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Palácio do Grilo

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A Time Out diz

É o restaurante de que se fala, o sítio onde toda a gente quer ir. Mas Alfredo Lacerda diz que apanhou lá uma barrigada absurda de frio.

A dada altura, estava um rapaz nu a empurrar o divã da sala, enquanto eu me debatia com uma costela bovina que não tinha pedido (alguém trocara a “entrecôte” pelas “beef ribs”). Era uma costela com rebordos de gordura espessa, coisa que faltava ao performer.  

Desisti da comida e fitei o homem nu, que agora mergulhava com as suas carnes cruas e badalantes para cima do divã. 

Já vinha preparado para o teatro. E achei interessante. Pessoas nuas a fazerem salto de peixe, num restaurante, é uma coisa absorvente. Ou, pelo menos, mais absorvente do que ver casais aborrecidos sentados à mesa. 

O problema foi a comida. E o frio. 

Não mandei a costela para trás, porque já tinha decorrido uma hora e um quarto desde que ali me sentara e nem o rapaz pelado aos saltos ou a ensaboar-se haviam conseguido descongelar-me. 

Estava tanto frio na sala – uma sala com um pé direito gigante, alguns dez metros de altura – que nem sexo ao vivo me teria aquecido. O que queria era despachar a coisa, um café e uma sobremesa e voltar para a manta do lar. 

“O que tem de sobremesa?”, perguntei à empregada, rapariga nos seus 20s. “Ui, isso agora. Às vezes, temos só uma sobremesa. Outras vezes, temos três e nenhuma das três é a que está na carta”, atirou. 

Questionei-me se também seria uma performer, a empregada, mas depois ela começou a ler o trio de opções da carta. “Sorbet”, um “ananás invertido” e uma “dark passion overdose”. 

Por mero dever profissional, perguntei pelo sorbet, uma vez que no menu só indicavam que era de “diferentes opções sazonais”. 

– Quais são os sabores sazonais do sorbet? 
– Preciso de ir perguntar ao chef? 
– Quem é o chef, já agora? 
– Acho que é o Serguey. Ou serão dois? Eles mudam. 
– Há dois chefs? 
– Acho que sim. Mas eu não percebo nada da hierarquia da cozinha. 

Minutos depois: 

– Então, os sabores do sorbet são: morango, chocolate e coco – atirou a rapariga.
– Morango é sazonal?
– Acho que sim. 
– Está na época do morango, em Janeiro, é isso?, reformulei. 
– Acho que sim. Não?! Mas também tem os outros dois sabores, se preferir: chocolate e coco. 
– Chocolate e coco, sazonais? – Avancei para a hipótese três. – E a “dark passion overdose”, o que é?. 
– Esse é uma panacota de maracujá. 

Veio a panacota. Assim que o prato pousou, a minha pele arrepiou-se como a de um frango depenado: 

– Desculpe, onde está a panacota?
– A panacota são essas bolinhas brancas. 
– Não, isto não é panacota, desculpe.

Uma das coisas que faz a panacota ser panacota é a sua textura suave e pudinhenta. Ora, as bolinhas brancas eram de gelado de nata e ao lado havia outras bolinhas, mas escuras. Um prato todo ele refrigerado – sem passion, nem outra overdose que não fosse de gelo. 

Por fim, a conta apareceu e o ambiente tornou-se verdadeiramente siberiano. A sobremesa de bolinhas geladas de “panacota” custava 11€, valor de restaurante Michelin. A costela de vaca eram 27€ (mesmo num Michelin, seria caro). Um robalo de aquacultura, com uma tapenade e uma espécie de pico de galo, ficou por 21€. Um couvert, que era um cesto com uns farrapos de pão seco, valeu 8€. 

A única coisa mesmo boa que se comeu foi a burrata, com doce de laranja e diospiro. Parecia dessas invenções de cozinheiro amador com a mania que é criativo, cheia de elementos: construção de massa folhada, “puré de diospiro”, “crispy de sálvia”, “geleia de laranja”. Mas estava óptima.

