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Bodies
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‘Bodies’ é uma das séries do ano

Baseada na BD de Si Spencer, a produção da Netflix é um mistério através do tempo que mistura o policial “negro”, o thriller e a ficção científica.

Escrito por
Eurico de Barros
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★★★★☆

Se é cada vez mais raro haver filmes de ficção científica (FC) que saiam do rame-rame da “sci-fi”(ou seja, da pacotilha do género, “sequestrado” e substituído como foi pelas fitas de super-heróis), ainda o é mais com as séries. Foi preciso recorrer à adaptação de uma banda desenhada (ou novela gráfica, como agora é comum dizer-se) para que aparecesse uma série verdadeiramente imaginativa, original e complexa, que arranca o espectador à rotina e pode ombrear com a literatura de FC. Trata-se de Bodies (Netflix), da autoria do falecido Si Spencer, editada em 2015 e ilustrada por quatro desenhadores diferentes, um para cada época em que as respectivas acções se passam (Phil Winslade, Tula Lotay, Meghan  Hetrick e Dean Ormston).

Entretecendo o policial “negro”, o thriller da modalidade grande conspiração secreta e a ficção científica sobre viagens no tempo e paradoxos temporais, Bodies passa-se em Londres, em quatro épocas distintas: a era vitoriana em finais do século XIX, na II Guerra Mundial, no nosso presente e num futuro high tech em que a Inglaterra é governada por um ditador (aparentemente) benévolo, após uma tragédia com uma bomba que arrasou a capital e matou parte da sua população. Dois inspectores e duas inspectoras da Scotland Yard são confrontados, nos seus respectivos tempos, com o aparecimento, num beco do bairro de Whitechapel, com o mesmo cadáver de um homem nu, com um olho aparentemente furado com uma bala e sempre na mesma posição. 

Partindo desta premissa, e saltando constantemente entre três séculos, Bodies vai, pouco a pouco, unindo todas as peças deste desafiador puzzle em formato de jiga-joga temporal, e dando unidade, sentido, emoção e coerência a uma história muito intrincada, diabolicamente absorvente e com vários subenredos (nenhum do quarteto de inspectores está livre de problemas pessoais e familiares, e um deles está mesmo longe de ser um modelo de ética profissional), sem perder o fio condutor da acção ou o norte à narrativa, nem sacrificar a plausibilidade. Mesmo apesar de haver alguns anacronismos e faltas de rigor (a maior parte concentrados e detectáveis na fatia da acção que decorre nos anos 40, na Londres sob os bombardeamentos alemães e na vigência do inspector Charles Whiteman), e da inevitável notação politicamente correcta. 

A ciência e a técnica, dos primórdios da fotografia até à física quântica, desempenham também um papel central na história de Bodies (é uma fotografia que, no século XIX, lança o inspector Alfred Hillinghead na pista de um suspeito e começa a desenrolar a vasta, complicada e multitemporal tapeçaria da intriga, e é uma máquina do tempo que, no século XXI, permite a ligação entre as várias eras e desencadeia os paradoxos temporais). E seria injusto referir apenas o quarteto de heróis – interpretados, por ordem cronológica, por Kyle Soller, Jacob Fortune-Lloyd, Amaka Okafor e Shira Haas – e deixar de fora Mannix, o vilão e a origem e chave de todo o mistério, personificado por Stephen Graham com um fundo de humanidade que evita que ele seja apenas mais um odioso unidimensional e pronto-a-detestar. Atrás de tempo tempo vem, e Bodies, com o seu enigma que o atravessa, ata, dobra e vira de pernas para o ar, é uma das séries do ano.

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