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Quando Sara Sá Machado chega aos bastidores da ModaLisboa, à sexta-feira, a técnica é vir muito relaxada. “Já sei que assim que chegar o Luís vai descarregar toneladas de informação em cinco segundos — para sexta, para sábado e se for preciso até para domingo. Tenho de estar preparada para receber isso tudo”, conta a assistente de bastidores num momento de pausa depois do ensaio de Sangue Novo, o primeiro desfile que é “como passar do zero para o 8 mil”, já que é o momento de oito designers e não de um só.
Sara tem uns 10 minutos para se sentar connosco, enquanto come qualquer coisa, mas com Luís Pereira, director de casting e coordenador de bastidores, o método de entrevista tem de ser outro, avisa ele, enquanto nos conduz a um canto nas traseiras do backstage — “não pode ser um sítio por onde passem pessoas, se não vão querer falar comigo”.
Durante o primeiro dia de ModaLisboa falam com ele centenas de pessoas e é ele que faz rolar a informação entre toda a gente. Um mês antes da ModaLisboa é também ele que coordena toda as ligações entre bookers, agências, designers e aderecistas. Mais do que uma mera ponte entre eles, certifica-se que o casting de modelos corresponde à imagem que o designer idealiza. “O casting é sempre só para manequins novos, para os outros só quero ver imagens se tiverem alguma mudança no cabelo, nas medidas — se engordaram eu quero ver.” Quando vê um manequim a desfilar pela primeira vez, já o evento de três dias está em contra-relógio, é o momento de suster a respiração. “Estou sempre com a ansiedade de começar e ver se ela desfila mesmo assim, como estava no vídeo. E quando não têm as medidas certas e os criadores começam a tirá-las... essa para mim é a parte pior. O primeiro dia é sempre complicado.”
Se Luís começa com um mês de antecedência a preparar o casting, Sara vai passando pelo escritório para ver o que há e não há, mas é no primeiro dia que entra a fundo na moda que ocupa Lisboa. Na mão tem uma tabela com dezenas manequins cruzados com os desfiles que vão fazer e para cada desfile há um percurso de passerelle, uma luz, um gesto que é diferente, que Sara conhece e apresenta a cada um deles. As cruzinhas que aumentam nessa tabela são os manequins a quem já mostrou o palco da ModaLisboa deste ano e ainda há algum trabalho pela frente. “Estão sempre a chegar e é difícil conseguir juntar grupos grandes, por isso vou fazendo o desfile com eles em grupos de três, quatro”. Nos outros dias está atrás da cortina, à beira de entrar em cena, a dar as entradas, a contar tempos, que o seu olho estético e noção de timings são apurados, embora não saiba de onde vêm.
“Entrar em cena” aplica-se realmente a Sara, que para além desta entrega à moda, já lá vão uns 20 anos, já teve “várias vidas”, como diz, cada uma com sua carreira, mas sempre com vida artística à mistura. Nascida numa família de artistas, bem perto do Centro Cultural de Belém onde este ano acontece a ModaLisboa, Sara já teve uma carreira na música, a fazer coros para as gravações no estúdio do pai, entre os seis e os 20 anos. Conta esta recordação com toda a naturalidade, a rir muito, como normalmente, e quase com o mesma normalidade revela que fez coros para Amália Rodrigues. Como é que só nos conta isso agora? “Sei lá, para mim era normal, cresci no meio deles”.
Quando quis assentar e ter o seu dinheiro fixo, empregou-se num escritório a ganhar 30 contos por mês. Foi à Suíça ter com a mãe e, sem mais nem menos, uns amigos perguntaram-lhe “Olha lá, queres fazer gelados?”, “Fazer gelados, eu?”, perplexa, “Mas o quê, estar ali a bater o gelado?”. Não, era para fazer bananas split e afins. E eram 200 contos. Adeus repartição.
A Luís Pereira não conseguimos arrancar nenhum passado na música – será que existiu? Começou na ModaLisboa nas primeiras edições, no início dos anos 90, como manequim, a trabalhar com Paulo Gomes, o coreógrafo de desfiles, coordenador de bastidores, director de casting histórico deste evento. Depois da interrupção que este fim-de-semana de moda sofreu entre 1993 e 96, Luís voltou para estar nos bastidores a trabalhar na equipa de Paulo Gomes. Nessa altura passou-se dos bastidores mais ou menos atabalhoados de um fim-de-semana da moda ainda a aprender como construir-se, para um backstage cada vez mais organizado “já que as pessoas vêm para aqui trabalhar e passam aqui tantas horas, ao menos que tenham conforto — que haja sítios para se sentarem, água, café, comida.”
Há 10 anos que está à frente dos bastidores e do casting, ao mesmo tempo que dirige a Showpress, a agência de comunicação que fundou no início dos ano 2000. Na equipa que trabalha consigo – incluído naturalmente a amiga Sara – vê o carinho de uma família e na ModaLisboa, o lugar que quem trabalha em moda em Portugal quer experimentar. “Até a nova geração de designers quer experimentar ser aderecistas na ModaLisboa, para ver como é que é, para aparecer na ModaLisboa”, diz, acrescentando que quem está aqui não está pelo dinheiro.
Sentados à conversa, Sara já começa a espreitar pelo canto do olho, a ver novos manequins a chegar e a terem de ser apresentados à casa. “Quando começa é assim, tem de se ir com a adrenalina”. Chegando a casa há que fazer um esforço grande para não pensar em nada do que se passa nestas salas e ao longo do dia são precisos uns resets. “Entre os desfiles é tempo de ir fumar um cigarro, esquecer tudo do desfile anterior, seguir com o próximo”. Pode ser que, entre um e outro, para limpar as ideias, tenha tempo de trautear umas modinhas.
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