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Andrew Garfield/Adam Driver interview
Photograph: Jake Chessum

Silêncio: Adam Driver e Andrew Garfield falam sobre o novo filme de Martin Scorsese

A Time Out Nova Iorque falou com os protagonistas do novo filme do realizador americano, cuja estreia está marcada para 19 de Janeiro. Saiba mais sobre as gravações em Taiwan, que dizem ter sido uma “experiência catártica”

Joshua Rothkopf
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Joshua Rothkopf
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“Que pássaro é aquele?”. É sábado de manhã e é demasiado cedo, mas Adam Driver, que parece satisfeito com o café e o salmão fumado do seu café favorito (o quase vazio Brooklyn Heights Cafe), está a descrever-nos uma cena do filme. “Estávamos a gravar nas colinas de Taiwan e o Marty estava constantemente a ouvir o chilrear de um pássaro específico e a perguntar a toda a gente: “Que som é este? Que pássaro faz este som?”. Para ele, era muito importante saber isso e eu não me lembro de qual era o pássaro! Foi um detalhe que eu não absorvi, mas o Marty teve uma abertura incrível ao conseguir ter consciência, no meio de tudo o que se estava a passar, de como o espaço envolvente estava a afectar a história.”
 
Marty é, obviamente, Martin Scorsese, o sumo sacerdote do cinema nos Estados Unidos da América, responsável por Cavaleiros do Asfalto, Tudo Bons Rapazes e, por vezes, de projectos que desafiam até os seus admiradores mais acérrimos. Desta vez, o filme que faz isso mesmo é Silêncio, um projecto de longa data que é muito especial para o realizador e que só ficou completo quase 30 anos depois de ter começado a ser desenvolvido. Baseado no romance controverso de Shusaku Endo, de 1966, sobre a fé e como pode ser posta à prova, o filme narra o dilema de dois missionários jesuítas do século XVII que viajam de Portugal para o Japão – na altura um território desconhecido para o Ocidente.
 
Na versão de Scorsese, Silêncio é mais do que um candidato aos Óscares, mais do que uma obra-prima até. É o tipo de filme que pura e simplesmente já ninguém faz. Não só explora a agonia espiritual abordada pelo realizador sueco Ingmar Bergman como está envolto num ambiente místico, e quase mítico, que até Akira Kurosawa teria invejado. E se ainda estão a pensar se Marty chegou a encontrar o seu pássaro, fiquem descansados: os segundos iniciais do filme, que começam na mais completa escuridão, transformam-se gradualmente num incessante chilrear, como gritos de uma terra que não pode ser domada.
 
“Existe uma curta lista de realizadores que te liga e não interessa o que te estão a pedir, por eles tu fazes e pronto”, diz Andrew Garfield, inclinando-se como se estivesse a contar um segredo, enquanto dizia o óbvio. “E Scorsese está no topo dessa lista. Tinha acabado de rodar O Fantástico Homem-Aranha e não sabia se a minha participação na saga teria ou não chegado ao fim, embora de alguma forma sentisse que sim. Reflecti muito e esse período de aprendizagem foi muito difícil, mas foi também fantástico.” 
 
Garfield e Driver são o núcleo emocional de Silêncio, desempenhando o papel de noviços que, um pouco à maneira de O Coração das Trevas, se dirigem para uma terra deserta à procura do seu mentor, desaparecido há anos. Entretanto, acabam por ser postos à prova por um regime cruel que não quer que as suas crenças se disseminem, mesmo que cristãos japoneses convertidos tenham acolhido estes homens de fé como fugitivos.

Adam Driver/Andrew GarfieldFotografia: Jake Chessum

 
Mas existe aqui outra história: a de dois actores, ambos com 33 anos (Jesus Cristo sorriria com esta), ambos numa encruzilhada entre o sucesso e a satisfação pessoal. Silêncio tem sido a derradeira prova para eles e os dois saíram deste projecto mais experientes e mais comprometidos com a sua arte, ao ponto de ser impossível não reparar neles e no que têm feito.
 
