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Soão

  • Restaurantes
  • Alvalade
  • preço 3 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
  1. Soão
    Fotografia: Manuel MansoOs pratos de sashimi de Luís Cardoso são montados em 3D
  2. Soão
    ©Manuel MansoO chef Luís Cardoso
  3. Caril vermelho com robalo e arroz glutinoso
    Fotografia: Manuel MansoCaril vermelho com robalo e arroz glutinoso
  4. Dim sums
    Fotografia: Manuel MansoDim sums
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Acontece muitas vezes. Apetece carne e o editor sugere para ser avaliado um restaurante vegetariano; apetece ceviche e
o destino é uma churrasqueira; apetece hambúrguer e calha uma degustação de coisinhas. O crítico também sofre, meus amigos.

Mas há semanas em que as vontades se alinham. Esta foi uma delas. Estava um desses dias de calor parvo e apetecia-me almoçar barriga de atum e outros peixes crus, wasabi e gengibre, arroz glutinoso a acompanhar, mais um chazinho frio de sencha, e isto de preferência numa taberna asiática, devidamente fechada e escura, como devem ser as tabernas asiáticas, e sem ter de entrar no eixo Saldanha-Chiado. Não era pouco. Mas aconteceu. Como num sonho.

O Soão, o mais ambicioso restaurante de Alvalade, é um pan-asiático que vai às origens. O grupo Sea Me, dono dos Prego na Peixaria e do restaurante
Sea Me, optou desta vez por juntar o essencial do receituário tradicional de diversos países asiáticos, sem invenções. E fez bem. A cidade já tem chefs de fusão que cheguem e o chef do Soão, o sushiman Luís Cardoso, é um ex-aluno de Takashi Yoshitake, do célebre Aya (com passagem pelo Assuka e, mais recentemente, pelo Cosy, em Braga), ou seja, vem da escola clássica.

Foi Luís Cardoso quem me serviu. Fui directo para o sashimi moriawase, passando entradas e outras drogas leves, como as recomendáveis asinhas de frango com molho coreano ou a salada de wagyu e papaia verde (papaia verde, must de pan-asiáticos). Como estava sozinho, a empregada teve a simpatia de me servir meia dose de sashimi, apenas por 12,25€, um dos grandes negócios nesta Lisboa inflacionada.

Enquanto esperava, reparei com mais atenção na decoração. O balcão senta uma dúzia de pessoas, plateia com vista para um aquário de lagostas, banca de peixes e cestas de frutas e legumes espalhadas por todo o lado, cenário encantatório de truques de faca e do mestre do assador. Em redor, vinte lugares em mesas ao longo dos janelões, paredes forradas a madeiras com patine, candeeiros de redes de pesca, barris de sake, figuras orientais misteriosas, uma recriação bonita, convincente e confortável de uma taberna asiática. Lá em baixo, na cave, vale a pena espreitar as salas privadas, a recriar a decadência das salas de ópio, outra maravilha.

Voltando ao sashimi moriawase, estava ao nível do das melhores casas da especialidade em Lisboa. O peixe distribuído de forma elegante, daikon em fios frescos, folhas de shiso mentoladas, na borda wasabi e pickles de gengibre. Cada cantinho, o seu aroma, a sua estética, a sua lógica. A barriga de atum com o marmoreado fino do chu-toro, em peças grossas – como devem ser, como raramente são – sete centímetros de largura (sim, medi; sim, tenho régua), ladeadas por meias-luas de rodelas de lima. O carapau inodoro, expurgado de peixum (conhecem o bedum?), cebolo picado por cima. A barriga de salmão numa roseta, o robalo firme em peças direitas, o rolo de lula e ovas (de ouriço?) cheio de camadas concêntricas, mais o de pepino e seu botão de feijão verde crocante. Tanta coisa num pratinho. Elegância, variedade, detalhe.

Da mesma forma, pude finalmente comer carne wagyu (de qualidade) sem ser assaltado (35€ euros por 200 gramas): uma dose dá bem para repartir. Aqui funcionou a robata, a grelha japonesa. Finíssimas lâminas em formato de dominós, grelhadas, por cima aros de cebolo e de malagueta tailandesa, a carne entremeada de gordura, saborosíssima; ao lado batata doce assada até caramelizar. Da robata veio também a beringela, molho de miso no topo e o recheio com a consistência típica de um pudim, para comer à colher.

Ultrapassado o teste da cozinha japonesa, era preciso avaliar o resto da carta, comprida como um papiro egípcio. E isto surpreendeu. Tudo o que foi provado, de diferentes cozinhas, estava bom ou óptimo – à excepção de uns pães chineses com leite condensado de sobremesa, que eram bolos de massa de farinha e Maizena com leite condensado à parte, uma coisa que uma criança de 10 anos faria, em bom.

Antes, tinha já testado o
 pad thai de camarão – e foi dos melhores de sempre, a massa al dente, amendoim, camarões grandes no ponto e tamarindo.
A sopa tom yum, por sua vez, igualmente notável – aromática, fresca, picante –, um caldo de leite de coco e molho de peixe, coentros, folhas de lima kaffir, cogumelos, malagueta e erva-príncipe. É bem capaz de ser a mais rica tom yum jamais servida neste rectângulo infame e luminoso. O mesmo vale
para o caril de peixe, de igual ascendência, cubos assados de corvina que depois são imersos num molho de caril de pimento verde com pedaços de coisas exóticas, como carambola, fruto agridoce que passa por ananás. O equilíbrio entre doce e salgado, ácido e picante é perfeito e isso pode ter a ver com o facto de aos fogões estar um tailandês, o sub- -chef Tep, antigo cozinheiro do restaurante Thai Garden, em Vale de Lobo (Algarve), porventura o melhor do país no género.

Carta de vinhos curta, seleccionada com tino. Não se compreende, contudo, que só haja uma marca de champanhes servidos a copo (e não haja espumantes), todos Laurent Perrier (a começar nos 9,5€),
e que ele tenha sido servido já com a bolha mortiça. Carta de chás com curadoria de Sebastian Filgueiras, da Companhia Portugueza do Chá, cocktails (obrigatório o Patong, com rum) e tudo o mais da responsabilidade do inexcedível Vasco Martins, um barmen que ama o que faz e sabe o que faz (peçam-lhe conselho).

De resto, faltou provar muita coisa, mas ainda assim é certo o seguinte. A par de uma cozinha extraordinária, com bom produto, o Soão tem um serviço que não acarta só pratos: calharam sempre óptimos empregados, afáveis, espirituosos na medida certa e competentes.

Lisboa ganhou um grande restaurante. Um daqueles sítios raros onde gostamos do que vemos, do que comemos e do
que aprendemos.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Avenida de Roma, 100
Lisboa
1700-035 Lisboa
Preço
Até 40€
Horário
Seg-Qui 12.30-15.30/19.30-23.00, Sex 12.30-15.30/19.30-00.00, Sáb 12.30- 00.00, Dom 12.30-23.00
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