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Senhor dos Anéis
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Clássicos de cinema para totós. Os restos de colecção

Estiveram para entrar nas listas de melhores filmes das suas décadas, mas não chegaram lá. São os restos de colecção

Escrito por
Rui Monteiro
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Uma lista é uma lista. E uma lista é uma consequência da circunstância da sua criação. Não é escrita em pedra. Aliás, é da natureza das listas nunca serem iguais. E serem sempre injustas. Esta que se segue é uma espécie de adenda aos Clássicos de cinema para totós, onde se encontram filmes de várias décadas que não estavam, mas podiam muito bem estar, nas lições anteriores. De Cavalgada Heróica (1939), de John Ford, à trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003), realizada por Peter Jackson, passando por Doutor Estranhoamor (1964), de Stanley Kubrick.

Recomendado: Clássicos de cinema para totós

Os restos de colecção

Cavalgada Heróica (1939)

Afinal não é de hoje que o western é considerado um género acabado e depois, por mor de um filme excepcional, regressa fulgurante aos ecrãs. Em 1939 o filme de cobóis estava mais ou menos nessa categoria. A bem dizer, criativamente morto, sobrevivendo nas matinés de sábado que escoavam a série B do cinema de Hollywood. E depois John Ford realizou Cavalgada Heróica, impôs a beleza natural de Monument Valley, no Utah, como cenário tão obrigatório que se tornou imagem de marca do western por muitos e muitos anos; e ainda, nesta história de redenção traçada para além das regras, no entanto recheado de arquétipos e personagens solidamente construídas para servir um enredo polvilhado de sexualidade e alcoolismo e inveja, vergonha, discriminação social e vingança, dá oportunidade a um jovem perdido em filmes menores, John Wayne, que aqui inicia o caminho do estrelado, embora a melhor interpretação seja, sem dúvida, a de John Carradine (o Carradine que sabia realmente representar), apesar do Óscar para Melhor Actor Secundário ter ido para Thomas Mitchell.

Fantasia (1940)

Tudo começou com a série Silly Symphony, mas Fantasia foi muito mais além (e não só por ser a primeira animação com mais de duas horas de duração) no desejo de Walt Disney popularizar a música clássica articulando-a com a animação. O carácter experimental e inovador do filme levaram o orçamento para uns, então, estratosféricos dois milhões de dólares (isto é: quatro vezes mais do que se gastava, por exemplo, com um filme de acção). Conta para a qual um novo sistema de som, o Fantasound, precursor da estereofonia e que não voltou a ser usado, foi o grande responsável. Com as suas oito sequências, entre elas a conhecida O Aprendiz de Feiticeiro, protagonizada pelo astro do estúdio, o Rato Mickey, a película mantém-se um marco cinematográfico que ultrapassa os limites do cinema de animação.
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Um Eléctrico Chamado Desejo (1951)

Quem viu, a peça de Tennessee Williams ou o filme de Elia Kazan, sabe que é uma obra visceral, que lida com insanidade, e onde a sexualidade vem na forma de violência doméstica, violação, obsessão sexual, promiscuidade, homossexualidade e ninfomania. Não admira, portanto, que as almas boas que em Washington tratavam de censurar em nome da decência (e do anti-comunismo, mas esse agora não vem a propósito) considerassem a película, entre outros mimos, “moralmente repugnante”. Além da solidez do texto, vencedor do prémio Pulitzer, em 1947, o realizador não parece ter hesitado em recrutar nove dos membros do elenco da peça, entre eles Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden, descartando Jessica Tandy, que substituiu por Vivien Leigh. E com razão, pois foram para ela o Óscar de Melhor Actriz Principal, e para Hunter e Malden os prémios para actores secundários. No entanto, com a sua interpretação mercurial de Stanley Kowalski (só comparável à de Leigh como Blanche DuBois e, com esta, as únicas interpretações que toda a gente recorda), Marlon Brando foi a vítima, ficando fora da lista de vencedores, trocado por um apenas regular Humphrey Bogart em A Rainha Africana.

