A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar

Retrogusto84

  • Restaurantes
  • São Vicente 
  • preço 1 de 4
  • 3/5 estrelas
  • Recomendado
Retrogusto 84
Fotografia: Duarte DragoRetrogusto 84
Publicidade

A Time Out diz

3/5 estrelas

À chegada, um grupo de pessoas amontoadas à porta quase nos fez desistir. “Não, não pode ser ali. Aquilo deve ser uma festa de Halloween”, antecipei assim que entrámos na rua, o restaurante ao fundo. Havia gente a beber cerveja no passeio, o pizzaiolo com chagas de sangue no pescoço, uma empregada com a t-shirt rasgada no peito.

No interior, a confusão ainda era maior. Mesas desalinhadas e juntas, uma cantina em noite de festa universitária, o ambiente festivo e ruidoso.

Num esforço de integração, começámos nas cervejas, todas italianas (marca Ichnusa, não filtrada, e Birra Moretti, “a Sagres deles”) e acabámos no vinho, também italiano, uma má decisão: tanto o tinto como o branco nos pareceram bons para marinar lombo de porco de casamento. Ao mau álcool somou-se um serviço mais preocupado em despachar o take away do que os residentes: uma hora depois e ainda não estávamos a comer as pizzas.

Apesar de tudo, nada nos demoveu da felicidade e da conversa, encantados que estávamos com aquele fervor juvenil e com o facto de, por uma vez, estarmos numa pizzaria que se esquecera do decorador e do típico. Não se viam estofos Chesterfield nem toalhas de xadrez de osteria, a decoração marcada pelo plástico a imitar tijoleira e outro mobiliário de snack bar, a autenticidade dos cafés baratos para pós-licenciados precários.

Quanto à comida, a ideia, fomos percebendo, não era só dar pizzas, com receitas e produtos originais italianos, mas ir mais longe e servir um pouco da Sicília, região de Itália de onde provém muita coisa do restaurante.

Dito isto, havia opções para todos os gostos. Demasiadas. No menu listavam-se 31 variedades, algumas só com pequenas nuances entre elas. Logo a abrir, duas que pareciam iguais, fazendo-se ainda por cima esse truque, muito comum, de alterar a ordem
dos ingredientes, tornando
o exercício num Descubra as Diferenças das Pizzas, quebra- -cabeças difícil mesmo para alguém que leu mais páginas de menus do que d’Os Maias.

Ajudou à escolha, uma velha máxima: se tem pistáchio, eu quero. Mas mesmo fechando
a selecção no pistáchio, as hipóteses eram três. Eu e os meus dois amigos fomos pela Ciele Liberi, com creme de queijos, creme de pistáchio, speck (presunto fumado) e mozarela. Mas tínhamos ainda a Pura Poesia, com salmão, e a Pistacchiosa, de amêndoas e mortadela.

No capítulo das sem pistáchio, 
optámos pela Basilico – de 
pesto fresco, mozarela e burrata 
 e pela Noosa, por causa da. alcachofra, da pancetta de porco curada, espécie de bacon não fumado) e do queijo provola siciliano, combinação que se revelaria gordurosa.

Talvez pudéssemos ter sido mais ousados. Algumas pizzas tinham ingredientes raros
 em Lisboa, como a nduja (um salame de porco picante), mel de noz, creme de abóbora ou ragu de javali.

Ainda assim, o grande problema foi mesmo a massa das pizzas. Na noite em que lá fomos, antes do feriado de 1
 de Novembro, a massa parecia não ter levedado o suficiente, surgindo densa e seca e enchendo-nos a boca como uma bola de ténis. O aspecto 
era diferente do de outras pizzas que vira em fotografias nas redes sociais – e pode ter acontecido que, pressionados pela enchente, os pizzaiolos tenham sido forçados a apressar o processo ou a recorrer a
 massa industrial. Para piorar
 as coisas, os ingredientes da cobertura eram todos poucos
 e concentrados no centro da pizza. O melhor acabou mesmo por ser a sobremesa.

Os cannoli tornaram-se de imediato
na minha coisa favorita do Retrogusto 84. Estas bolachas doces em forma de canudo, recheadas de queijo fresco – que pode ser ricota ou o nosso requeijão – são fritas em banha de porco, o que lhes dá um sabor único.

Para além do mais, o doce siciliano faz-nos compreender melhor uma das mais célebres deixas do cinema norte-americano. Em O Padrinho, às tantas, o implacável Clemenza, depois de participar no homicídio de Paulie, dá ordens ao executante do fuzilamento, a sair de um carro cheio de miolos, para deixar a arma na viatura mas levar os doces, encomenda da mulher. “Leave the gun. Take the cannoli”.


A frase foi alvo de variadas dissertações ao longo das últimas décadas. E nem que
 seja para ter a sua própria interpretação, vale a pena ir ao Retrogusto ver de que falava Clemenza. De preferência, numa noite sem Halloween.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua Maria, 54
Anjos
Lisboa
1170-212
Preço
15€
Horário
Qua-Seg 19.00-23.00
Publicidade
Também poderá gostar
Também poderá gostar