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Javá

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    Mariana Valle LimaO brunch é à la carte
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    DR/Javá
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A Time Out diz

4/5 estrelas

O rooftop do momento conseguiu o que nenhum outro rooftop conseguiu: convencer o nosso crítico.

– Já foste àquele rooftop do Cais do Sodré, o Javá? – perguntou-me a Cláudia, editora desta secção, como quem ordena.
– Pode ser mau – comentei, como quem se põe em fuga.
– Acho que és um bocado preconceituoso – concluiu a Cláudia, sagaz.

Ainda tentei negar, mas só o anglicismo me deixa azedo. Rooftops são para beber gin com zimbro em copos-balão e ostentar camisas de linho branco. Rooftops são o fim da escala gastronómica. A bosta da bosta. Pior do que restaurante de praia.

Eis o preconceito. Eis a lei universal.

Mas trabalho é trabalho. “Lá irei para a semana”, garanti. Esqueci-me, nessa altura, de que Lisboa está ao barrote de turistas e os turistas adoram o Javá. Quando liguei, percebi que o restaurante tem brunchs à sexta, sábado e domingo e no resto dos dias abre só para copos e jantares, com três turnos: o primeiro a começar às 18.00, o segundo às 20.00 e o terceiro às 22.00. Já só consegui lugar para a semana seguinte, terça-feira.

Chegado o dia, pus o lenço na lapela (de linho) e fui. Subida de elevador, filinha para entrar como numa discoteca em hora de ponta. Sentam-me no terraço nascente, longe da vista premium. Oh diacho, mau. Tudo cheio de flores (das verdadeiras), cadeiras a lembrar os cafés de Paris. Ao meu lado esquerdo, um casal de jovens londrinos, que me topa (“Are you a food critic?”). Ao meu lado direito, uma rapariga americana a ler um livro de Walter Benjamin e a segurar o copo de vinho pelo pé, coisas raras em foodies de rooftop.

Um empregado brasileiro espalha alegria e pratos de vegetais assados na grelha e sabores mediterrânicos, mais Médio Oriente do que Ibéria. Está tudo bem com as minhas lulas fritas picantes, das frescas, polme de panko (flocos finos e crocantes de miolo de pão), especiarias e limão de conserva. Boas também as alcachofras grelhadas com labneh (iogurte cremoso do Médio Oriente) e grão de bico crocante. Podíamos estar em Beirute, no tempo em que se podia estar em Beirute.

É então que aparece a corvina. E a corvina muda tudo. Foi a melhor que me lembro de comer – e se têm passado corvinas por este estômago. Não interessa muito o que estava à volta do peixe, sendo que era muito bom e complexo, do lingueirão à molhanga de caranguejo, amendoim, pico de gallo (picado de tomate e cebola, com coentros e lima), pimenta e ervas. Mas o peixe roubava o espectáculo. Uma tranche recortada, quatro ou cinco centímetros de altura, a pele tostada, a carne húmida e saborosa, as lascas soltando-se em gomos. Técnica. Produto. Criatividade. Mar. Cuidado.

Alguém no Javá sabe o que faz, seja o chef, seja o casal belga que está por trás do restaurante – e que parece só abrir casas de sucesso (lembram-se do Farés, que tanto prezei? É deles).


Ainda assim, não vão lá com ilusões. Estava tudo demasiado certo com esta corvina. Para que isto aconteça, há muitos factores que precisam conciliar-se, desde o estado de engorda do bicho, até ao transporte e conservação, passando pelo instante em que um cozinheiro, no lodo de uma cozinha atolada, consegue ter o discernimento para perceber o ponto certo da peça e, por fim, um empregado-performer eufórico agarra o prato antes que o peixe seque nas lâmpadas de calor da zona de passe. Peixes destes, pratos destes, sucedem muito raramente: esta corvina será sempre um bom prato, mas dificilmente será um prato absolutamente perfeito, como foi o caso. Eis 21 euros muito bem gastos.

Avançamos para a sobremesa. O meu empregado percebe o perfil. “Sugeria a abóbora assada com tequila. Mas sabe mesmo a tequila. Não é consensual.” Vem numa frigideira de ferro e já na mesa ateia-se. Ao princípio, estranha-se. O álcool some-se, fica um amargo ligeiro da tequila, até que a abóbora carameliza e é genial e único. Desde esse jantar, devo já ter comido uma dúzia de sobremesas. Só esta não me sai da cabeça.

Em síntese. O Javá é um belo sítio, com uma bela cozinha de grelha mediterrânica. O preço, como se adivinha, está alinhado pelo rendimento médio da Europa e dos EUA, bem acima do tuga. Por menos de 35€ não se faz uma festa como deve ser. Em todo o caso, comparativamente ao que anda por aí, vale muito a pena.

Os rooftops não são todos iguais. E a Cláudia, como sempre, estava certa.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Praça Dom Luís I, 30
(Cais do Sodré)
Lisboa
1200-275
Horário
Qua-Dom 12.00-22.00
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