O Selvagem (1953)

Apesar de uma muito escorreita versão de A Morte do Caixeiro-viajante, o realizador Laslo Benedek ganhou o seu lugar na história do cinema com os menos de 80 minutos desta película pioneira do género filme para adolescentes. Do ponto de vista formal, um semi-documentário, o argumento de John Paxton leva o filme a representar e reflectir sobre os gangues de motoqueiros e a sua propensão para a violência e a criminalidade, mas, também, insinua nessa atitude um sinal de revolta contra a então fulgurante propaganda do chamado estilo de vida americano, inspirado nos acontecimentos durante as comemorações do 4 de Julho, em Hollister, na Califórnia, quando centenas de motociclistas e outros entusiastas das duas rodas puseram a cidade em polvorosa durante um par de dias. O anti-herói interpretado por Marlon Brando não teve direito a prémio nenhum, os conservadores chamaram à película “comunista” por glamorizar uma “cultura anti-social”, durante anos a obra esteve banido dos cinemas ingleses. Mas, sem ele, o Jim Stark (James Dean) de Fúria de Viver, a personagem de Elvis Presley em O Prisioneiro do Rock and Roll, e muito provavelmente os hippies-traficantes criados por Peter Fonda e Dennis Hooper para Easy Rider nunca teriam existido.
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Doutor Estranhoamor (1964)

Com grande seriedade e convicção anti-militarista, Stanley Kubrick criou nesta sátira política uma das mais importantes obras anti-belicistas do cinema norte-americano. Em jeito de comédia negra, o realizador aproveita o clima mais ou menos paranóico criado pela Guerra Fria e o desenvolvimento das armas nucleares (por americanos e soviéticos, mas também pelos governos da China, da Índia e do Paquistão, para já nem falar no Reino Unido ou na França) depois de Hiroshima e Nagasaki, para, com uma grande e hilariante interpretação de Peter Sellers em três papéis quase completamente distintos (o capitão Lionel Mandrake, o Presidente Merkin Muffley, e, claro, o de Doutor Estranhoamor, o cientista nuclear nazi marado de todo), criar um autêntico manifesto anti-guerra.

O Padrinho, Parte 2 (1974)

Se o primeiro O Padrinho é um grande filme e o último uma teoria de conspiração verosímil mas mal-amanhada, a Parte 2 da saga é a obra excepcional que afirmou Francis Ford Coppola como um realizador capaz de influenciar o cinema do futuro. O que ele de facto fez, abrindo caminho e ganhando o dinheiro e o prestígio suficientes para realizar e mais uma mão-cheia de filmes notáveis. Se Marlon Brando derramou talento no primeiro volume, é Robert De Niro (Óscar para Melhor Actor Secundário), interpretando o mesmo Vito Corleone enquanto jovem meliante, quem brilha neste episódio da saga, que é, em simultâneo, prólogo e sequela da obra que transformou a visão comum sobre o crime e os criminosos, pelo mecanismo simples de abordar a sua vida familiar, mostrando como um assassino ama os seus filhos, mesmo que não hesite em matar o irmão.
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As Portas do Céu (1980)

E, de um golpe, Michael Cimino, que estava tão bem lançado depois de O Caçador, acabou com a sua carreira, quase levou a United Artists à falência, e deu um tiro fatal no desenvolvimento de um novo tipo de western, acabando de vez com as pretensões dos realizadores da chamada nova vaga dos anos 70 em criarem grandes épicos à maneira de D.W. Griffith e Cecil B. DeMille. Porém, criou um extraordinário filme, pelo menos na versão de 219 minutos que editou das cinco horas originais. História do lado negro da colonização da América do Norte, o filme foi sujeito aos mais variados tratos de polé pelo estúdio, que, depois do fracasso original, entreteve alguns dos seus montadores e criarem novas (e mais curtas e “compreensíveis”) versões. A exibição por um canal por cabo de Los Angeles da edição original de As Portas do Céu, em 1982, iniciou uma certa reabilitação quer da película quer do realizador, mas foram precisos mais uns 30 anos para finalmente se voltar a olhar para este épico como uma obra desmesurada, por vezes irritante na sua atenção meticulosa aos mais ínfimos pormenores, mas sem dúvida inovadora e radical.

