metade vem com molho de
natas e cogumelos Portobello laminados: tudo perfeito. Outra metade aparece banhada em molho de alho, à portuguesa, louro e óleo: igualmente irrepreensível. Falhou no sal, escasso na carne e nas batatas fritas cortadas em palitos fininhos. Curiosamente, na mesa ao lado, momentos depois de assinalarmos isto ao empregado, um cliente queixou-se do contrário: ou houve correcção por excesso ou é só a dificuldade do costume em agradar a todos, no que ao cloreto de sódio diz respeito.

Garrafa de Lagoalva Reserva (Arinto e Chardonnay, 26€), copo sempre a ser refrescado por um empregado atento mas sem discurso sobre a bebida, o mesmo que nos sugere as sobremesas em modo de corrida. Acabamos com outro clássico do Gambrinus, o número de circo mais lucrativo da restauração lisboeta. O crepe Suzette custa 30 euricos e leva o dito crepe, mais uns golpes
de brandy, Grand Marnier,
Licor Beirão e Cointreau, tudo refrescado com um sumo de laranja que me pareceu de pacote e raspas do mesmo fruto.

O número de circo pede 
outra vez A Máquina. Alguém lhe montou a banca do bico de gás ao nosso lado e ele surge como o líder da banda depois do roadie ter feito o sound check. A frigideira foi deixada ao lume, está a ferver, ao primeiro golpe de álcool uma labareda dispara para o tecto. A Máquina ri, posa para os telemóveis, trava o fogo com um gesto rápido da mão. Entra
a laranja, o açúcar, mais flambé, redução até ficar quase um xarope. Na verdade, em parte é a isso que sabe o crepe ensopado, e isso é mau, mas depois é bom.

Por esta refeição para duas pessoas – a que acresceu uma água de litro (5€), um café de saco (2€) e um couvert (5€) – facturaram-nos 155€. É caro, sobretudo se tivermos em conta algumas economias ridículas
em matéria de produto (bananas Del Monte, um símbolo mundial da banalidade alimentar, a 6€; salada de alface que, se não era de pacote, passava por; esparregado à base de espinafres que, se não eram dos congelados, passavam por; garoupa por todo o lado).

Mas é o Gambrinus. E este tipo de restaurante, com este serviço, esta alma, está a desaparecer. A única alternativa neste género – com melhor cozinha, diga-se – é o Pabe. Mas é pouco. Precisamos de mais Gambrinus. Gambrinus que não sucumbam ao turismo de ocasião. Gambrinus que falhem menos na comida.

Antes que acabe, vá lá fazer-lhe uma visita. Nem que seja uma vez na vida.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua das Portas de Santo Antão, 23
Lisboa
1150-264
Transporte
Metro Restauradores/ Rossio
Preço
65€ a 90€
Horário
Todos os dias 12.00-01.30
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