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O Mariscador (FECHADO)

  • Restaurantes
  • São Sebastião
  • preço 3 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Há muito que evito adjectivos quando alguém pede conselho sobre restaurantes. Se uma pessoa diz que um restaurante é incrível – muitas pessoas o dizem – o mais certo é que a outra pessoa, depois de lá ir, ache só ok. Isto é assim porque somos seres com papilas e gostos e educações diferentes, mas também porque pesa na avaliação outra coisa: a expectativa; e se a expectativa é alta há mais hipóteses de desilusão; há mais hipóteses de distorcermos a verdade.

O crítico de restaurantes deve por isso ser um combatente profissional da expectativa. O que implica, muitas vezes, defender-se do marketing e da notícia na revista, da entrevista sentimental ao chef e da inauguração com famosos, da dica do colega de profissão e do convite do assessor de imprensa. No momento em que se senta à mesa, o crítico deve esquecer tudo o que viu, ouviu e leu sobre o restaurante. Deve ser uma tábua rasa. Um estômago vazio.

Ora, vem isto a propósito da expectativa sobre O Mariscador. Aberto no início do Verão, o restaurante começou a ser falado muito antes, com alguns media a apresentá-lo desde logo como uma marisqueira de chef, com marisco de origens tão exóticas como Abrantes e Alcochete. Não tinha ainda ninguém levado uma gamba que fosse à boca e já se louvava 
o que não existia. Esse crédito deveu-se em grande parte ao chef por trás do projecto, Rodrigo Castelo, cujo trabalho na Taberna 
Ó Balcão tem sido amplamente elogiado, nomeadamente pelo trabalho de recuperação de produtos esquecidos, como a carne de touro ou a fataça. Mas sabemos bem que em matéria de restaurantes e chefs, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

E que coisa era esta, afinal? Sobreviveria O Mariscador à sua fama?

Fiz lá três refeições, recentemente. A primeira, aconteceu em modo solitário. Gosto de comer sozinho em restaurantes, mas este não é um restaurante para ir sozinho. Algumas das melhores comidas d’O Mariscador são para dividir e o menu, com ampla oferta, deixa ao comensal solitário a sensação de alguém que vai ao Ikea e só de lá traz um cabide.

Dessa primeira experiência, levei contudo bons acessórios. Excelentes as buchas de sapateira, uma bolacha e, por cima, o recheio da casca de sapateira, saboroso, com picles caseiros. O cone de coscorão, por sua vez, era suposto ter um ceviche de mar e rio, mas só vi atum, faltando o anunciado lúcio-perca, tudo coberto por camarinhas (pequenos camarões) desidratadas e tostadas. Muito bom o croquete de touro, a carne húmida no interior, por fora uma bolinha seca e crocante sobre mostarda portuguesa. O copinho “expresso de caranguejo da meia-noite”, gentileza da casa, era um caldo dos ditos de rio (ninguém diria), ligeiramente amargoso mas equilibrado, um grande shot.

A segunda refeição já foi com companhia
e já permitiu repartir pratos. No couvert, apareceram outra vez as camarinhas, pão torrado e manteiga com pó de algas. Como principal, dividiu-se um arroz de lingueirão em versão Bulhão Pato. Veio num tachinho e de início deu a ideia que seria curto, mas o bivalve abundava numa relação de igualdade bonita
e rara quando se trata de arrozes com cenas. Absolutamente perfeita a confecção por parte do chef executivo Bruno Ribeiro, a cozedura do cereal no ponto, os coentros aromáticos, a acidez, a manteiga. Por uma nota de 20 euros e uma moeda de um euro dá um almoço extraordinário e muito em conta, para duas pessoas.

O mesmo não se pode dizer do arroz de lavagante, que já requer três notas dessas (também para duas pessoas). É apresentado como prato bandeira da casa. O crítico sentiu-se na obrigação de o experimentar, depois de uma passagem pelo Multibanco (o mesmo que ATM). À terceira visita, com a voz trémula de emoção, lá se pediu o arrozinho do crustáceo. É preciso dizer que ultimamente me tenho cruzado (sem tocar) com muitos arrozes de lavagante. Não sei se de repente abunda o lavagante, se alguém descobriu a receita mágica ou se simplesmente as pessoas estão ricas. Sei que ele anda aí como areia na praia.

E estava bem bom. A base era a do arroz de lingueirão, com ligeiras diferenças. Pareceu-me haver dose extra de manteiga e o crustáceo surgiu caramelizado. Esperaria a carne mais elástica e rija e não a desfazer-se no arroz, talvez porque submetida a prévia cozedura a baixa temperatura — técnica que, a meu ver, quase sempre transforma coisas viçosas em coisas murchas. Não prejudicou o conjunto, mas ficou comprometido na relação com o de lingueirão: não se justificam os 40 euros a mais. Isto seguiu-se à “meia teca de marisco”, uma caixa de madeira muito bem recheada. Lá dentro, contava-se o seguinte: meia dúzia de ostras do Sado, notáveis, de diferentes calibres mas todas elas a lembrar-nos dias de praia a engolir pirolitos nas rochas; uma casca de sapateira com o já elogiado recheio, aqui num creme fresco, fiapos de carne do bicho
 e picles no topo; camarões de Moçambique e gambas rosa com atenção rigorosa ao tempo de cozedura; percebes grandes mas com um ou outro já desidratado; búzios igualmente saborosos mas igualmente secos; lagostins brancos cozidos, a carne delicada e elegante; e à parte uns mexilhões com molho de citrinos, vibrantes e gulosos. A terminar, houve um gelado de limão bom para limpar a boca.

Numa das visitas comeu-se na sala do primeiro andar da praça de touros. Tudo bonito, desenhos de mariscos nas paredes, candeeiros em forma de redes, obras de autor. Na última visita, só a esplanada coberta estava a funcionar, algo incompreensível num dia com temperaturas acima dos 30 graus.

O Mariscador tem excelente comida, com
um equilíbrio bem-vindo entre inovação e tradição, e tem entrada directa na primeira liga das boas marisqueiras da cidade. O restaurante de Rodrigo Castelo poderia mesmo ter atingido a excelência, não fossem algumas falhas no serviço e no produto. Oxalá, ganhe consistência. Lisboa precisa de mais marisqueiras assim. Acima das expectativas.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Centro de Lazer do Campo Pequeno, loja 606
Lisboa
Transporte
Metro Campo Pequeno BUS 736, 744, 754, 783, 798, 727, 738, 749
Preço
Até 40€
Horário
Seg-Dom 12.00-01.00
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