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Astérix e a Transitálica: foi o Éder que os lixou

Escrito por
João Pedro Oliveira
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As aventuras de Asterix citam quase todos os povos que habitavam o antigo Império Romano, mas com referências aos actuais povos europeus. Esse jogo anacrónico e todos os equívocos a que se presta sempre foi, aliás, o mais brilhante artifício narrativo da série. Acontece que os lusitanos, em que nós portugueses gostamos de nos filiar historicamente, foram sempre o povo mais esquecido e apenas por uma vez caricaturado ao longo de 36 álbuns. Aconteceu em O Domínio dos Deuses (1971), numa breve aparição que mostrava uns homens de baixa estatura, calvos, bigode farfalhudo, extremamente simpáticos e bem educados. Houve uma outra alusão breve em Asterix o Legionário (1967), quando um centurião cantava “Lavadeiras da Lusitânia”, numa referência à canção de Jacqueline Francois, “Les lavandières du Portugal”, de 1965. E era tudo.

Em Astérix e a Transitálica, o 37.º álbum da série que é hoje lançado, os lusitanos ocupam enfim um lugar de relevo e protagonizam um dos momentos altos nesse jogo de espelhos entre Antiguidade e actualidade que é genético em Astérix. São uma espécie de piada que se vai desenvolvendo lateralmente ao longo de toda a aventura.

Na história, todos os povos sob o domínio de Roma são convocados para uma corrida de carros através de toda a península itálica. Ora, nesta espécie de campeonato da Europa da Antiguidade, os lusitanos são os últimos a chegar, estão sempre atrasados na corrida, não são especialmente brilhantes e no final, sem perceberem bem como nem porquê, acabam por ficar com a taça. Faz lembrar alguma coisa?

A piada, escrita por franceses, revela bem a dimensão da dor de cotovelo que os mói desde Julho de 2016. O que interessa aqui, porém, é que esse é talvez o melhor anacronismo que vamos encontrar nestas 46 páginas. E isso, infelizmente, não é dizer grande coisa.

A verdade é que depois do magnífico O Papiro de César, o segundo álbum por Jean-Yves Ferri e Didier Conrad e o primeiro sem qualquer supervisão do criador Albert Uderzo, a dupla fica um pouco aquém do que prometia. Os textos de Jean-Yves Ferri continuam competentes e tudo se desenvolve a bom ritmo – apesar do final ser desnecessariamente abrupto — e há uma mão cheia de gags que nos espremem sorrisos. Por outro lado, o traço de Didier permanece seguro e o desenhador continua a mostrar-se capaz de criar novas personagens – as entradas de Alain Prost e Silvio Berlusconi são muito bem conseguidas – e de actualizar outras sem lhes roubar a identidade ou causar estranheza aos militantes irredutíveis. É tudo bonzinho, mas não sobra um diálogo memorável, uma piada gráfica de antologia, uma prancha para arquivar no Olimpo da série. 

Mas respondendo à pergunta que conta: vale os 10.90€? Pois claro que vale. Depois de ter batido no fundo com O Céu Cai-lhes Em Cima da Cabeça, o 34.º álbum, a coisa já dava bons sinais no anterior Astérix e os Pictos (o 35º, ainda supervisionado por Uderzo) e consolidou-se com o excelente O Papiro de César. Agora marca passo, mas continuamos a um nível bastante recomendável. Bem podem agradecer ao Éder.

Astérix e a Transitálica. Jean-Yves Ferri (texto) e Didier Conrad (desenhos). ASA 10,90€

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