Sexo, Mentiras e Vídeo (1989)

Por esta altura, Steven Soderbergh não era o realizador que conhecemos de grandes produções e filmes mais ou menos experimentais. Era, apenas, um rapaz, quase que acabado de sair da escola de cinema, que, com pouco dinheiro, em jeito minimalista e com um argumento seriamente cerebral, arrebatou o Festival de Cannes com esta película provocadoramente serena e naturalista. Apesar do título não vale a pena esperar por cenas de sexo tórridas ou sequer nudez, nem sequer ver aqui premonição sobre o papel do vídeo na proliferação de pornografia. Aliás, para acabar de vez com ilusões voyeuristas, diga-se de uma vez que Sexo, Mentiras e Vídeo é só conversa. Sobre sexo, mas conversa. Muito bem orientada pela interpretação de James Spader, excelentemente espaldado nas representações de Laura San Giacomo, Peter Gallagher e, principalmente, Andie MacDowell, no seu primeiro papel cinematográfico de alguma estaleca.
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Filadélfia (1993)

Finalmente, os principais preconceitos afastados do horizonte perante a expansão da doença a todos os tipos de pessoas, independentemente das suas escolhas e práticas sexuais, ou do seu apetite por drogas duras, a sida tem direito a um filme produzido por estúdio importante, entregue a um realizador com considerável dose de talento, Jonathan Demme, e abrilhantado por um actor bem aceite pelo firmamento que gira em torno de Hollywood, Tom Hanks (que assim recebeu o seu primeiro Óscar de Melhor Actor). Acrescentar uma canção de Bruce Springsteen é um bónus, assim como, por uma vez depois de Matador, Antonio Banderas mostrar como pode ser um grande intérprete. Realizado sem ousadias, respeitando os principais códigos e convenções narrativas, o filme mostra a doença como uma praga ignorada pelos políticos, e como uma fonte de estigmatização dos doentes de maneira profundamente realista, através da saga kafkiana de um jovem e promissor advogado (parcialmente inspirado na história de Geoffrey Bowers, que sucessivamente batalhou em tribunal até o seu despedimento ser anulado) imediatamente abandonado pelos seus pares e mentores assim que revela a sua condição.

Trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003)

Durante décadas, a trilogia de J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, assim como qualquer outra das suas obras, esteve arredada do cinema. Não por falta de vontade, mas, na verdade, por falta de talento para criar uma adaptação aceitável da mais importante obra de literatura fantástica do século XX, e também por falta de meios para colocar em cena, de maneira crível, o universo da Terra Média com os seus hobbits, elfos, anões, dragões, feiticeiros e ocasionalmente alguns homens em luta contra as forças do mal representadas por Sauron e os poderes do anel. Até chegar Peter Jackson e, em boa parte, graças ao desenvolvimento da animação e dos efeitos especiais digitais, mas principalmente por realizar uma adaptação perfeita e quase fiel (foram introduzidas algumas histórias e personagens retiradas de outros livros de Tolkien sobre a Terra Média), tornar a trilogia na mais bem sucedida, estética e financeiramente, para nem falar no ror de Óscares para que foi nomeada (30) e venceu (14, 11 dos quais apenas pelo último volume, O Regresso do Rei) da história do cinema.

Mais clássicos de cinema para totós

  • Filmes

Na bilheteira, os anos 80 foram a década de Steven Spielberg e George Lucas. O cinema de grande espectáculo, sem vergonha de efeitos especiais, afirmou-se logo no início da nova era de Hollywood. Nem sempre para pior. Mas como não há acção sem reacção, ao lado ou noutras paragens singrava uma outra maneira de entender a sétima arte.

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Olhando a lista de melhores filmes dos anos 90, salta à vista a importância que a guerra e a violência tiveram no cinema da América e da Europa. Filmes sérios, sobre assuntos sérios, filmados, mais do que com seriedade, com ousadia. Foi um tempo de desequilíbrio, pois, ao lado, os blockbusters iam a toda a brida e venciam com grande avanço a corrida da bilheteira.

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