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Grigory Sokolov
Grigory Sokolov

10 grandes pianistas russos que precisa de ouvir

A visita anual de Grigory Sokolov à Gulbenkian coroa uma temporada em que o pianismo russo tem estado em destaque, com Lugansky, Demidenko, Volodos, Kissin e Leonskaja. Mas a lista de ases russos do piano é interminável...

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Elaborar uma lista de 10 grandes pianistas russos é uma tarefa árdua por duas razões. Uma é que a terra russa é invulgarmente favorável ao despontar de grandes pianistas – uma prodigalidade que, para quem não seja melómano, é ofuscada pela notável aptidão daquelas paragens para gerar tenistas louras e esculturais. Tal abundância obriga, necessariamente, a deixar de fora pianistas de nível equivalente ao dos “escolhidos”.

A outra dificuldade decorre dos contornos nebulosos e mutáveis do adjectivo “russo”: a Revolução de Outubro de 1917 pôs fim ao Império Russo, que, após o período transitório da Guerra Civil, deu lugar em 1922 à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com a dissolução da URSS em 1991, muitas das antigas repúblicas soviéticas tornaram-se independentes e o “núcleo central” da URSS, a República Socialista Federativa Soviética Russa deu lugar à Federação Russa, geralmente designada por Rússia. Entre 1917 e 1991, usou-se a expressão “pianista russo” para designar o que, mais rigorosamente, deveria ser “pianista soviético”, uma vez que alguns deles nasceram na Ucrânia ou na Geórgia. Mas como havia uma “escola russa de piano” que vinha do tempo de Tchaikovsky, Anton Rubinstein e Scriabin, o adjectivo “russo” ficou. O fim da URSS veio acabar com esta solução de compromisso na catalogação geográfica e reabrir a questão: poderá classificar-se como “russa” a georgiana Elisabeth Leonskaja (n.1945, Tbilisi)? E que dizer da ucraniana Valentina Lisitsa (n. 1973, Kiev)? Para tornar tudo mais confuso, o carácter repressivo do regime político e o pouco dinamismo do meio musical levou muitos músicos soviéticos a estabelecer-se no Ocidente, adoptando uma nova nacionalidade – por exemplo, Leonskaja é hoje cidadã austríaca, Lisitsa é norte-americana.

Grigory Sokolov em Lisboa

Fundação Calouste Gulbenkian, domingo 8 Abril, 19.00, 30-70€.

10 grandes pianistas russos que precisa de ouvir

Sviatoslav Richter (1915-1997)

Nasceu em Zhytomyr, no que é hoje a Ucrânia, mas como quase toda a sua carreira decorreu sob a égide da URSS, não haverá grande contestação à sua qualidade de “russo”, mesmo que o apelido familiar denuncie a origem germânica do pai, que estudara piano em Viena (o que levou a que fosse fuzilado em Outubro 1941, sob a acusação de espiar para o invasor nazi).

Richter foi aluno de Heinrich Neuhaus, no Conservatório de Moscovo, estreou a Sonata para piano n.º 7 de Prokofiev, em 1943, foi distinguido com o Prémio Stalin em 1949, fez parcerias com Rostropovich, Oistrakh, Kogan, Bashmet, Gutman, Fischer-Dieskau e Britten e, embora tenha dado numerosos concertos no Ocidente, nunca deixou a URSS.

Faleceu em Moscovo em 1997.

Compositores de eleição: de Bach a Gershwin, passando por Beethoven, Schubert, Schumann, Chopin, Liszt, Debussy e Prokofiev

[Scherzo n.º 2 op. 31, de Chopin, registo de 1963]

Emil Gilels (1916-1985)

Nasceu em Odessa, hoje na Ucrânia, numa família judaica (o seu nome judaico era Samuil Hilels), o que o coloca numa situação semelhante a Richter no que diz respeito à “russidade”. Em 1933, com 16 anos, venceu o Concurso de Piano da URSS, o que lhe conferiu grande popularidade e levou a que empreendesse uma tournée por todo o país. Em 1935 tornou-se aluno de Heinrich Neuhaus no Conservatório de Moscovo, em 1944 estreou a Sonata para piano n.º 8 de Prokofiev e em 1946 recebeu o Prémio Stalin – mais três pertinentes pontos de contacto com Richter.

