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Han Table Barbecue

  • Restaurantes
  • Lisboa
  • preço 2 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
  1. Han Table
    ©Duarte DragoHan Table
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Liu está cá fora, agachado
 na calçada. Na China é comum ver as pessoas assim na rua, inclusive a dormitar. Liu está de cócoras e fuma, indiferente aos transeuntes e às enguias atrás de si serpenteando no aquário à entrada. Liu parece cansado.

Mal nos sentamos, no entanto, irrompe com energia. Toma 
a iniciativa de se apresentar. Em 2017 chegou a Portugal e 
foi trabalhar para o Mercado Oriental, no Martim Moniz. Era ele quem fazia o ramen chinês no balcão da entrada. Com o dinheiro que aí poupou decidiu abrir o seu próprio negócio.

No Han, quem está na cozinha é um conterrâneo seu. Veio de uma pequena faixa do Norte da China, onde se pratica a célebre cozinha sino-coreana. De
 resto, a mulher de Liu, com ele presente na sala, é coreaníssima – “como se pode ver pelo formato redondo da cara”.

O restaurante nasceu há meia-dúzia de meses, contribuindo para uma micro-tendência de barbecues coreanos na cidade. Em Lisboa, já tinha ido a dois, nenhum deles nem autêntico nem capaz de explicar os procedimentos aos clientes.

A experiência requer técnica. O barbecue coreano assenta 
na ideia de self-cooking, que é também parte do encanto. De volta do grelhador, um grupo de amigos cozinha ao mesmo tempo que come. A coreografia remete para o ritual da fogueira primitiva, a comunidade em redor do fogo, e talvez por
isso haja sempre uma alegria fraterna nos grupos que frequentam o Han.

No centro das mesas está um buraco onde é colocado um tacho com carvão incandescente e por cima uma chapa com ranhuras. Esta é a primeira diferença para os outros restaurantes coreanos que experimentara, ambos com sistema de grelhador eléctrico, menos potente e aromático. O sistema, aqui, é sofisticado, com um exaustor individual pendente do tecto, regulável em altura, 
e um mecanismo para gerir a intensidade do calor.

A segunda diferença para a concorrência é que no Han estão lá Liu e a sua mulher para prestar assistência. É verdade que não falam português, mas o seu inglês é excelente. A primeira coisa que Liu explica é como se cozinha o samgyupsal, ex-líbris do barbecue coreano. A matéria-prima é cachaço de porco e entremeada, ambos oriundos de um produtor do Alentejo. “A qualidade da carne é muito importante.”

A travessa chega à mesa com fatias finas da dita. Podem ser temperadas com oito sabores diferentes. O meu tempero favorito é o de pasta de soja picante, mas há com alho, sem mais, por exemplo. Assim que a chapa aquece coloca-se lá a carne.

Enquanto cozinha, o comensal pode ir picando dos banchan, entradas ou acompanhamentos vegetais. Na mesa já está kimchi, prato incontornável para os coreanos. É feito de couves fermentadas, bem picantes e ácidas, com gengibre, alho – e, claro, gochugaru, pó de chile coreano. Na Coreia, acredita-se que o kimchi previne diversas maleitas e enrijece, qual poção mágica de Asterix, e eu estou com eles.

Ainda nos acompanhamentos frios, aparece também uma saladinha de rebentos de soja, ligeiramente adocicada, com um travo de óleo de sésamo, muito bom. Menos consensual o rábano marinado em chiles.

Ao mesmo tempo que se
grelha a carne é preciso tratar dos legumes. Os cogumelos enoki ficam excelentes braseados no rebordo da placa; e o mesmo dizer do cebolinho chinês, rama entre o alho francês e o cebolo. O rizoma de lótus, por sua vez, vulgarmente – erradamente – chamado de raiz de lótus, tem uma consistência parecida com a da castanha de água, igualmente apreciada
 no Oriente, sabor neutro, ligeiramente adocicado.

Mas eis que fica pronto o samgyupsal. Agora é altura de agarrar na pinça grande e na tesoura, colocadas em cima
da mesa, e cortar a carne em pequenas tiras. A tarefa requer coordenação, nada de mais. De um pratinho tira-se então uma folha de alface, onde se introduz a carne. Por cima, cobre-se com o molho ssam jang e uma lâmina de alho. Enrola-se tudo e morde-se. O resultado é extraordinário: a crocância fresca da alface, a carne salgada, o picante do alho e, sobretudo, o agridoce do molho ssam jang.

O ssam jang entra numa série de outros pratos coreanos em
que se usam folhas verdes para embrulhar, mas em nenhum é tão apreciado como no samgyupsal. Liu garante que fazem o molho ali, como aliás fazem o delicioso pó de especiarias e frutos 
secos, indicado para a carne de borrego marinada, ou o molho 
de pêra, que remata o trio de condimentos.

A base do ssam jang leva, entre outras coisas, pó de pasta de
 soja e mel. Mas o elemento mais importante é o incontornável gochujang, uma goma feita à base de chiles coreanos, arroz glutinoso, sal e soja. No Han, aparece ainda na excelente salada fria de pepino com tofu e amendoins ou nos igualmente magníficos legumes salteados – dois dos pratos que vêm directamente da cozinha, tal como aliás o bibimbap, clássico de arroz e legumes, símbolo maior da gastronomia da Coreia no Ocidente.

Na secção marinha, destaque para a enguia. A enguia aparece aberta e sem espinha, como um filete. Requer mais tempo no grelhador a uma temperatura mais baixa, mas usam-se dos mesmos truques da carne: virar apenas uma vez, deixar 70 por cento do tempo de um lado e 30 por cento do outro; e saber ouvir a grelha, reconhecer o estrepitar da comida na chapa, indício de que as reacções de Maillard (essa transfiguração química que torna a proteína viciante) estão a acontecer.

No fim, não vale a pena pedir sobremesa porque não há. Em grande parte da Ásia é assim. Liu diz que está a trabalhar nisso, como em outras coisas. Falta também uma carta bem traduzida, com referências na língua original e em português (o borrego aparece como vaca, por exemplo). E também falta vinho: no dia em que lá fomos só havia uma referência de tinto e nenhuma de branco, cumprindo a função apenas uma cerveja coreana e outra portuguesa.

No final, nada disto apaga a diversão e a cozinha, feita à base de produto fresco, de qualidade da matéria-prima e de um serviço eficiente e simpático.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua Gomes Freire, 11 B
Campo Mártires da Pátria
Lisboa
1150-318
Preço
15€
Horário
Ter-Dom 12.00-15.00/18.45-23.00
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