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Za'atar

  • Restaurantes
  • preço 3 de 4
  • 4/5 estrelas
  • Recomendado
  1. Za'atar
    ©Grupo José Avillez
  2. Za'atar
    ©Grupo José AvillezA mesa libanesa do Za'atar, de Joe Barza e José Avillez
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A Time Out diz

4/5 estrelas

Quem lê estas críticas sabe que já aqui citei o pó de za’atar, que dá nome a este restaurante. Do que eu nunca falei foi do sumagre – e devia. O sumagre domina o za’atar, mistura de especiarias onde também entram sésamo torrado e tomilho, mas fica sempre na sombra. Uma injustiça.

Aconteceu prová-lo agora,
 a solo. As bolachinhas finas da salada fattouch (com alface romana, agrião, pepino e pimento) estavam salpicadas deste pó avermelhado e foram uma revelação. Explodiram primeiro na língua e depois nas glândulas salivares cá atrás, com a sua acidez exótica e terrosa, como se o limão tivesse casado com a amora.

Isto foi no arranque da refeição, um jantar a dois onde se optou pelo menu de degustação (70€, para duas pessoas). O título – À Descoberta do Líbano com Joe Barza – pode ser enigmático para quem desconhece o contexto do restaurante. Quem é Joe Barza? Então isto não é do Avillez?

Segundo o noticiário, Joe Barza foi o consultor que José Avillez chamou para mais este projecto do seu imparável grupo, uma figura com imagem de marca (sempre de chapéu de aba) e uma história cinematográfica. Antes de ser cozinheiro, Barza
foi guarda-costas do presidente libanês Bashir Gemayel, assassinado em 1982 num atentado à bomba, em plena guerra civil no Líbano. O incidente fê-lo mudar de vida e ele é hoje apresentado no seu país como um chef-celebridade, anfitrião na TV e consultor profissional. E tem direito a menu.

Uma empregada adiantou ainda que Joe Barza vai ao Za’atar de três em três meses, “ver como andam as coisas”; e que José Avillez passa por lá “para aí de
15 em 15 dias”. Não é uma chefia apertada, mas aparentemente isso não tem tido implicações na qualidade. A refeição no Za’atar foi a melhor entre a meia dúzia de restaurantes do Médio Oriente onde já comi, em Lisboa.

O jantar abriu com vários mezze, nome dado às entradinhas. O hummus sem invenções, pasta de grão e tahini espevitada por bom azeite, limão. Veio logo também a salada fattouch; à parte, azeitona galega; excelentes picles de pimentos picantes, beterraba e pepino; e pasta de queijo para barrar no pão árabe. Pena o pão, espalmado, servido num cesto, ser fraquinho: borrachoso, seco, pareceu-me reaquecido e industrial. Uma pena, o pior da noite.

Não ofuscou, todavia, o resto. Extraordinário o tajin arnabit: couve-flor “assada” cortadinha em pedaços, marinada em curcuma e limão, servida com nozes. Mesmo parecendo que a couve-flor estava mais cozida do que assada o prato é excelente, exemplo de como os frutos secos ligam tão bem com legumes.

Outro grande momento foi o falafel. O falafel é um pastel frito, feito de pasta de grão (e às vezes de fava, não sendo este o caso) com salsa e especiarias – ícone maior da comida de rua do Médio Oriente. Já experimentei vários, em Portugal e no estrangeiro,
e estes foram dos melhores, estaladiços e secos de óleo, bem assessorados por um creme de tahini e limão.

Fantástica também a basterma – grafada em alguma literatura como pastirma: carne de vaca cortada em fatias finas, como no carpaccio, curada em especiarias. Alternou-se a carne com óptimas batatas harra, primeiro cozidas
 e depois cortadas em cubos
e salteadas em alho, paprika
e coentros, estes últimos anunciados mas escondidos ou mesmo inexistentes.

O prato menos consensual da noite foi, para mim, um dos mais interessantes. Servido numa espécie de púcaro de latão, o frikeh bil lahmeh eram cuscos de trigo verde, com perna de borrego desfiado, e no topo uma surpresa: moleja, a glândula do timo do borrego, de consistência tenra, bem caramelizada em azeite, na frigideira. Curioso
 que nem a descrição do prato, nem a explicação da empregada tenham feito referência à moleja. Acaso? Receio de afastar os mais impressionáveis?

O kebab de porco surgiu
 no fim, quando já não havia estômago, mas eram cubos entremeados de carne e gordura (cachaço?), tenros e saborosos. Soube bem que a sopa de lentilhas tenha surgido só nesta fase, a funcionar como um limpa palato confortante, das melhores sopas que comi este ano, o caldo cremoso sem ser lácteo, por cima lascas de frutos secos tostados.

No fim, a sobremesa, o osmalieth. O prato renova a tendência de fazer gelados
 de queijo. Conseguimos logo identificar o feta na base, muito equilibrado de sal e doce. Por cima, levou fios de kadaif (como os da baklava) e pistáchio triturado. A ligar tudo, serviu-se um fio de calda cítrica e aromática.

Este Za’atar é das melhores coisas – entre as muitas – que José Avillez nos deu ultimamente.
 Não apenas pela comida, como também pelo serviço, um nível acima do que tem sido hábito na restauração lisboeta, incluindo a de José Avillez. A empregada que nos serviu era, aparentemente, 
a responsável de sala e esteve sempre bem: célere, conhecedora, educada. Quanto a quem estava na cozinha, outra empregada menos preparada, entendeu que não devia dar grandes explicações sobre o assunto, insistindo em citar Barza e Avillez como as referências que interessavam.

Mesmo depois de insistir, limitou-se a responder um curto “Fábio”, justificando que o apelido “não ia dizer nada, porque não
 é uma figura conhecida”, como
 se apenas as figuras conhecidas tivessem direito a apelido e reconhecimento.

Em síntese. Contra as minhas expectativas, este modelo de restaurante de Avillez, com consultor estrangeiro e a sua supervisão, parece estar a resultar. Depois de ter aberto um bom peruano (Cantina Peruana, logo ao lado, partilham aliás a cozinha) e um óptimo mexicano (Barra Cascabel), o chef português (com a ajuda do “Fábio”) dá-nos agora um grande libanês. Este Za’atar não é um restaurante com personalidade, com alma, mas é um sítio cosmopolita como os da cosmopolita Beirute, com uma cozinha séria, de produto, exuberante, leve e fresca. Um sítio onde a música contemporânea (sem ser demasiado alta) coexiste com apontamentos de latão dourado, chão de mosaico hidráulico e paredes de betão. Um sítio onde impera o Islão sem hijab, mas com o mistério encantador dos aromas e dos sabores do Médio Oriente – o sumagre à cabeça.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda

Detalhes

Endereço
Rua de São Paulo, 24
(Cais do Sodré)
Lisboa
1200-428
Preço
Até 40€ (Menu de degustação 70€ para duas pessoas com vinho)
Horário
Seg-Dom 12.30-15.00/19.00-00.00.
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