Em 1945 formou um trio com Rostropovich e o violinista Leonid Kogan (seu cunhado) e partir de 1947 tornou-se num dos primeiros músicos soviéticos a actuar regularmente no Ocidente. Faleceu em Moscovo em 1985, deixando inacabada uma gravação integral das 32 sonatas para piano de Beethoven para a Deutsche Grammophon.

Compositores de eleição: Beethoven, Brahms, Schumann

[III andamento (Presto agitato) da Sonata n.º 14 op.27/2 Ao Luar, de Beethoven, registo ao vivo de 1968]

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Lazar Berman (1930-2005)

Nasceu em Leningrado numa família judaica, em que, como nos casos de Richter e Gilels, havia antecedentes musicais – no seu caso, a mãe tocava piano. Iniciou-se no instrumento aos três anos e começou a compor aos sete e, perante tão óbvios sinais de vocação musical, a família mudou-se para Moscovo quando ele tinha nove anos, de forma a que pudesse estudar no Conservatório da capital, onde foi aluno de Richter.

Durante muitos anos tocou regularmente pela URSS, nem sempre nas melhores condições nem para os públicos mais interessados, e vivia num minúsculo apartamento de duas divisões, uma das quais era inteiramente preenchida por um piano de cauda. O Ocidente só deu pela existência de Berman quando este realizou uma tournée pelos EUA em 1975 – as grandes editoras disputaram-no e as propostas de concertos multiplicaram-se.

Faleceu em Florença.

Compositores de eleição: Liszt, Tchaikovsky, Rachmaninov

[Valsa Mefisto, de Liszt, registo ao vivo de 1989, Moscovo]

Vladimir Ashkenazy (n.1937)

Nasceu em Gorky – hoje Nizhny Novgorod – numa família judaica com inclinações artísticas: o pai era pianista e compositor, a mãe, actriz. Foi aluno de Lev Oborin no Conservatório de Moscovo e, ainda adolescente, foi premiado em concursos internacionais de piano – Chopin, em Varsóvia, Rainha Elizabete, em Bruxelas. Em 1961 casou-se com Thorunn Jóhannsdóttir, uma islandesa que estudava piano no Conservatório de Moscovo e em 1963 trocou definitivamente a URSS pelo Ocidente – é cidadão islandês desde 1972 e vive na Suíça desde 1978. O seu filho mais velho é também pianista e, uma vez que tem o mesmo nome próprio que o pai, usa Vovka Ashkenazy como nome artístico – pai e filho gravaram um disco de piano a quatro mãos.

Vladimir Ashkenazy notabilizou-se também como maestro e continua, aos 81 anos a actuar e gravar como pianista e maestro. Para a Decca, editora com a qual tem contrato exclusivo desde 1963, registou uma impressionante quantidade de discos, boa parte dos quais se contam entre as versões de referência.

Compositores de eleição: Bach, Beethoven, Chopin, Mozart, Rachmaninov, Schumann, Scriabin, Shostakovich

[Nocturno op.9/2, de Chopin]

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Grigory Sokolov (n.1950)

Nasceu em Leningrado, deu o primeiro recital público aos 12 anos e obteve o 1º prémio no Concurso Tchaikovsky de Moscovo (Gilels fazia parte do júri), em 1966, aos 16 anos. Porém, a sua carreira só começar a ganhar ímpeto no Ocidente nos anos 80, em parte devido às restrições inerentes ao regime soviético e também porque a relação de Sokolov com a música não é propícia a agendas de concertos sobrecarregadas ou à gravação de discos em ritmo industrial. As interpretações têm um cunho muito pessoal, aliado a um extremo rigor. De cada vez que se confronta com um piano novo numa nova sala, examina-lhe atentamente as entranhas e passa horas praticando no dia do recital de forma a familiarizar-se com o instrumento. Isto nada tem de excêntrico, como explica o próprio: “Como posso tocar sem saber como o instrumento vai reagir?”.

