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Sophia Natural Italian

  • Restaurantes
  • Cais do Sodré
  • preço 2 de 4
  • 3/5 estrelas
  • Recomendado
  1. Restaurante, Cozinha Italiana, Sophia Natural Italian
    ©Gabriell VieiraSophia Natural Italian
  2. Sophia Natural Italian
    Gabriell Vieira
  3. Sophia Natural Italian
    Gabriell Vieira Ravioli gigante de espinafres, ricotta e gema de ovo.
  4. Sophia Natural Italian
    Gabriell Vieira
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A Time Out diz

3/5 estrelas

A ficção é uma coisa complicada, mas o Grupo Capricciosa arriscou-se na arte. O seu mais recente restaurante está assente num suposto livro de receitas de uma suposta “nonna” italiana e da sua neta – e vem com cenário a condizer: sala forrada a papel de parede, candeeiros vintage e flores de plástico.

Reza a história que uma tal Sophia pegou no legado culinário da avó, Isabella, e o transformou numa carta saudável e moderna, coisa para sair bem no Instagram e no Tik Tok. “As receitas de família são respeitadas, mas atualizadas à luz da minha criatividade e das minhas crenças”, lê-se numa folha amarelada, devidamente reproduzida em PDF na secção “Chi è Sophia” do site do restaurante. O lettering surge dactilografado, mostrando que Sophia é uma mulher com as suas contradições, alguém que tecla com a mesma desenvoltura no iPhone 12 e na máquina de escrever.

Ao lermos a narrativa – papagueada na imprensa do lifestyle – imaginamos uma jovem urbana a folhear o receituário da avó, depois de chegar do ginásio, e a ir para a cozinha fazer a sua magia de nutricionista de revista cor-de-rosa, “conjugando os melhores ingredientes com as mais saudáveis técnicas de confeção”.

Esta é a ficção. Entremos na realidade.
Sem espanto, não encontrei Sophia quando visitei o restaurante. A receber-me, funcionários correctos, sem serem particularmente empáticos – ninguém remotamente oriundo da península itálica.

Também não foi fácil dar com os melhores ingredientes, nem as mais saudáveis técnicas de confecção – e muito menos encontrei “arrojo e capricho”, outras duas qualidades auto-assumidas pela Sophia dactilógrafa.

O repasto começou na senda dos hidratos. No couvert, focaccia de batata, com um molho de tomate e curgete (bem bom) servido à parte e azeitonas galegas verdadeiras. Seguiu-se o pão de alho, que eram quartos de pizza aromatizados com óleo de trufa.

O aroma de trufa – porventura infusionado em óleo ou azeite – parece ser, aliás, um dos ingredientes fetiche da “fresca, natural e saudável” Sophia. Que eu desse conta, ele está na burrata com focaccia; na pizza “Gio meu filho”; na massa fresca com molho de tomate (recomendável, todavia); na polenta com legumes; e no rosbife com creme de abacate. Nem Olivier da Costa gastará tanto óleo de trufa.

Veio a seguir mais pizza, esta de trigo barbela, que não sendo má estava longe das que se faziam no Il Mercato, o primeiro restaurante em Lisboa a usar o cereal antigo em pizzas (depois de Diogo Amorim o fazer renascer na sua padaria, a Gleba).

O anunciado amor de Sophia pelos vegetais, esse sim, revelou-se certeiro. O “crudo de corvina com pistáchio, menta e lima” escondia uma imensa cama de rúcula, daquelas de Luís XIV com dossel. Sobre ela, as lâminas de corvina e os pistáchios perdiam-se como anéis num fardo de palha. Ainda assim, a receita tinha potencial: menos rúcula e mais peixe e estaria bem.

O camarão tigre com tagliatelle e pesto é um “dos pratos mais pedidos”, para usar a expressão da empregada que mo vendeu – e faz-se cobrar. São 25 euros por um crustáceo grande que não era grande coisa – seco e borrachoso. Nem o tagliatelle “fresco”, nem o pesto conseguiram resgatá-lo da mediocridade.

Nas sobremesas, Sophia terá tido um desafio enorme. Na sua carta de intenções, garantia: “No meu mundo, não entram açúcares refinados ou alimentos processados e as farinhas integrais têm prioridade.” Para além dos gelados da Artisani, “com baixo teor de açúcar” (refinado, suponho), as opções eram três: panacota de iogurte e frutos do bosque (bosque?!, será?!); “bolo de chocolate da Nonna”; e “tiramisù da Nonna”.

A panacota de iogurte tem a virtude de ser menos gorda do que a panacota de nata, mas também é menos boa. Nada a dizer sobre o tiramisù (e o seu açúcar e o seu mascarpone), mas duvido que uma verdadeira nonna servisse um cantinho tão magro, uma fatiazinha de final da travessa de dois dedos (orçada em 5,50€).

Quanto à carta de vinhos, não surpreende, nem encanta, nem emagrece (o dulcíssimo Lambrusco a copo terá mais calorias do que a panacota), mas a carta de bebidas tem boas alternativas de fruta fresca.

Em síntese. Percebe-se que este Sophia – Natural Italian seja um sucesso nas redes sociais, sobretudo entre a comunidade da comida fru-fru em busca de fotos com fundos coloridos e louça de casa de campo. Mas a comida, não sendo indigente, é banal e cara. Por 30 euros, nesta cidade, conseguem-se refeições maravilhosas – e mais saudáveis, e mais naturais, e com mais personalidade.

Ernest Hemingway, escritor norte- americano amante de comezainas, dizia que quando escrevemos sobre o que não conhecemos isso aparece como um buraco na história: o enredo esboroa-se, a ficção torna-se frouxa. Para ser levada a sério, uma narrativa tem de ser verosímil, tem de estar assente na realidade, tem de ter alma e pessoas verdadeiras.

Este Sophia, por outro lado, é um conceito. Uma história mal-amanhada. Como tantas outras.

Hemingway dizia outra coisa: “A melhor escrita é aquela que acontece quando se está apaixonado.” É isso, sobretudo, que falta a Sophia: paixão. Antes a Loren.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Praça Dom Luís I, 34, Loja 9
(Cais do Sodré)
Lisboa
1200-109
Preço
25-35€
Horário
Dom-Qua 12h00-15h30/19h00-00h00, Qui-Sáb 12.00-00.00
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