Ao todo, pagaram-se 106€, conta para duas pessoas. Demasiado.

Dir-se-á: mas também se paga o espaço. E também se paga a performance. Verdade. 

O Palácio do Grilo, construído no século XVIII, pertencente até 2021 à família do Duque de Lafões, é encantador e está classificado como Monumento de Interesse Público, desde 2011. 

Julien Labrousse, o francês que o comprou e transformou no que considera ser um “museu de artes performativas”, aparentemente, respeitou a arquitectura original. 

Mas há também o recheio e há peças de valor que importa preservar, entre elas um livro onde Dom Pedro de Bragança, o primeiro dono, terá mostrado o desejo de que “todos os quartos, tanto na decoração como na função”, fossem montados “para ficarmos lânguidos e sonharmos melhor do que em qualquer outro lugar no mundo”. 

No site do Direcção-Geral do Património Cultural, onde está listado o património nacional de relevo do Palácio do Grilo, lê-se o seguinte sobre o imóvel: 

“São notáveis os seus interiores, quer pela sua decoração, nomeadamente pelas pinturas murais de autoria de Cirilo Wolkmar Machado, diversas portadas pintadas com grinaldas de flores e um conjunto de azulejaria do século XVIII e XIX, bem como o seu recheio artístico e mobiliário com algumas peças históricas ao nível da pintura de retrato do século XVIII e XIX.”

E, de facto, mal entramos, ficamos boquiabertos com a imponência das salas, à noite apenas alumiadas por candeeiros de abat-jour. O ambiente misterioso prolonga-se por outros espaços, onde se sentarão mais de uma centena de pessoas. Nessa penumbra onírica de castelo fantasmagórico encaixa bem a ideia de teatro gastronómico. 

Na noite em que lá fui, em redor das mesas três actores passaram o serão a desestabilizar o ambiente (no bom sentido), sem alguma vez interpelar verbalmente os comensais. Ora ficavam parados olhando o vazio, ora começavam a correr sem sair do mesmo lugar, ora acartavam pedregulhos, ora arrastavam divãs. 

Não se deslindou uma narrativa, a performance oscilando entre o teatro do absurdo e a dança de improviso. E a qualidade da exibição foi questionável. Mas a verdade é que o restaurante seria menos valioso sem esta provocação e este sobressalto artístico. É isso, aliás – quero acreditar – que leva tanta gente ali, por estes dias, a maioria estrangeiros, mas também muitos portugueses de meia idade. 

Numa sexta-feira à noite, a casa estava esgotada, com mais de uma centena de pessoas dispostas a pagar 50 euros por um jantar. Tenho dúvidas que haja meia-dúzia de restaurantes em Lisboa, hoje em dia, com estes números. 

A explicação do êxito poderá estar nisto: as pessoas precisam de emoções fortes e os restaurantes convencionais não lhes estão a dar isso. Sucede que um restaurante é suposto entusiasmar-nos com comida. E aí é que o Grilo deixa de cantar. 

Em síntese. Estamos perante uma boa ideia, num cenário espectacular. Mas, por enquanto, falta-lhe quase tudo o resto. 

Suponho que, num país a sério, alguém que soubesse de restaurantes fizesse algo extraordinário com este espaço (Julien é apresentado na imprensa como um milionário francês, com salas de espectáculos em Paris e um eco-turismo no Cabo Espichel). Mas estamos em Portugal, um país a brincar, onde os estrangeiros ricos vêm apanhar sol e esbanjar extravagância.

Uma pena. A oportunidade de usar um monumento histórico (e classificado, não esquecer) para fins gastronómicos, mereceria um restaurante de topo. Senão, pelo menos, um que tivesse aquecimento. 

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Calçada do Duque de Lafões, 1
Lisboa
1950-207
Preço
45€-55€
Horário
Seg-Dom 11.00-00.00
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