Compositores de eleição: de William Byrd (séc. XVI) a Arnold Schoenberg (séc. XX), passando por Bach, Couperin, Rameau, Beethoven, Mozart, Schumann, Rachmaninov, Prokofiev.

[Les Cyclopes, de Rameau, um encore de um recital dedicado a Beethoven e Schubert, num registo ao vivo de 2013 na Philharmonie de Berlim (Deutsche Grammophon)]

Mikhail Pletnev (n.1957)

Nasceu em Arkhangelsk, cidade portuária no Mar Branco, 1200 Km a norte de Moscovo, numa família de músicos – a mãe tocava piano, o pai bayan, o acordeão russo. Em 1978, com 21 anos, venceu o Prémio Tchaikovsky. A amizade com Gorbachev ajudou-o a obter apoio para a fundação, em 1990, da Orquestra Nacional Russa, a primeira orquestra “privada” (isto é, não dependente do Estado) a surgir naquelas paragens desde a revolução de 1917. Tem contrato exclusivo com a Deutsche Grammophon desde 1996 e a sua actividade divide-se entre o piano e a direcção orquestral. Vive na Tailândia.

Compositores de eleição: Beethoven, Mussorgsky, Prokofiev, Rachmaninov, Scriabin, Tchaikovsky

[Concerto para piano n.º 1 de Tchaikovsky, com a Orquestra Filarmónica de Moscovo e o maestro Aleksandr Lazarev, no Concurso Tchaikovsky de 1978, em Moscovo – foi esta prestação que valeu a Pletnev o 1.º prémio no concurso]

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Evgeny Kissin (n.1971)

Nasceu em Moscovo numa família judaica, em que a mãe era professora de piano e o pai engenheiro. Aos dois anos era capaz de reproduzir no piano qualquer melodia que ouvisse, entrou para uma escola de crianças-prodígio aos seis, apresentou-se em publico pela primeira vez aos 10, com um concerto de Mozart, deu o primeiro recital a solo aos 11 e gravou o seu primeiro disco, com os dois concertos de Chopin, para a RCA Red Seal, acompanhado pela Filarmónica de Moscovo e pelo maestro Dmitry Kitayenko, aos 12. Após vários discos na RCA e Melodiya, estreou-se aos 17 anos na Deutsche Grammophon sob a batuta de Herbert von Karajan, com o Concerto n.º 1 de Tchaikovsky.

Embora não tenha, na infância, sido educado na tradição judaica, acabou por voltar-se para as suas raízes e o seu interesse pela poesia e música judaicas levou-o a lançar em 2010 o álbum On the Keys of Yiddish Poetry, em que declama poesia iídiche. Em 2013 adquiriu a cidadania israelita (é o seu terceiro passaporte, pois em 2002 tornara-se cidadão britânico).

Compositores de eleição: Chopin, Liszt, Tchaikovsky

[Concerto para piano n.º 1 de Chopin, a 23 de Maio de 1985, tinha Kissin 13 anos. É acompanhado pela Filarmónica de Moscovo, dirigida por Andrei Chistyakov. O piano entra aos 4’45]

Arcadi Volodos (n.1972)

Nasceu em Leninegrado e começou por estudar canto – os pais eram ambos cantores –, passou para a direcção orquestral e só com a tardia idade de 15 anos começou a dedicar-se a sério ao piano (que tocava desde os oito). O seu talento inato revelou-se de imediato e o primeiro disco que lançou, em 1997, com transcrições de peças célebres, fez dele uma estrela da noite para o dia. Desde então tem actuado por todo o mundo e gravado, sempre na Sony Classical, e três dos seus discos foram distinguidos com o prestigiado (e renhidamente disputado) Gramophone Award, na categoria música instrumental – Volodos Live at Carnegie Hall (1999), Volodos in Vienna (2010) e Volodos Plays Mompou (2014) – o que é equivalente, no mundo da música clássica, a ter ganho três Oscars.