Driver, o emotivo ex-namorado da personagem de Lena Dunham na série Girls e o responsável por uma das melhores interpretações de Enquanto Somos Jovens, de Noah Baumbach, tem agora de lidar com o famoso estatuto de sex symbol de Bushwickian. “Sinto-me um bocado confuso com tudo isto, porque muitas das vezes sinto-me desligado da minha geração”, disse. Enquanto ex-fuzileiro que chegou à Juilliard School, em Nova Iorque, em 2005, com um sentido de disciplina rigoroso e uma ética de trabalho rígida, Driver nunca soube como era a dificuldade de ter “um apartamento de porcaria” como muitos jovens têm (ele adora a vizinhança “seriamente calma” e sem hipsters que tem). Abanando a cabeça, Driver recusa-se a dizer uma palavra que seja sobre o filme do próximo ano A Guerra das Estrelas: Episódio VIII, no qual o vil Kylo Ren de O Despertar da Força volta a aparecer. Ao invés, ele muda de assunto e retoma a nossa conversa falando da sua paixão pela expressão pessoal, mesmo numa galáxia muito muito distante: “Uma vez que foram J. J. Abrams e Rian Johnson a realizar esses filmes [de A Guerra das Estrelas], para mim são como se fossem filmes independentes. Eles não sacrificam a história em prol do espectáculo.” (Antes do final do ano, ainda podemos ver Driver no filme de Jim Jarmush sobre um motorista de autocarros – uma pequena e encantadora película).
 
Garfield, por sua vez, critica os anos em que fez parte da máquina de fazer dinheiro da Marvel. “Tem de haver algo urgente sobre as histórias que estamos a contar, senão estamos a contribuir para esta cultura que nos entorpece. Foi difícil fazer o Homem Aranha, porque mesmo quando achava que tinha uma oportunidade única para fazer algo pelos jovens – adolescentes confusos e que se questionavam “Qual é o meu dom? Quem sou eu neste mundo?” – no fim quem realmente importava eram os accionistas e o McDonalds. O filme acabou por ser reprimido e feito para agradar às pessoas. É algo que nos parte o coração.”
 
Depois desse desgosto, Garfield tirou algum tempo para si. Preparou-se um ano inteiro para Silêncio, treinando sob a tutela do padre James Martin, um amigo jesuíta de Scorsese que trabalhou no filme como consultor. “Ele tornou-se o meu realizador espiritual durante um ano”, afirmou Garfield. “Acolheu-me como se estivesse a preparar-me para o sacerdócio.” Isso, a juntar aos trabalhos de casa do próprio Scorsese (“ver filmes mais sombrios, filmes do mercado negro que só para aí três pessoas viram”) e a um retiro de silêncio de 30 dias que realizou com Driver. Daí emergiu um novo actor, alguém capaz de aceitar o violento épico de guerra O Herói de Hacksaw Ridge – que conta a história de um homem profundamente religioso cujas crenças são desafiadas pela dura realidade da Segunda Grande Guerra – com confiança.
 
“Acho que sempre senti um chamamento”, acrescenta Garfield quando lhe pergunto se se considera uma pessoa espiritual. “Existe um grande vazio que precisa de ser constantemente preenchido. Grande parte das vezes, procuro-o nos sítios errados, como toda a gente: trabalho, sucesso, comida, álcool, a aprovação dos outros. E a lista continua. Uma das coisas que percebi enquanto rodávamos o filme é que estamos sempre a venerar qualquer coisa. Estamos sempre a dedicarmo-nos a algo, mesmo que não tenhamos consciência disso. Por isso, é melhor termos consciência e escolher aquilo a que nos dedicamos.”
 
