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Senhor Uva

  • Restaurantes
  • Lisboa
  • preço 2 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
Senhor Uva
©Duarte DragoSenhor Uva
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Stephanie e Marc abriram um bar/restaurante carregadinho de vinhos naturais, com uma carta curta mas focada na comida vegetariana. Tanto pode haver um hummus servido num prato florido, como uns simples pimentos padrón ou uma couve-flor grelhada com um molho de coco, lima kafir e gengibre. Privilegiam os produtores locais e os vegetais da estação, para comer no espaço, pequeno mas muito luminoso, com balcões em mármore e paredes em pedra branca, sem plásticos e com água filtrada.

Crítica

A primeira vez que jantei
 no Senhor Uva soube logo que 
a refeição ia ser boa. Tinha acabado de fazer o pedido, estava ao balcão, sozinho, e uma jovem cozinheira começou a tratar de mim com a dedicação com que a mãe faz sopa para o bebé.

Joana, assim a chamavam, ar de leitora de Harry Potter, cheirava cada erva aromática, cada ingrediente, e sempre provava os molhos, os cremes, os purés antes de os empratar. Não era um teste automático, um tique, mas um momento de análise profunda. Provava
 e ficava com a comida na boca enquanto manejava frigideiras ou cortava legumes. Depois ia ao sal ou não ia ao sal.

Parece um exercício básico, obrigatório – provar sempre, provar tudo – e no entanto é raro ver-se. Muitos cozinheiros têm a autoconfiança de Ronaldo e a ignorância de Trump. Muitos cozinheiros não sabem que a comida é uma coisa viva: mexe-se, transforma-se, acidifica-se, adocica-se, salga-se. É preciso monitorizá-la, dar o palato ao manifesto.

Joana sabe. Joana teve noção que o rabanete fermentado
da tosta de centeio (vindo da padaria Isco) e puré de cherovia (ou pastinaga) não estava igual nesse dia ao que estava no dia anterior. Joana sabia e Joana cuidou que o conjunto viria perfeito – e isto quando uma horda de gente ruidosa começava a encher as mesas.

Situado numa ruela residencial junto ao Jardim da Estrela, pelas 20.00 o restaurante já estava lotado. Aberto há seis meses, ainda só é conhecido por um pequeno grupo de tugas vegetarianos e fanáticos dos vinhos naturais, mas enche-se todas as noites de estrangeiros misteriosamente bem-informados sobre este pequeno spot inaugurado por um casal de canadianos. Nesse dia, uma quarta-feira,
 só lá estava este vosso escriba 
a representar a nação, de resto viam-se nórdicos com escaldões e camisas floridas e um bando de trintões franceses com sede, bronzeados na Comporta.

(Mais tarde, um destes estarolas franciús, hálito a Borgonha fermentado no estômago, haveria de
 me pedir conselho sobre diversões nocturnas na capital, confidenciando num inglês entaramelado que ele e os amigos eram “rich guys” e só estavam interessados no “the best of the city”. Dei o meu melhor, mas não tenho a certeza de ter sido útil. “We heard good things about Elefante Branco”).

E ainda assim Joana serviu-os e serviu-me sem parar, sem baixar a bitola. Magníficas
as azeitonas biológicas com tremoços; perfeita a tosta de centeio e shitake; vencedora
 a couve-coração (mais uma, sim) com manteiga de miso. Tudo bom, hortícolas de época cheios de sabor e cozinhados no ponto, combinações criativas ou consagradas, produtos raros, achados.

Num outro jantar, uma semana depois, voltei para provar a burrata, esgotada aquando da primeira incursão. O queijo viaja todas as quintas-feiras de um produtor italiano do Algarve. Sendo feita com leite de vaca – e não de búfala, como é tradicional, – o resultado é soberbo, com o interior leitoso
 a esvair-se pelo prato à primeira facada e inundando de acidez
 e doçura láctea a saladinha de tomates cereja bio com pólen
de abelha e rabanetes assados. Na mesma oportunidade, experimentou-se ainda o hummus com feijão branco, curgete, tâmara medjool e ras el hanout (mistura de especiarias magrebina); e o queijo assado com pão torrado, uma coisa
que podíamos encontrar numa taberna modernaça há dez anos, mas que funciona bem aqui, qual pronto-socorro quando o corpo pede dose extra de carbo-hidratos e proteína.

Falemos agora dos vinhos. Vivemos um momento de cisão violenta no que respeita aos vinhos e aos enófilos, pessoas ainda mais pedantes do que os foodies. De um lado temos os fundamentalistas dos vinhos naturais e afins, capazes de tragarem zurrapas cheias 
de rolha (o tricloroanisole, vulgarmente designado por TCA) como se fosse suminho de maçã; do outro os fundamentalistas dos vinhos clássicos, ultra-intervencionados, ultra-pesticizados e ultracomplexos.

Este vosso crítico confessa-se adepto de vinhos sem os truques do costume (os tais que complexificam e estruturam), bebe “suminhos de uva” toscos e infra-alcoólicos com prazer e também é sensível a métodos de produção amigos do ambiente. Isto não significa que retire o homem da equação – vale o terroir mas também vale a arte do ofício – ou que não goste de um tinto robusto – e até com madeira! – para assados no forno ou caça na panela.

No Senhor Uva, bebi vinhos melhores, outros piores, portugueses e franceses, mas gostei sempre do entusiasmo com que fui aconselhado. A casa é um desses sítios onde os produtores são tratados pelo primeiro nome, seja o surfista que vinifica na costa alentejana, seja o velho enólogo da Alsácia convertido aos méritos do orgânico. Uma boa história também se bebe.

Em todo o caso, a minha sugestão é que diga ao que vai e o que quer gastar e se deixe levar pelas sugestões do casal proprietário do restaurante. Para os vinhos, está lá sempre Marc Davidson (escanção). Quanto à carta é da autoria
da sua namorada, Stephanie Audet, chef que ganhou algum reconhecimento em Montreal pela cozinha de produto de pendor vegetal ou “botanical cuisine”, como ela gosta de a chamar.

Se um deles falhar, já sabe. Isto não é o da Joana, mas a dedicação da Joana – das Joanas da cozinha – é muita. O meu sincero agradecimento.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua de Santo Amaro, 66 A
(Jardim da Estrela)
Lisboa
1200-804
Preço
30-35€
Horário
Qua-Qui 17.00-23.00, Sex-Dom 15.00-23.00
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