Compositores de eleição: Brahms, Liszt, Rachmaninov, Scriabin, Tchaikovsky

[Excerto do Concerto para piano n.º 2, de Rachmaninov, sob a direcção de Riccardo Chailly, nos BBC Proms, 1998]

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Nikolai Lugansky (n.1972)

Nasceu em Moscovo. Com cinco anos, entrou na casa do vizinho, trepou para o banco do piano e tocou na íntegra uma sonata de Beethoven. Passou-se isto antes de saber ler música e de ter começado a ter lições particulares de piano. E antes de ter entrado para a Escola Central de Música de Moscovo – aos sete anos de idade. Em 1993, após ter conquistado prémios nos concursos Bach de Leipzig, Rachmaninov de Moscovo e da Academia de Verão do Mozarteum de Salzburgo, Tatiana Nikolaieva, figura cimeira do pianismo russo e sua professora durante nove anos, profetizou na sua última entrevista, que Lugansky estava destinado a ser o nome seguinte na nobre linhagem de Grandes Pianistas Russos. No ano seguinte, Lugansky confirmou o vaticínio ao vencer o prémio Tchaikovsky de Moscovo. Começou por gravar para a etiqueta russa Melodiya e disseminou depois o seu talento pela Vanguard, Pentatone, EMI/Warner, Onyx e Deutsche Grammophon, fixando-se. mais recentemente, na Naïve.

Compositores de eleição: Chopin, Medtner, Prokofiev, Rachmaninov, Scriabin, Tchaikovsky

[Prelúdio op.23 n.º 5 e Moment Musical op.16 n.º 4, de Rachmaninov]

Daniil Trifonov (n.1991)

Nasceu em Nizhny Novgorod, cidade que parece ter propensão para gerar músicos de talento: além do compositor Mily Balakirev (1837-1910), líder do Grupo dos Cinco e pioneiro da identidade musical russa, é terra natal dos pianistas Grigory Ginzburg e Vladimir Ashkenazy.

Ajudou certamente à fulgurante trajectória de Trifonov que ambos os pais fossem músicos profissionais, mas nem todos os filhos de músicos se estreiam em público como solistas aos oito anos. Apesar da juventude, Trifonov, já tem vários CDs na Deutsche Grammophon, o mais recente dos quais, dedicado a Chopin, tem Mikhail Pletnev como maestro.

Compositores de eleição: Chopin, Liszt, Rachmaninov, Scriabin

[Fantasia-Impromptu op.66, de Chopin]

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Mozart, Beethoven, Schubert, Schumann, Chopin, Brahms, Liszt, Tchaikovsky, Scriabin, Rachmaninov, Debussy, Ravel, Prokofiev: são os nomes que são lembrados quando se fala de grandes compositores de música para piano. Quase todos foram também grandes pianistas.

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A vintena de sonatas para piano compostas por Franz Schubert (1797-1828) está longe de ter a reputação das 32 sonatas de Beethoven. Schubert teve logo à partida a desvantagem de, ao contrário de Beethoven, ter tido uma carreira discretíssima e de poucas das suas sonatas terem sido apresentadas em público ou publicadas durante o seu período de vida.

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O pianoforte, o grácil antepassado do robusto instrumento que hoje conhecemos como piano foi inventado por Bartolomeo Cristofori no início do século XVIII, mas levou algum tempo até que pudesse contestar a hegemonia do cravo e os compositores começassem a escrever peças destinadas especificamente a ele. 

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