Quanto ao realizador que inspirou os seus dois protagonistas a perder, em conjunto, um total de 38 quilos para representar da melhor forma a fome literal e espiritual (Driver parece estar incrivelmente magro neste filme), Scorsese parecia ter voltado a ser o novato de 33 anos que dirigiu Taxi Driver durante o Verão escaldante de 1975, em Nova Iorque. “Acho que eu próprio ando à procura de algo para mim”, disse-me, ligando desde Los Angeles, sobre a sua busca por algo maior, o elemento-chave de um dos seus filmes mais violentos e hedónicos. “Sempre fui muito ligado à religião. Sempre achei que se conseguisse completar este filme que ficaria mais próximo ainda, sabe? O problema é: e depois, em termos práticos, o que é que fazes com isso?"
 
Tanto Scorsese, como Driver e Garfield afirmam que a concepção de Silêncio foi difícil. Depois de anos e anos à procura de financiamento – Scorsese sentiu-se aliciado pelo romance de Endo em 1988, durante as controvérsias de A Última Tentação de Cristo – havia ainda a questão de adaptar toda a história ao guião, uma tarefa que ficou a cargo do colaborador de longa data Jay Cooks (A Idade da Inocência) e que demoraria decénios. E mesmo assim, mesmo já com luz verde, as filmagens em Taiwan tiveram a sua quota parte de infortúnios.
 
“Foi algo verdadeiramente angustiante”, sublinhou Scorsese sobre uma cena em particular: um momento em que o padre de Garfield, que tinha sido capturado pelos japoneses e que vociferava furioso, envolto em dúvidas religiosas, quase se passa. Ecoando alguma da simbologia de Touro Enraivecido, especialmente quando Robert De Niro começa a esmurrar as paredes de uma cela de prisão em Miami – essa cena é discutivelmente o clímax que o realizador de 74 anos tem trabalhado a sua vida inteira para atingir.
 
“O elemento-chave aí foi o Andrew, porque coloquei duas câmaras sobre ele e criei uma atmosfera na qual ele poderia fazer o que quisesse – e fê-lo num só take, por acaso”, afirmou Scorsese. “E foi – como é que digo isto? – agonizante. Muitas das coisas neste filme o foram. Agonizante ao ponto de sentirmos dor por todo o corpo, nas costas, no estômago e na cabeça. Pode ser sido catártico, mas tenho de admitir que ninguém gostou de fazer o que fez.”
 
Driver concorda, dizendo que ele próprio se alimenta do paralelismo entre a religião e o salto de fé que é necessário fazer para levar qualquer papel a sério. “A interpretação, um casamento, qualquer relação na qual existe um compromisso com qualquer coisa – todas estas coisas estão repletas de dúvida”, diz. “Mas essa é uma das virtudes de Scorsese. Ele cria um ambiente para que as pessoas se sintam à vontade para reivindicarem e assumirem os seus papéis. Ele, na verdade, contrata-te pelas tuas opiniões. Quer que te rebeles, que faças algo inesperado. Ele pensou nisto durante 28 anos e continua sem ter a 'maneira certa' de falar sobre o projecto, o que acho fantástico.”
 
Silêncio chega aos cinemas numa altura pautada por um sentimento de incerteza global, fazendo com que o seu timing seja extremamente oportuno. Um encontro secreto entre o Papa Francisco e a família de Scorsese acabou em bênçãos e numa mensagem de esperança para os dias e meses que se avizinham.  "Ele disse: 'Rezem por mim – bem que preciso'", recorda o realizador. De uma forma pouco modesta, Silêncio dá já indicações de uma poderosa ressurreição, até mesmo sob a guisa de um épico histórico sobre repressão religiosa. É um triunfo há muito aguardado de Scorsese e um advento para os seus dois protagonistas, que ficam assim disponíveis para se juntarem à companhia das grandes e torturadas almas do cinema – os Brandos e os Pacinos. “Quero que o meu trabalho seja o mais profundo possível”, admite Garfield. “Estou mais ciente do que nunca do potencial humano. E acho que preciso dele todo.”
 
 

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