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Kaia Kahina

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Kaia Kahina
Ricardo LopesKaia Kahina
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Numa praceta esconsa da Parede, José Margarido abusou de chamuças, sarapatel e exclamações.

Os cominhos são como os pontos de exclamação. Exigem parcimónia e rigor. Na conta, são insubstituíveis, dão a entoação certa, um sabor único; em exagero, são insuportáveis, falam por cima de tudo, enjoam. Tenho a sensação de que há cada vez menos gente a saber usar a especiaria e cada vez mais gente a abusar da pontuação. É por isso com cuidadosa ponderação que teço o seguinte comentário ao prato central desta refeição: mas que belo sarapatel!

O sarapatel é uma espécie de filme de terror de série B. Fígados, rins, pulmões, corações, orelhas e pescoços golpeados, tudo ao molho numa tachada de vísceras e sangue coagulado. É uma barbaridade que, em diferentes versões, se encontra no Norte do Alentejo, no Minho, no Nordeste do Brasil, em Goa, em Moçambique. As carnes vão variando – porco, cabrito, borrego –, o jogo das especiarias também, mas duas coisas são constantes em todas as latitudes: o sangue e os cominhos, dois ingredientes com uma amizade antiga, testemunhada em morcelas, sarrabulhos e cabidelas. Aliás, é sabido, os cominhos são bons para o sangue – o nosso – pela riqueza em vitaminas e ferro. Já li que também são bons para a digestão, para a memória e para mais umas coisas de que agora não me lembro.

Estou à mesa do Kaia Kahina, restaurante moçambicano escondido numa praceta tranquila da Parede, concelho de Cascais. Uma sala discreta, algures entre a simplicidade de um refeitório e o aconchego modesto de uma casa familiar, a que se chega por uma porta secundária, passando entre balcão e cozinha. Cheguei aqui por sugestão, à boleia e na companhia de um bom amigo. Pouco passa da uma da tarde e a sala, bastante para uns trinta, está atestada (dica: reservar de véspera). Kaia Khaina, venho a saber, significa “a nossa casa” em changana, a língua mais falada em Maputo, e percebe-se que a maioria da clientela tem relação afectiva com a cozinha e os lugares que ela evoca. Trajam com elegância colonial, pedem picante extra, bebem cerveja moçambicana 2M.

E em todas as mesas há sarapatel. Chega vivo, perfumado e bem picante (dica: não tentar apagar o fogo com o branco da casa, que é de Palmela e traiçoeiro). Há ali coentros, gengibre, açafrão, cravinho, desconfio até de um toque de canela. Mas todo o conjunto é dominado, sem exibicionismo, pelos cominhos. A dose é farta em miudezas de porco e alguma carne aos cubinhos, o refogado cremoso, um basmati solto a acompanhar. Muito bom, mas nem assim o melhor da refeição. Já lá vamos.

A ementa estende-se por uma boa dúzia de pratos, tem muito camarão (xeq xeq de camarão, matapa de camarão, camarão panado, camarão salteado), duas variedades de chacuti (cordeiro e frango) e quatro de caril (frango, camarão, caranguejo e misto). Para não arriscar incêndios e equilibrar o sarapatel, apostámos num caril de camarão. Bom, bem apurado, generoso na bicharada, o molho a pedir assistência de uns óptimos paparis (de pão havia umas bolas molengas de farinha branca que não são para aqui chamadas).

Mas o melhor da refeição foram mesmo as entradas e as saídas. De entrada, umas chamuças de camarão. O meu amigo disse que eram incríveis, o empregado disse que eram maravilhosas. Não estou certo de qual deles tinha razão. Por um lado, pareceu-me incrível a consistência da massa, um pequeno triângulo enxuto e estaladiço frito na hora. Por outro, achei maravilhoso o recheio cremoso, quase a dar para o rissol, com pedacinhos carnudos do bicho e perfume de coentros. Fico-me pela exclamação – hum! – mas prometo que é a última.

Nas sobremesas, uma boa bebinca caseira, nove camadas (o número é sempre ímpar) tostadas a preceito, o conjunto sedoso e aromático a coco. Melhor ainda o bolo de tâmara, doce, denso e húmido, carregado de pedaços de nozes. E depois, sim, as saídas: mais meia dúzia de chamuças de camarão. Vendem-nas para fora e trouxemo-las para fritar em casa. Do caraças! (Ups!).

José Margarido
Escrito por
José Margarido

Detalhes

Endereço
Praceta Lagoa de Óbidos 85A, Parede (Cascais)
Cascais
Preço
15€-20€
Horário
Ter-Qui 12.30-18.00, Sex-Sáb 12.30-22.00, Dom 12.30-17.00
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