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L'Artusi (FECHADO)

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A Time Out diz

4/5 estrelas

O restaurante italiano do largo do Conde Barão é provavelmente a coisa mais estranha que aconteceu à restauração lisboeta este ano. Recomendamos vivamente

Assim que pergunto pelo osso buco, sugerido numa ardósia com os pratos do dia, a empregada dá meia volta e vai à cozinha. Regressa uns segundos depois com um “menu” de 800 páginas e um sorriso sarcástico. Na capa, já carcomida, vê-se uma mulher antiga numa cozinha, por baixo o título La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene. “Pode pesquisar. Todos os pratos que fazemos estão aqui”, diz num italiano aportuguesado. A carta é afinal um livro publicado em 1891, a obra culinária de referência em Itália, da autoria de Pellegrino Artusi.

No número 358, lá está a entrada referente ao osso buco: “A preparação deve ser deixada para os milaneses, dado ser esta uma especialidade da Lombardia. Vou descrevê-la da forma mais simples possível, para não ser ridicularizado”, lê-se, seguindo-se a receita a traços largos. Minutos depois, comprovava o anúncio e o rigor da cópia. O prato era um tesouro culinário transladado do Norte de Itália para Lisboa, tudo tal e qual o gastrónomo Artusi prescrevera há mais de 120 anos, a peça de novilho com o “osso no meio”, por cima um molho espesso de cenoura, aipo, cebola e tomate.

Vim mais tarde a saber que os responsáveis pelo plágio são pai e filha, dois italianos ligados à hotelaria, que vieram do Brasil para Lisboa; duas pessoas que ficarão para os anais gastronómicos desta cidade como as únicas pessoas que, em 2016, renegaram a cozinha com “um twist”, para partilhar ou de mercado, contentando-se com o título de esmerados fãs, porventura os mais devotos seguidores contemporâneos de Pellegrino Artusi.

Para se compreender a excentricidade do projecto, tem de se conhecer o autor da obra, que rivalizou com Brillat Savarin em humor, cultura e apetite. Empresário italiano abonado, Artusi nunca mexeu num tacho, mas dedicou parte da vida a pesquisar o receituário de donas de casa, primas, amigos e amigas. O livro A Ciência na Cozinha e a Arte de Comer Bem, lançado em 1891, acabou por tornar-se num reforço identitário para todo o país, escrito num tom informal, quase como uma conversa com o leitor.

Há anedotas, pensamentos, comida e considerações sobre as propriedades dos alimentos e seus efeitos, não se descartando inclusive a escatologia. O alho promove “a secreção de urina”; outros ingredientes, alerta, são “ventosos”; o tomate faz bem mas lembra um padre que ele conheceu e que “se metia em todo o lado”, mesmo quando não era chamado.

A sua influência foi tal que, hoje, há quem o credite por ter posto em prática a famosa declaração de Garibaldi, quando o país ainda estava dividido: “Será o esparguete, juro-vos, que unificará a Itália”. E foi. E muito graças a Artusi.

No restaurante do largo do Conde Barão, a comida prossegue essa mesma finalidade de juntar pessoas felizes. As massas são de vários tipos e servidas com vários molhos. O tagliatelle verdi, feito na casa, como todas as outras massas, segue a máxima do criador: “A conta deve ser curta e o tagliatelle deve ser comprido, porque contas compridas aterrorizam os maridos e o tagliatelle curto parece-se com restos.” Numa visita recente, provou-se ainda os raviólis com mistura de espinafres na massa e molho balsamella (“O mesmo que o francês béchamel, excepto que o deles é mais complicado”).

Destaque ainda para coisas mais rústicas. A língua de vaca, por exemplo, é um clássico, no L’Artusi servido com uma camada de alcaparras, salsa, cenoura e alho (16€). Na carta há também o clássico vitello tonnato, (16€) e o “assado morto com cheirinho a alho e alecrim” (20€). Tudo coisas para comer e ler.

Ajuda ainda à viagem literária o próprio ambiente do restaurante. Situado numa ruela junto ao largo do Conde Barão, terá sido uma taberna antiga onde se preservaram os mármores, as arcadas e os azulejos. Na decoração entram retratos de figuras antigas e estão expostas várias edições do livro de referência, tudo feito com cuidado e gosto.

À noite, há carta fixa e a experiência fica por uns 30 euros. Se optar pelo menu de degustação paga 50 euros mas come como um abade de Florença do século XIX. Ao almoço servem-se pratos mais em conta, pagando-se uns 15, 20 euros.

Em qualquer dos casos, este L’Artusi é uma das grandes novidades do ano. Não só pela comida, autêntica e saborosíssima, como pelo elogio de um livro obrigatório para quem acha os modernos receituários coisas mal escritas e incultas.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua do Merca-Tudo, 4
Lisboa
1200-267
Transporte
BUS 706, 714, 727, 774
Preço
Até 40€
Horário
Ter-Sáb 13.00-15.30 e 19-30-22.30; Dom 19.30-22.00
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